domingo, 23 de julho de 2017

Direção ofensiva

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Agência responsável pelo trânsito em Campo Grande, a Agetran alega, em estudo divulgado recentemente, que "excesso de velocidade e a imperícia dos condutores por falta de habilitação (sic) —falta de carteira de habilitação é motivo pra imperícia?— para dirigir foram responsáveis por mais de 45% dos acidentes com vítimas fatais registrados no último ano em Campo Grande, conforme levantamento dos órgãos integrantes do Gabinete de Gestão Integrada de Trânsito (Ggit)".
De acordo com o documento das autoridades do trânsito, "os números que compõem estudo do programa 'Vida no Trânsito', coordenado em Campo Grande pela Secretaria Municipal de Saúde (Sesau), e que tem por finalidade desenvolver ações intersetoriais de vigilância, controle e prevenção das mortes e lesões no trânsito, são preocupantes".
Segundo o levantamento, nos últimos dois anos e seis meses foram registrados mais de 200 acidentes de trânsito com vítimas fatais na área urbana da cidade —96 em 2015; 83 em 2016 e 36 no primeiro semestre de 2017. Para as autoridades municipais, as principais causas dos acidentes de trânsito são alta velocidade, condutor sem habilitação (sic), dirigir alcoolizado, avançar semáforo, desrespeito à sinalização, problemas na infraestrutura, transitar em local impróprio, falta de visibilidade, dirigir em local proibido, conduzir falando ao celular e outros que tais.
Apesar de mencionar o problema com a infraestrutura, a otoridade prefere ignorar a parte que lhe cabe e às instituições na esculhambação no trânsito da cidade. Acontece que o poder público tem uma gorda cota de participação nas falhas no sistema de circulação de Campo Grande, a Capital do Estado, falhas essas que vão do planejamento à manutenção das vias públicas, passando por sinalização, construção, educação, fiscalização etc. etc. e tal. Há uma grande insegurança no trânsito da cidade e as autoridades, demonstrando ineficiência e ineficácia no exercício da própria função, jogam toda a culpa no cidadão e fogem da sua responsabilidade como gestores do trânsito.
A sensação de impotência afeta os cidadãos. O poder público, cada vez mais inerte, se pronuncia de maneira confusa e pouco eficaz. A violência atinge patamares assustadores e os acidentes graves já estão incorporados à rotina de todos, seja nos grandes centros urbanos ou nas pequenas localidades —e Campo Grande não está entre as exceções. Colisões, abalroamentos, atropelamentos viraram fatos corriqueiros no dia-a-dia da população.
Não há qualquer justificativa para acidentes que tiram de forma tão absurda a vida das pessoas, principalmente sabendo-se que todos eles podem ser evitados na medida em que o condutor dirija com responsabilidade e respeito a outras pessoas. Os números chocam, impressionam e doem. As causas dos “acidentes” normalmente têm sempre um vilão para as autoridades —seja ela de trânsito ou policial: o condutor. É sempre ele que corre demais, dirige alcoolizado, que tenta uma ultrapassagem em local não permitido ou dorme ao volante. As mortes poderiam ser evitadas se os condutores dirigissem com responsabilidade e respeito a outras pessoas. Mas as explicações não param por aí. Não mesmo. As pessoas morrem nas ruas, avenidas, rodovias e estradas por uma série de fatores. E o mais grave deles é a omissão estatal —com certeza à autoridade cabe mais culpa que ao motorista e motoqueiro. Se o motorista bebe e dirige, é também porque falta fiscalização para punir com rigor.
Quando se divulga que uma ultrapassagem proibida provocou uma tragédia, nenhum especialista vai checar se a sinalização no local era boa ou se havia um buraco na pista. Quando um caminhoneiro dorme ao volante, ninguém quer saber quantas horas ininterruptas ele trabalhava nem as condições de sua saúde. Nessas horas, uma das desculpas mais comuns das autoridades é que os órgãos de fiscalização não dão conta de tantas atribuições. Só que a situação precisa mudar. Por que não se toma uma iniciativa realmente séria e abrangente para conter a grande epidemia que causa tantas mortes no trânsito?
As medidas devem ir além das campanhas de conscientização. É preciso muito mais do que difundir o se beber, não dirija. É necessário reunir as autoridades pra preparar uma estratégia única para conter as tragédias nas vias públicas. Fazer um levantamento completo dos problemas enfrentados, melhorar as vias públicas e adotar uma fiscalização única e eficaz, além de uma engenharia de tráfego bem planejada e conduzida, coisa inexistente na Morenópolis.
Pode não render votos, mas evita tragédias diárias. Chegou o momento de estabelecer uma política séria de combate à violência no trânsito. Ou melhor, de firmar um pacto pela vida. E isso tem de começar com as autoridades parando de dizer platitudes como as que colocam todos os erros do trânsito na culpa dos motoristas.
A autoridade tem uma grande parcela de culpa pelo que acontece de errado no trânsito. É claro que se cada motorista exercitasse os valores da cidadania, da paciência, da solidariedade, da gentileza e da responsabilidade, o trânsito seria muito mais civilizado. Mas a mídia só cobra do cidadão; nunca exige do poder público, embora haja tantos erros no trânsito da exclusiva responsabilidade da autoridade.
A cada dia que passa, os veículos automotores são cada vez mais usados pelos seres humanos. O carro é cada vez mais precedente: alguns automóveis modernos, por exemplo, se autoconduzem —isto é, não necessitam de um motorista para conduzí-los. E ficam cada vez mais auto-suficientes. O carro, por exemplo, carrega seu próprio filtro; já o homem não pode correr e beber água filtrada simultaneamente —aliás, o carro quando sai leva, além do filtro, as velas, escova, pistão, luva, ventilador, mala, descarga, fluídos diversos e até mudança. E o homem? Carrega no máximo um saquinho de supermercado ou uma pasta de documentos.
Mas se são um dos objetos favoritos dos seres humanos, os automóveis são máquinas que podem tornar-se extremamente perigosas, notadamente quando estão sob o controle dos campo-grandenses. E enfrentar um morenopolitano ao volante é uma ação muito complexa e complicada, até porque os condutores de automóveis e outros veículos pensam que estão sempre certos, com toda a razão. Parafraseando o ex-presidente Lula da Silva, o motorista campo-grandense parece estar sempre dizendo: "duvido que alguém neste país dirija um carro melhor do eu".
Se você é um desses poucos motoristas que dirigem bem na cidade, tem uma solução muito prática e eficaz pra enfrentar o abominável, deplorável, execrável e repulsivo condutor morenopolitano: adote a direção defensiva (ou seria ofensiva?) e compre um tanque de guerra. Mas dirija com cuidado e não beba antes de dirigir — o tanque aqui do caso não é o recipiente de pedra, metal ou alvenaria próprio para conter líquidos.

Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil



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