Reconto aqui uma antiga fábula, que li não sei onde —ou me
contaram— há muito, muito tempo. Como a escrevo de memória, não sei se é
exatamente assim, mas aí vai.
Trajando uma magnífica roupa de caçador, um homem caçava na mata.
Estava metido na mais negra e escura floresta, e caçava. Mas não procurava uma
caça qualquer, não. Procurava uma determinada, uma especial, capaz de
proporcionar-lhe aquela pele peluda que aquecesse suas longas noites hibernais.
E procurava, e procurava. Procura que procura, eis que, senão
quando, numa clareira, depara nada mais nada menos que com um urso dos maiores.
Os dois —o caçador e sua caça— se defrontam diante de uma gruta. O caçador
aterrorizado pelo primitivismo e selvageria do animal. O animal apavorado pela
crueldade e civilização —na forma da arma e dos projéteis— do caçador.
Faminto, foi o urso quem falou primeiro:
— O que é que você está procurando?
— Eu?! —perguntou o caçador— Estou em busca de uma boa pele com a
qual possa abrigar-me e aquecer-me no inverno. E você?
— Eu —disse o urso— procuro algo pro jantar, até porque há três
dias que não como.
E os dois se puseram a pensar. Ficaram ambos um longo tempo
meditando à porta da gruta e foi de novo o urso quem falou primeiro:
— Olha, caçador, vamos entrar na caverna e conversar lá dentro,
que é melhor.
Entraram. E, em meia hora, o urso tinha o seu
jantar e, conseqüentemente, o caçador estava devidamente abrigado em seu
capote.
Como a maioria das fábula, esta também tem lá
a sua moral: é conversando que a gente
se entende.
Me lembrei desta fábula a propósito dos
primeiros trinta dias (em 31/1/17) da administração do prefeito Marquinhos
Trad. O distinto público talvez ainda não saiba, mas o novo prefeito foi
avaliado assim por um jornal digital local: "a população de Campo Grande
avalia como bom o primeiro mês da gestão do prefeito de Campo Grande, Marcos
Marcello Trad. Enquete realizada pelo Top Mídia News com a pergunta 'Como você
avalia os primeiros 30 dias de Marquinhos Trad como prefeito de Campo Grande?'
apontou que 28,05% dos leitores consideraram como ‘bom’ o início da nova
administração. Para 24,39% dos votantes classificaram como regular. 23,17%
consideraram como péssimo. Na quarta posição, 18,29% consideraram a gestão de
Marquinhos como ótimo e 6,10% como ruim". Quer dizer, nem 1/3 da população
aprecia
Em 1933, quando Franklin Roosevelt assumiu a
presidência dos Estados Unidos, surgiu a mística dos 100 primeiros dias de
governo como período emblemático para que a população conheça a cara da nova
administração ungida pelas urnas. Naquela época a nação que estava prestes a se
tornar a maior potência mundial vivia os efeitos da quebra da bolsa de valores
de Nova Iorque, em 1929. Foi nesse período que o líder norte-americano criou as
bases que reergueram a economia através da política do “New Deal”.
No Brasil esse período mágico de pouco mais
de três meses é apontado como o momento em que a oposição e os desafetos dão
uma trégua sem fazer cobranças mais duras e colaborando sem grandes exigências
nas disputas e análises. De maneira geral, a mídia também torna-se mais benevolente
e leniente nas críticas. Todos comentam erros e acertos, mas evitam pegar mais
pesado com o gestor recém empossado.
Trad recebeu o que se pode chamar de herança
maldita e tenta convencer a todos de que tem o poder e a força pra consertar os
erros dos seus antecessores mais recentes. Um mês não é tempo suficiente pra se
avaliar uma novel gestão municipal. Assim, fala-se muito e age-se pouco. Mas,
como se sabe, é conversando que a classe política se entende, ainda que, volta
e meia, a conversa leve um a tentar engolir o outro. Assim, é bom na política esperar-se
os primeiros cem dias —depois, deixa o pau comer: sempre tem um político
tentando fazer o outro calar a boca. Muitas vezes não é conversando que se
entende.
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