quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Rouba e não faz*

[ "Rouba, mas faz". A frase, que começou como lema, ou slogan eleitoral, tornou-se a base de toda uma filosofia política no Brasil. Uma das tradições do cenário político brasileiro, a frase tornou-se o modus operandi do governante que é acusado de corrupção ao longo do mandato, mas é querido pelo povo por causa do trabalho e das obras que realiza. A "filosofia" foi criada pelo ex-governador de São Paulo e ex-prefeito da capital paulista, Ademar de Barros (1901-1969), até hoje é identificado com esse slogan. Entre o início de sua carreira como deputado estadual, em 1934, e sua cassação pelo regime militar de 1964, 32 anos depois, ele colecionou feitos administrativos, suspeitas de desvio de dinheiro público e muita polêmica.
No final das contas, a frase acabou por se tornar uma prática real e comum na política do Brasil. Argumenta-se que o político-governante corrupto, ou seja, que rouba, mas é competente e faz coisas importantes para a população, tem vida longa. Um exemplo disso é o paulista Paulo Maluf (que inclusive possibilitou a ampliação do vocabulário, ao inspirar um novo verbo: malufar, neologismo que significa esperteza, no pior sentido, a malandragem mais descarada, a roubalheira associada ao empreendedorismo do político.). Esses argumentos mostram que os cidadãos que assimilam a ideia da competência ligada à corrupção reduzem, do ponto de vista psicológico, a tensão associada ao ato de votar em político corrupto.
O povo tupiniquim tem sofrido muito com a corrupção, inclusive e principalmente depois do fim do governo militar (1964-1985). Todos os governos da transição democrática ou da pseudo-redemocratização foram tachados de corruptos (desde Sarney até Lula da Silva e Dilma Rousseff, passando por Fernando Collor, e Fernando Cardoso ­­––a exceção foi Itamar Franco). Perguntas diretas de pesquisa realizadas há alguns anos sobre as atitudes dos entrevistados em relação à frase “rouba, mas faz” sugerem que ela conta com o apoio de uma minoria substancial da população brasileira.
Em pesquisa de 2000, 47% dos entrevistados disseram que preferiam um prefeito que não era “totalmente honesto”, quando este resolvia os problemas da cidade, enquanto que apenas 40% afirmaram que preferem um prefeito totalmente honesto, mesmo que “não seja tão eficiente”. Da mesma forma, outra pesquisa, esta de 2002, revelou que 40% dos entrevistados concordam com a afirmação de que “um político que realiza uma série de obras públicas, mesmo se ele rouba um pouco, é melhor do que um político que realiza poucas obras públicas e não rouba nada”.
Assim, o “rouba, mas faz” (“roba pero hace” ou “he steals but he do it”) está incutido na alma dos eleitores brasileiros. Legitimar a ilicitude na política corresponde a não receber as contrapartidas dos impostos que cada um paga.  Não é absurdo afirmar que cada vez que um político, eleito pelo voto, desvia recursos públicos, uma série de benefícios que a população teria é substituída pelos benefícios particulares em prol desse homem público desabotinado.
Levando-se em consideração que é impossível um político nada fazer quando exerce um cargo público, o fato de ele roubar elimina uma série de possibilidades de ações que beneficiariam milhares de pessoas. A expressão “rouba, mas faz” significa o mesmo que dizer que todo político deve fazer menos do que sua obrigação o incumbe. E esse fazer menos implica desvio do imposto que todos são obrigados a pagar indiscriminadamente. Trocando em miúdos, é roubo puro e simples —e ser corrupto é pior do que ser assassino; este último mata no varejo, aquele mata no atacado.
Mas agora, o "rouba mas faz" parece estar desaparecendo. Pelo que se em praticamente todo o país, é que os políticos continuam roubando desbragadamente, mas pouco ou nada realizam. Unidades da federação fortes como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais decretaram estado de calamidade financeira. Campo Grande, que já foi uma cidade de ótima qualidade de vida, parece ter sido alvo de uma batalha extremamente destrutiva —na mesma condição estão São Luís (MA), São Paulo (SP), Manaus (AM) e outras capitais. Agora, o que o povo tem é apenas político ladrão, estúpido e incompetente.
Hoje na política do Brasil nada se perde, nada se transforma e nada melhora. Tudo se corrompe e tudo piora. Hoje o político rouba e não faz. Os governantes têm 1.001 formas de roubar... E todas funcionam.

(*) O texto acima foi editado e revisado depois de postado.

Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil

Um comentário:

Anônimo disse...

Corruptos e corruptores são descartáveis, como as fraldas.
(Georges Najjar Jr - livro "desaforismos")