quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A gente se entende

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Reconto aqui uma antiga fábula, que li não sei onde —ou me contaram— há muito, muito tempo. Como a escrevo de memória, não sei se é exatamente assim, mas aí vai.

Trajando uma magnífica roupa de caçador, um homem caçava na mata. Estava metido na mais negra e escura floresta, e caçava. Mas não procurava uma caça qualquer, não. Procurava uma determinada, uma especial, capaz de proporcionar-lhe aquela pele peluda que aquecesse suas longas noites hibernais.

E procurava, e procurava. Procura que procura, eis que, senão quando, numa clareira, depara nada mais nada menos que com um urso dos maiores. Os dois —o caçador e sua caça— se defrontam diante de uma gruta. O caça­dor aterrorizado pelo primitivismo e selvageria do animal. O animal apavorado pela crueldade e civilização —na for­ma da arma e dos projéteis— do caçador. Faminto, foi o urso quem falou primeiro:

— O que é que você está procurando?

— Eu?! —perguntou o caçador— Estou em busca de uma boa pele com a qual possa abrigar-me e aquecer-me no inverno. E você?

— Eu —disse o urso— procuro algo pro jantar, até porque há três dias que não como.

E os dois se puseram a pensar. Ficaram ambos um longo tempo meditando à porta da gruta e foi de novo o urso quem falou primeiro:

— Olha, caçador, vamos entrar na caverna e conversar lá dentro, que é melhor.

Entraram. E, em meia hora, o urso tinha o seu jantar e, conseqüentemente, o caçador estava devidamente abrigado em seu capote.

Como a maioria das fábula, esta também tem lá a sua moral: é conversando que a gente se entende.

Me lembrei desta fábula a propósito dos primeiros trinta dias (em 31/1/17) da administração do prefeito Marquinhos Trad. O distinto público talvez ainda não saiba, mas o novo prefeito foi avaliado assim por um jornal digital local: "a população de Campo Grande avalia como bom o primeiro mês da gestão do prefeito de Campo Grande, Marcos Marcello Trad. Enquete realizada pelo Top Mídia News com a pergunta 'Como você avalia os primeiros 30 dias de Marquinhos Trad como prefeito de Campo Grande?' apontou que 28,05% dos leitores consideraram como ‘bom’ o início da nova administração. Para 24,39% dos votantes classificaram como regular. 23,17% consideraram como péssimo. Na quarta posição, 18,29% consideraram a gestão de Marquinhos como ótimo e 6,10% como ruim". Quer dizer, nem 1/3 da população aprecia

Em 1933, quando Franklin Roosevelt assumiu a presidência dos Estados Unidos, surgiu a mística dos 100 primeiros dias de governo como período emblemático para que a população conheça a cara da nova administração ungida pelas urnas. Naquela época a nação que estava prestes a se tornar a maior potência mundial vivia os efeitos da quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1929. Foi nesse período que o líder norte-americano criou as bases que reergueram a economia através da política do “New Deal”.

No Brasil esse período mágico de pouco mais de três meses é apontado como o momento em que a oposição e os desafetos dão uma trégua sem fazer cobranças mais duras e colaborando sem grandes exigências nas disputas e análises. De maneira geral, a mídia também torna-se mais benevolente e leniente nas críticas. Todos comentam erros e acertos, mas evitam pegar mais pesado com o gestor recém empossado.


Trad recebeu o que se pode chamar de herança maldita e tenta convencer a todos de que tem o poder e a força pra consertar os erros dos seus antecessores mais recentes. Um mês não é tempo suficiente pra se avaliar uma novel gestão municipal. Assim, fala-se muito e age-se pouco. Mas, como se sabe, é conversando que a classe política se entende, ainda que, volta e meia, a conversa leve um a tentar engolir o outro. Assim, é bom na política esperar-se os primeiros cem dias —depois, deixa o pau comer: sempre tem um político tentando fazer o outro calar a boca. Muitas vezes não é conversando que se entende.

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