domingo, 22 de janeiro de 2017

Ditadura da caneta

[
Dia desses, ao estacionar seu carro em vaga para deficientes físicos em Canoas (RS), um cidadão que não tem as duas pernas e usa próteses de metal pra caminhar, por causa de um acidente, foi multado. Ao retornar para o veículo, o homem encontrou uma policial de trânsito que estava anotando multa em seu talão. Mesmo de bermudas e com as pernas de metal à mostra, o moço recebeu multa de R$293,00 e sete pontos no seu dossiê. Inconformado com o ocorrido, ele publicou foto do momento da autuação em seu perfil no Facebook, com grande repercussão nas redes sociais.
Procurada, a Secretaria de Transportes e Mobilidade da cidade defende que não houve abuso ou falta de bom senso por parte da agente de trânsito(!). Verdade! Segundo o secretário, em nota da sua assessoria de imprensa, "existe regulamentação nacional que determina a exigência de uma identificação no automóvel, que mostre que ele é de uma pessoa com deficiência". "(...), a agente de trânsito encontrou veículo sem a credencial estacionado em uma vaga exclusiva para pessoa com deficiência, o que configura infração de trânsito".
Por definição (minha), o burocrata é um ser naturalmente descerebrado e estúpido. Seu olhos e cérebro são perfeitamente capazes de ver que uma criatura humana é deficiente física, mas sua mente não realiza isso, pois na hora das sinapses os neurônios parecem se engalfinhar. Daí, adeus consolidação dos pensamentos e fim da funcionalidade da mente.
Eis que a gente pode definir burocracia como um excesso de procedimentos que uma pessoa ou empresa deve tomar para obter algo. Geralmente, é resultado de uma falta de eficiência por parte da organização. E criada pra facilitar as coisas, a burocracia dificulta o funcionamento de tudo. Nas últimas décadas, no Brasil e no mundo, o termo burocracia adquiriu fortes conotações negativas. É popularmente usado para indicar a proliferação de normas e regulamentos que tornam ineficientes as organizações administrativas públicas, bem como corporações e empresas privadas.
O vocábulo "burocracia" surgiu na segunda metade do século 18, a partir do francês bureau, local de trabalho para o desenvolvimento de atividades em mesas, balcões etc. Inicialmente foi empregado apenas para designar a estrutura administrativa estatal, formada pelos funcionários públicos, que eram responsáveis por inúmeras áreas relacionadas aos interesses coletivos, como forças armadas, polícia e justiça, entre muitas outras.
Burocracia, máquina de enlouquecer o cidadão
Já no século 20, após a criação da extinta União Soviética, o termo burocracia apareceu como uma crítica à rigidez do aparelho do Estado e aos partidos políticos que sufocavam a democracia de base, em análises feitas por cientistas sociais, principalmente os de tradição marxista. Segundo a perspectiva desses pensadores, o avanço da burocratização, tanto nas estruturas estatais como nas partidárias, traria consequências terríveis para uma futura sociedade socialista —dentro do projeto revolucionário de esquerda, ela era concebida como um obstáculo à participação democrática popular.
A burocracia é um sistema gigantesco tocado por anões. Toda administração (pública ou privada) dispõe de um corpo funcional atrelado a normas e procedimentos, sem o que não teria como executar suas tarefas cotidianas. O problema, no entanto, surge com o predomínio desproporcional do aparelho administrativo. A administração passa, então, a ditar a vida pública e interferir na vida e nos negócios privados.
Karl Marx, criador do socialismo científico, sentenciou: “a burocracia tem o Estado em seu poder: o estado é sua propriedade privada”. Portanto, seja causa, seja efeito, não há burocracia ideal. Como expressão ideológica, a burocracia não representa o Estado, é mera representação social dela própria… A profusão de regras retroalimentadas pelo fenômeno burocrático é entrópica e sinérgica. Destrói a ação da administração pública. Nos indivíduos impactados por essa entropia, os efeitos são perversos.
Esse abjeto palco de posturas ridículas tem um preço alto: produz o desprestígio sistemático da cidadania, estimula o paternalismo e pereniza o privilégio de minorias. É nesse espírito de arrogância e emulação que surge a ditadura da caneta. O instrumento, usado para assinar despachos, firmar decisões, autorizar benefícios e condenar pessoas, é uma arma poderosa na mão do burocrata. Produz privilégios na mesma proporção em que destrói vidas e projetos, além de fechar caminhos.
No universo da burocracia, também há privilegiados e proletários. De fato, a grande massa de servidores públicos de todas as áreas, são tão vítimas dessa barbaridade quanto qualquer proletário ou cidadão de classe média no Brasil. É impressionante o desprezo que a burocracia estratosfericamente postada sobre a pirâmide faraônica de gastos públicos nutre pelos servidores ocupados com a atividade-fim do Estado —pois remunera mal aqueles que fazem a máquina funcionar
Todo o peso da burocracia se reflete na cadeia de insatisfações que, quase sempre, desagua sobre o sacrificado cidadão contribuinte, maltratado, mal atendido, mal servido, vítima sistemática de posturas arrogantes de togados, engravatados, fardados, uniformizados e alvo preferencial de agressões morais em balcões de cartórios, escritórios, portarias. E custa caro. Tanto que o cidadão brasileiro não tem mais como sustentar o peso da burocracia. Nem bancar seus custos.
Existe saída? Claro que sim. Para o impasse gerado pela burocracia, existe sim. E está na democracia, que nunca existiu no Brasil. Será, porém, necessário um choque de gestão e uma profunda mudança no sistema político —apontando para um novo pacto social— para eliminar o câncer burocrático existente em milhares de garantias legais e regulamentares, que funcionam contra o cidadão contribuinte. Ou o Brasil extermina o câncer burocrático, ou a burocracia extermina o Brasil. A burocracia é burra, mas esperta e está vencendo. E onde a burrice manda, o cidadão tem a mente e o corpo sacrificados.

Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil

Nenhum comentário: