domingo, 11 de dezembro de 2016

Antes tão respeitada

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Quando eu era criança, na faixa dos dez/doze anos, conheci Nélson Hungria Guimarães Hoffbauer, que teve alguma espécie de relação profissional com meu pai naquela época, final dos anos 1950. Vi e falei com o doutor Nélson Hungria, como era publicamente conhecido, umas três ou quatro vezes, e só —afinal, ele não daria mesmo bola pra uma criança. Jurista famoso, ele foi ministro do STF por uns dez anos, de 1951 a 61 e morreu no Rio de Janeiro em março de 1969.
Não sei se é verdade, mais dizia-se que tinha na sua rica biblioteca uma plaqueta com o dístico "tolo quem empresta livros, mais tolo quem os devolve". A sentença me guiou por toda a vida. Outra coisa que aprendi nas poucas e rápidas conversas que tive a oportunidade de ter com ele foi a importância do Poder Judiciário e do Supremo Tribunal de Federal (STF) ––ele meio que considerava sagrado ser ministro da suprema corte brasileira. Isso também nunca me saiu da cabeça, embora fosse um pré-adolescente quando aprendi isso do Dr. Nélson Hungria.
Hungria foi um dos mais importantes penalistas brasileiros, e chegou a ser conhecido pelo epíteto de príncipe dos penalistas brasileiros. Por causa dele eu sempre considerei muito importante ser membro do Supremo. Na minha imaginação ser supremo era quase como ser Deus ––ou seja, estar acima de todas as coisas.
No portal do STF lê-se que "na Capital do Império, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de juízes letrados, tirados das Relações por suas antiguidades". Assim foi criado, pela Constituição de 25 de março de 1824, o Supremo. Depois mudou de nome para Supremo Tribunal Federal.
Desde então, o povo brasileiro (exceto em algumas raras épocas de exceção) mantém o maior respeito pela sua Suprema Corte. Os especialistas no assunto argumentam que realização constitucional, ou seja, tornar juridicamente eficazes as normas constitucionais, é tarefa que cabe não só aos Poderes do Estado, mas todos que têm na Constituição a emanação de seus direitos e deveres [16].
Entretanto, aos agentes públicos, a quem a Constituição confere maior poder e responsabilidade, cabe uma parcela maior dessa tarefa realizadora. Com a redemocratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, o STF teve o seu papel institucional ampliado como nunca antes em sua história. Com isso, aumentou, também, a sua importância e responsabilidade para com a realização constitucional.
Deste modo, ao STF, a quem foi destinada a guarda da Constituição, cabe buscar sempre pela efetividade dos direitos fundamentais consagrados e impedir a violação dos preceitos constitucionais, seja por ação ou omissão. Do breve relato de sua história verificamos, porém, que essa é uma atribuição que nem sempre se consegue exercer sem conflitos. Daí o respeito da sociedade mantido pela sociedade brasileira.
Mas muito desses respeito esvaiu-se na quarta-feira, 7 de dezembro de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu, por 6 votos a 3, pela manutenção do senador Renan Calheiros no cargo de Presidente do Senado Federal, mais um ato de longo e polêmico processo que já dura mais de dez anos. Muitos aspectos se retiram desta decisão e é preciso calma para entender o que de fato aconteceu. E a manhã da quinta-feira, 8 do mesmo mês, trouxe um misto de gosto amargo, perplexidade e tristeza para a população brasileira.
Blog do Thame
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Dizer quem ganhou ou perdeu essa decisão é tema difícil de analisar, mesmo para os especialistas. O que se pode tirar dessa decisão é que as instituições saíram extremamente fragilizadas, tanto o Senado sai sendo visto como permissivo com atitudes antiéticas quanto o Supremo vê sua autoridade questionada e sua imagem abalada e o respeito agastado. No fim, a crise se aprofunda entre o Legislativo e o Judiciário —e Michel Temer, o chefe do Executivo, se mantém tão decorativo quando ainda era apenas um vice-presidente.

Quem perdeu mais, no entanto, foi a Corte Suprema, antes tão respeitada. Na noite do 7 de dezembro passado, o Dr. Hungria deve ter se sobressaltado em sua tumba.

Luca Maribondo
Campo Grande | MS | Brasil

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