quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Algo de humano

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Eis que a falta segurança pública desafia os Poderes do Estado Brasileiro. E o que se vê é a extensão da crise endêmica do sistema prisional que o país assiste, há muito tempo, no arrasado território dos cárceres. Espaços com imensas limitações, esses celeiros de prisioneiros são meros depósitos que não dão suporte efetivo à segurança pública e ao judiciário.

Suas populações são exageradas, inclusive porque há uma indiscutível covardia dos magistrados que preferem penalizar meliantes colocando-os em prisões. E assim tornaram-se escritórios centrais dos capos e sottocapos das facções criminosas. São castigo pra quem não deveria ser castigado. O diagnóstico do vasto arsenal de violência já é conhecido. É necessário agir. Cortar os dutos econômicos do crime. Saber lidar com as informações dos cárceres. Julgar 250 mil prisioneiros que esperam decisão da Justiça. Libertar os legalmente inocentes.

Não são apenas recursos financeiros que estão no cerne do problema. Claro, os cárceres precisam ser mais robustos, seguros, tecnologicamente equipados. Mas falta coordenação entre as forças de segurança, os aparatos estaduais e as equipes de inteligência. O que temos hoje, é um ninho de ovívoros prontos pra quebrar e digerir os ovos. Basta uma leve bicada pra furar a casca. Os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e entidades da sociedade civil organizada devem se manter mobilizados pra cuidar do problema.

Que o sistema prisional brasileiro há muito deixou de ser instrumento eficaz de recuperação —se é que um dia foi— não é novidade pra ninguém. O atual sistema penitenciário é, sem dúvida, uma das mais sérias dívidas sociais que o Estado brasileiro e a sociedade, como um todo, têm. É uma bomba acionada, pronta pra explodir. Uma situação alarmante e perigosa para o cotidiano da sociedade.

Desde muito tempo, o sistema prisional brasileiro reflete a realidade social e política injusta do Brasil, e não se trata de ceder ao raciocínio fácil e medíocre de que a pobreza e a carência facilitam, estimulam e propiciam o crime e que levem os mais necessitados à violência e à cadeia. Trata-se constatar que o sistema é uma realidade mais viva e próxima da parte da população carente, desde priscas eras, e que esse simples fato, por si só, alarma e constrange pela sua dimensão e potencial, a ponto de ameaçar o Estado.

O Brasil detém a quarta maior população carcerária do mundo. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), publicados no site do Ministério da Justiça, entre dezembro de 2005 e dezembro de 2009, a população carcerária aumentou de 361 mil para 473 mil prisioneiros, crescimento, em quatro anos, de 31,05%. Desse número, boa parte são réus provisórios, aguardando decisão judicial —isso deixa as prisões superlotadas.


Desse total, a maioria esmagadora encontra-se em condições precárias e sem esperança de serem submetida ao justo processo legal ao qual todo cidadão tem o direto. As prisões brasileiras são um amontoado de pessoas sem esperança de justiça e expectativas de ressocialização. São indivíduos ignorados pela sociedade, guardados em calabouços escuros e esquecido da consciência coletiva, relegados a prisões que em muitos casos mais se aproximam das masmorras da idade média. Pretender que essa massa de pessoas não existe, que essa população carcerária é somente um dado estatístico pálido e distante da nossa realidade, é inútil, perverso e, de forma coletiva, estúpido.

Sem mencionar que, na atual realidade, deixar o sistema penitenciário apos ter cumprido sua dívida para com a sociedade e tentar nela se reinserir é, por vezes, uma quimera. Mais certo é que a falta de apoio e suporte adequado do Governo e a pouca informação e compreensão da sociedade em acolher esse indivíduo e ressocializá-lo, o empurre novamente para uma vida de incertezas e criminalidade.

Já há a alguns anos no Brasil, experiências com relativo sucesso, “privatizam” uma parte do sistema penitenciário, numa solução alternativa e mitigada do modelo adotado em outras partes do mundo. Ninguém afirma que esse é o caminho e sequer que a fórmula funcione há tempo suficiente para permitir dizer que é a melhor solução. Por certo não há soluções prontas —e nem mágicas. Esse é um tema que já está maduro para uma discussão seria e profunda de todos os setores da sociedade e de todos os três poderes, o que exige que a sociedade responsável se debruce sobre ele para buscar uma solução a curto prazo.

Como são hoje, os presídios brasileiros, de maneira geral, não têm êxito em promover aos detentos a ressocialização esperada pela sociedade. O que se tem observado é que a questão da superlotação e as péssimas condições de vida dos presos, dentre outros fatores, contribuem para que as penitenciárias sejam ineficazes para atender ao que a Lei de Execução Penal preceitua: a recuperação daquele que está detido por ter cometido algum ilícito, transformando, assim, o que deveria ser um centro de ressocialização dos criminosos em algo como uma "escola do crime".

Há em grande parcela da população a noção de que "bandido bom é bandido morto". Além de brutal e confusa, essa ideia é estúpida e ineficaz. Tem criminosos em toda parte. Na política, no conjunto das profissões liberais, nas artes, nos esportes, na governança do país etc. Tem criminosos até nos presídios. É preciso mudar conceitos e políticas. Afinal, muitos criminosos ainda possuem algo de humano em seus espíritos.


Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil

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