[
Se há algo realmente incômodo
na leitura de jornais, revistas e sites e na audiência de tvs e rádios é a prática
de repórteres, redatores, ancoras e locutores em geral de explicar o
significado de algumas palavras, talvez porque as considerem “difíceis”,
complexas, intricadas (intrincadas), obscuras ou sei lá o quê. Um dos exemplos
mais sobejos é doloso, a rainha das
explicações. Não tem vez que alguém na mídia cite a palavra que não a traduza a
nós ignorantes: “com a intenção de matar”.
Não consigo compreender
quais são os critérios adotados para essa prática. Há muito tempo —há anos,
calculo eu— tento descobrir quais são os critérios da mídia pra “traduzir” para
nós, ignorantes leitores, ouvintes, telespectadores, o significado de algumas
palavras. Certamente não é a dificuldade que temos em entendê-las. Sempre digo
que não existem palavras "difíceis", mas palavras conhecidas e
desconhecidas.
No dia-a-dia a gente lê e
ouve milhares dessas palavras na mídia. Neste final de semana escolhi alguma
aleatoriamente; terraplenagem (desta há ocorrências com a grafia incorreta de
terraplanagem), predecessor, convescote, lábaro, griffe (pergunte a dez pessoas, onze não sabem o significado de grife), impeachment (encontrei a grafia errada impeachement inúmeras vezes), abdução (que muita gente pensa que
tem a ver com seres de outros planetas), clivagem, exotérico (na maioria das menções
o redator está confundindo com esotérico, que é exatamente o contrário), intracraniana,
epifania, na reportagem de um telejornal. Nenhuma delas tinha o significado
entre parênteses, apesar de serem palavras de uso pouco comum.
Entretanto, palavras de uso
mais corriqueiro ganharam tradução nos textos dos jornais e revistas. Sempre
que se fala de política na Alemanha escreve-se e fala-se a palavra “chanceler” à
exaustão. E entre os parênteses lá está a indefectível tradução: premiê ou
primeiro ministro. Na Globo, sequer usam o termo chanceler, mas
primeira-ministra, sabe-se lá porque. Qualquer criança de primeiro grau sabe
que, primeiro de tudo, chanceler é o chefe de governo ou primeiro-ministro em muitos
países, inclusive Alemanha, e, depois, ministro das relações exteriores ou dos negócios
estrangeiros, em outros países, inclusive Brasil. Interessante notar que a
mídia não traduz “Secretário de Estado” (EUA) para chanceler. Afinal, o cargo
equivale a ministros das relações exteriores em outros países.
Em priscas eras, nos
tempos da Guerra Fria, tinha “a” KGB, que a mídia nos informava ser a polícia
secreta soviética. E aí cometia logo dois erros de uma só vez: primeiro, que
não era simplesmente a polícia secreta coisíssima alguma, mas algo bem mais
complexo, quase um Estado dentro do Estado; depois que KGB significava Komitet
Gosudarstvennoy Bezopasnosti (Комите́т Госуда́рственной Безопа́сности) —em português,
Comitê de Segurança do Estado—, e, se
era um comitê (vocábulo masculino), KGB não deveria ser “a” KGB, mas “o” KGB,
certo?
Fico extremamente
incomodado com a colocação do significado de algumas (muitas, na minha opinião)
palavras entre parênteses ou de explicações como a da bomba atômica, até porque
os redatores também se mostram muitas vezes bem ignorantezinhos. Me considero
vilipendiado, achincalhado com essa atitude dos redatores, editores,
copidesques, escrevinhadores, ou seja lá o que for, do jornal. Penso que estão
subestimando minha sapiência, minha conhecença e minha inteligência. É como se
me dissessem: veja, seu idiota!, como você é mesmo um iletrado, estou te
dizendo o significado dessas palavras.
Tenho certeza de que não
sou o único leitor, ouvinte e telespectador
que se sente desta maneira.
Essa é uma atitude muito arrogante do jornal, que poderia ser solucionada de
outras maneiras. Por exemplo: os jornais e revistas poderiam criar dicionários
nos mesmos moldes dos manuais de redação, que seriam distribuídos aos distintos
leitores. Claro que os dicionários teriam que ser tratados com mais cuidado,
para evitar os erros.
Os manuais de redação são
um caso à parte. Mas não pense que não aprecio os manuais de redação. Eles são
meus guia de texto favorito. Tenho-os (juntamente com outras obras
assemelhadas) sempre ao meu lado para me auxiliar quando redijo. Os pequenos
erros existentes neles são perfeitamente perdoáveis —quem não erra, né? De vez
em quando eu até me apanho escrevendo asneiras ensandecidas.
Mas nem eu escapo desses
cacoetes jornalísticos. Edito o conteúdo de um site ligado ao meio ambiente. Dia
desses, um dos redatores enfiou lá “sinuoso (cheio de curvas)”; não teve
argumento para demovê-lo de que aquela era uma atitude arrogante. O mesmo
redator, porém, escrevinhou “relicto” em outro texto postado no site —fiz uma
rápida pesquisa, e descobri que, de cada dez pessoas, onze não sabem o que
significa relicto. Mas ele não colocou nenhuma explicação pro leitor —e nem o
Aurélio sabe da existência do vocábulo. Pode procurar.
Mas voltemos ao alfarrábio:
que tal chamá-lo de Dicionário dos Ignorantes ou Pai dos Burros? Mas se o
dicionário ficar muito caro (e vai ficar!), os jornais e revistas poderiam
criar glossários ao final de suas edições, contendo aquelas palavras que os
escrevinhadores do jornal consideram “difíceis” para seus desletrados leitores.
Tenho até uma sugestão de título pro glossário: Painel do Analfabeto. Ou
Acertamos (em contraposição ao "Erramos" existente em alguns veículos).
Por mais que lucubre sobre
o assunto, continuo não compreendendo o porquê das acepções entre os parênteses.
Elas me servem pouco, até porque eu não confio nos significados dados pelos
jornalistas; prefiro recorrer aos dicionários, o que faço sempre que sinto
necessidade. Considero a atitude desses jornalistas o supra-sumo da arrogância
e uma forma estúpida de ignorância. Tenho a frase a seguir entre minhas
anotações, mas não sei quem é seu autor: “a ignorância não se dá apenas pelo
analfabetismo. Mas, também pela falta de conhecimento em saber distinguir e dar
valor às sapiências alheias.” Ela define exatamente o que penso sobre o
assunto.
Luca Maribondo
Campo Grande | MS | Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário