Com um leve ronronar de motor
novo e regulado, a mulher estacionou sua motoneta perpendicular à calçada. Na
garupa estava a menina, sua filha, de uns 8 a 10 anos; ambas tinham as cabeças
envoltas em grandes capacetes negros. A garota carregava um esqueite de madeira
castanha e, indignada, dizia algo pra mãe. Não muito distante, eu observava as
duas, mãe e filha, enquanto continuava meu exercício na roda grande de um
aparelho da academia ao ar livre aonde eu estava, na esquina da Avenida
Noroeste com a rua Jequitibá, na Cabreúva.
— Vou correr de esqueite, mamãe...
—disse a menina em tom de pergunta.
— A rua é sua!, Léia — respondeu
a mãe e sorriu malemolente pra ela, enquanto desligava o motor e prendia os
capacetes escuros em pequenas alças na moto. A calçada era a casa. Quase em
frente à academia ao ar livre onde muitos velhos faziam exercícios em aparelhos
de ginástica desgastados pelo uso e mal mantidos pelos servidores da prefeitura
da cidade.
A mulher saiu da moto e desceu
da calçada para a pista de caminhada da Noroeste pela escada com degraus feitos
de pneus muito velhos. Manteve a moto ali na mesma posição, ocupando mais da
metade da faixa de rolamento da pista sul/norte da avenida. Enquanto girava a
grande roda pra exercitar braços e ombros eu pensava no porquê de uma pessoa
agir assim: não pensa em si, na filha, na sua propriedade e nos outros.
Simplesmente arrisca-se que alguém colida com seu veículo. Sorte dela se
estiver longe da maquineta.
Um carro, conduzido por uma
mulher, que estava na rua Jequitibá entrou na avenida Noroeste um pouco rápido
demais. Um pequeno caminhão, que vinha pela Noroeste emparelhou e não permitiu
que a mulher que conduzia o carro mudasse de faixa e ela acertou a roda
dianteira da motoneta, que subiu pelo capô, voou, bateu no teto e foi cair no
asfalto atrás do carro. A mulher freou o carro fortemente, que derrapou e parou
enviesado na rua. Os dois veículos muito estragados, mas ninguém se feriu.
Agora todos assustados,
surpresos. Personagens da manhã muito fresca apesar do verão, na calçada olhando
para os destroços da moto e do carro. As máquinas pareciam dessas dos
noticiosos de trânsito da tv. A manhã que estava bem bonita de repente ficou
feia. No cinza do asfalto os cacos de plástico, lata e vidro era o que sobrara,
além de choro e gritos. A rua era outra. A manhã era outra.
Ah, não!, pensei. O Sol forte
não podia evitar o clima nostálgico, ridículo, assustador. Será uma tragédia,
uma calamidade? Depois de me certificar de que não havia nem mortos nem
feridos, o riso íntimo. O caminho por vir era longo para aquelas duas pessoas. Não
há alegria que seja capaz de vencer a falta de senso. Se as pessoas pensassem,
um pouco que fosse, no outro, muitas grandes e pequenas tragédias seriam
evitadas.
Léia, a menina, chorava
convulsivamente. Do carro acidentado descia uma mulher em trajes de freira
também aos prantos. O caminhão prosseguiu seu caminho...
— Para, Léia! Não foi nada
demais. Chega de choro.
— Eu bem que te avisei, mãe!,
pra não deixar a moto ali, que era perigoso...
A mulher virou-se, desenhou um
sorriso nervoso na face, deu de ombros e nada respondeu...
Luca Maribondo
Campo Grande | MS | Brasil
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