domingo, 8 de janeiro de 2017

Dilmês culto ou "meio coxinha"

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Certamente não terá sido Dilma Rousseff, a presidente interrompida do Brasil, a inventora do dilmês, idioma, estilo e forma de comunicação que caracteriza a política e a empolgação do poder, num determinado período, no caso próprio de um domínio específico das ciências e artes políticas no Brasil (talvez do resto do mundo). Mas a ex-presidente com certeza é a maior difusora e incentivadora desse modo de expressão e comunicação, que, por isso mesmo, ganhou título que deriva do seu nome.
Porém, o que choca em Dilma Rousseff e em seus seguidores e antecessores não é a sintaxe e a oratória em si. Há gente preparadíssima que não se expressa bem —preferível, por sinal, a quem dá um show de parolagem pra camuflar a falta de conteúdo e clareza mental. O problema da Rousseff, porém, sempre pareceu mais complexo. A forma primitiva da fala, da saudação à despedida, já traía na então candidata à presidência da República em 2010, o primarismo do pensamento e um despreparo generalizado. Ela não apenas fala mal —mas dá a nítida impressão de não saber do que fala, sobre virtualmente qualquer assunto.
Madame Dilma Rousseff não está sozinha nesse aspecto, embora o jornalista Celso Araújo a tenha colocado como principal difusora da desonestidade intelectual e incapacidade mental reinantes no meio político em seu livro "Dilmês – o Idioma da Mulher Sapiens". Em minha pequena, mas alentada, biblioteca tenho pelos menos duas obras contendo antologias de frases de políticos: "Frases Malditas", coletânea de alguém que se assina Legrand, e "Do Bestial ao Genial – Frases da Política", de Paulo & André Buchsbaum. Ambos muito instrutivos.
Políticos, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, ganham a vida com lábia —boa parte dos votos que granjeiam vêm da capacidade que têm de convencer, quase sempre enganando com falsas promessas. E com suas parolagens, algumas célebres. Nestes e em outros livros, li, por exemplo coisas como estas: "Tudo o que sei é que não sou marxista", dita pelo maior seguidor das ideias marxistas, o próprio Karl Marx. Outra: "O comunismo é bom para sair da miséria, mas incompetentes pra levar à riqueza" —Roberto Campos, economista brasileiro. E "se Deus fosse liberal, nós não teríamos os Dez Mandamentos, teríamos as Dez Sugestões" —Malcolm Bradbury, escritor inglês.
Resumindo, gente falando coisas estúpidas sempre existiu na política. Em todo o planeta. Aqui na Guaicurúndia existe uma alentada produção local. Um exemplo é o ex-governador Andrea Puccinelli, que chegou a promover um policial que, durante assalto a uma lotérica, acabou matando dois assaltantes. Tirei esta história do jornal eletrônico Midiamax (https://goo.gl/WvWUT4), que continua: "adepto da famosa frase 'bandido bom é bandido morto', o ex-governador não escondeu a alegria pela atitude do policial: 'Vou dar uma medalha para cada bandido que ele mandou para o inferno', declarou em solenidade de formação de novos sargentos da Polícia Militar".
Com a frase 'bandido bom é bandido morto', o dr. Pucci, como é conhecido por muitos dos seus fãs, tem seguidores em todo o Brasil nos tempos escabrosos de ontem, hoje e sempre. Mas o Coronel da Toscana não é a única celebridade guaicuru a usar esse estilo, que chamo de deixa-que-eu-chuto, de se comunicar. "(...) a cidade parou, ou melhor, regrediu em seu avanço" ––Marquinhos Trad (PSD), ex-deputado estadual e atual prefeito de Campo Grande, disse esta preciosidade em dilmês castiço num eloquente discurso durante a campanha eleitoral municipal de 2016.
No âmbito nacional, a coisa chega às vascas. Há uma tal quantidade de sandices ditas por políticos que daria uma grande biblioteca se fossem todas publicadas. "Consultei um futurólogo e ele previu que o Brasil só terá outro presidente nordestino daqui a 1.900 anos. Então, acho que mereço ficar os seis anos” —José Sarney, ex-presidente, antes de Fernando Collor e Lula da Silva. "Eu tenho aquilo roxo!" —Fernando Collor, ex-presidente, referindo ao seu próprio saco escrotal. "Os EUA não têm AI-5, tem cadeira elétrica" —Paulo Maluf em 1977, em plena ditadura militar, quando uma comissão norte-americana de direitos humanos, do governo do presidente Jimmy Carter, fez viagem ao Brasil.
Mas o mais célebre cultor brasileiro do dilmês foi o dr. Frankenstein que criou a monstra Rousseff, Lula da Silva. É dele, por exemplo, este texto brilhante: "Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu". Sua criatura, também chamada (por ele mesmo) de poste, madame Dilma Rousseff também dona de dizer preciosidades retóricas: "Eu ontem disse pro presidente (Barack) Obama que era claro que ele sabia que depois que a pasta de dente sai do dentifrício ela dificilmente volta pra dentro do dentifrício. Então que a gente tinha de levar isso em conta. E ele me disse, me respondeu que ele faria todo esforço político para que essa pasta de dente pelo menos não ficasse solta por aí e voltasse uma parte pra dentro do dentifrício. (encontro do G20 – 2013)".
Atual presidente brasileiro, Michel Temer também é capaz de proferir barbaridades. Temer afirmou na quinta-feira, 5/1/17, na abertura de uma reunião com ministros da área de segurança, que a chacina no presídio de Manaus foi um "acidente pavoroso". Ele tem uma noção muito sinistra do que vem a ser um acidente. É dele também esta preciosidade: "O que nós queremos fazer agora com o Brasil é um ato religioso, é um ato de religação de toda a sociedade brasileira com os valores fundamentais de nosso país. Por isso que eu peço a Deus que abençoe a todos nós".
Mas as sandices chegaram ao extremo com o ex-secretário nacional da Juventude do governo Temer, Bruno Júlio, demitido na sexta-feira, 6/1/17, após defender uma “chacina” por semana dentro dos presídios brasileiros. Membro da alta cúpula do governo Temer, Júlio é acusado de agredir a ex-companheira e de assediar sexualmente uma ex-funcionária. Disse ele: "eu sou meio coxinha sobre isso. Sou filho de polícia, né? Tinha era de matar mais. Tinha de fazer uma chacina por semana. Os santinhos que estavam lá dentro (da prisão) que estupraram, mataram [chamam de] ‘coitadinho’, ‘ai, meu Deus, eles não fizeram nada’, ‘foram [mortos] injustamente’"…
"Para, gente!”, continuou."Esse politicamente correto que está virando o Brasil está ficando muito chato". Segundo ele, está “havendo uma valorização muito grande da morte de condenados, muito maior do que quando um bandido mata um pai de família que está saindo ou voltando do trabalho”. Só esta semana, 91 presidiários foram mortos em confronto entre facções rivais nos estados do Amazonas e Roraima.

Como já foi dito, Dilma Rousseff com certeza não criou o dilmês, mas seu linguajar (o português no formato Dilma) "enriquece" o português brasileiro do século 21. Durante seus quase seis anos de mandato foi impondo o dilmês ao mundo civilizado. Foi tão melhorado, que já temos o dilmês culto falado até pelo presidente Temer. Madame não é desarticulada apenas no jeito de governar (por isso foi defenestrada), mas também no quesito do discurso: são evidentes suas agressões à sintaxe, à gramática e à lógica. Ela elevou a estupidez e a ignorância ao centro do poder. E com isso granjeou grande número de adeptos pelo país afora.

Luca Maribondo
Campo Grande | MS | Brasil

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