Como era de se esperar, mal foi
anunciada a morte do comandante Fidel Castro na capital de Cuba, Havana,
iniciaram-se grandes discussões nas redes sociais. Revolucionário, herói,
governante tirano, Castro foi polêmico desde que iniciou a guerrilha contra seu
antecessor no governo de Cuba, Fulgêncio Batista, ainda na década de 1950.
Fidel Castro morreu no dia 25
de novembro de 2016, aos 90 anos de idade. É bem provável que tenha sido o
último caudilho e líder carismático da América Latina. "O seu afastamento,
em 2008, da liderança de Cuba representou o fim de uma era na verdade já
passada. Há tempos, o líder cubano não era mais do que um remanescente de um
momento histórico que terminou com a Guerra Fria", descreveu o diplomata
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e de
Comércio Exterior (Irice), em artigo publicado pelo jornal o Estado de S. Paulo
no domingo, 27/11.
Barbosa observa ainda que
"no final da vida, humanizado, frágil e vencido pela doença, conferiu a
seu país uma relevância e uma visibilidade que o tamanho territorial e a
importância econômica nunca poderiam justificar"... "Não importa o
ângulo político ou ideológico ––prossegue o diplomata–– a partir do qual se
possa analisar o legado de Fidel, personagem complexo que permanecerá na
história como uma figura marcante que influenciou mais de uma geração de jovens
idealistas que viram na revolução liderada por ele a esperança de um mundo com
mais justiça social".
Segundo Barbosa, nos últimos
quase 50 anos impôs seu toque pessoal às decisões políticas, econômicas e
sociais em Cuba e deixou sua marca em ferro quente em muitos acontecimentos
internacionais de grande significado. Barbosa conclui seu artigo argumentando
que a frase de Jorge Luis Borges, "(...) segundo a qual a imagem que
deixamos de nós mesmos na memória dos outros é a obra mais importante de um
homem, serve bem ao velho comandante. Confiante em sua obra, Fidel gostava de
repetir: 'A história me absolverá'".
Isso faz lembrar que quase todo
mundo odeia Hitler. Na verdade, não é necessária muita coragem para denunciar Adolf
Hitler. Ele está morto e completamente desacreditado por todos. Porém é preciso
mais coragem para denunciar quem tem admiradores em voga, como Putin, Chaves,
Vargas, Fidel. Os dois últimos são uma parelha interessante, porque raramente serão
vistos denunciados no mesmo contexto.
Os conservadores da direita,
que não veem problema em acusar Fidel Castro como um déspota estúpido e
desabotinado, ficam estranhamente em silêncio quando se trata da questão da
ditadura Vargas (embora ele seja um dos ídolos dos lulo-petistas). Os
esquerdistas, que nunca usariam o emblema de Vargas no seu quepe, usarão,
satisfeitos, citações enaltecedoras do presidente Fidel em suas camisetas. Como
disse alguém certa vez: "Por que você repara no cisco no olho do seu irmão
e não presta atenção à venda em seu próprio olho?"
O argumento de que governos
tirânicos matam mais pessoas do que as guerras é popular entre os libertários
radicais, reforçado pela inclusão das matanças internas por tiranos em tempos
de paz (como a Revolução Cultural), pelo homicídio em massa de não combatentes
durante uma guerra (tal como o Holocausto), para, então, salientar que esse
total é maior do que a matança socialmente aprovada de soldados durante a
guerra. Mas há opiniões opostas: todas as mortes durante uma guerra deviam ser
contadas como mortes de guerra. Afinal, os norte-americanos não teriam
bombardeado Hiroshima em tempo de paz, nem os nazistas poderiam ter tido acesso
aos três milhões de judeus sem os conquistar.
Torcer definições para sustentar
um ponto de vista é algo que acontece também do outro lado da balança.
Pacifistas, tentando mostrar como a guerra é mortal, frequentemente querem rotular
a opressão institucional como “conflitos” e incluir neles as mortes de guerra
mais óbvias ––ainda que isso careça da matança indiscriminada e recíproca que
caracteriza a guerra real. Nesse caso, é preciso diferenciar guerra de opressão
observando o que teria de ser feito para pôr fim à matança. Se ambos os lados
precisam baixar as armas.
Para cada psicopata cruel que
massacra impiedosamente centenas de milhares de pessoas, encontra-se outro
governante com melhor reputação histórica matando o mesmo número. Idi Amin Dada,
Saddam Hussein e Adolf Hitler, por exemplo, encaixam-se facilmente no
estereótipo da encarnação do demônio, mas outros governantes implacáveis da lista
deixaram um legado misto como legisladores (Justiniano, Napoleão),
modernizadores (Pedro, o Grande, Mao Tsé-tung) ou organizadores (Fidel Castro).
Uma das coisas mais aterradoras que se descobre é que matar gente aos borbotões
não faz do tirano, necessariamente, uma pessoa má… Pelo menos aos olhos da
história e de seus sectários.
Além do que cria uma horda de
sectários e fanáticos seguidores. No mesmo dia da morte de Fidel Castro foi
perguntado no Facebook: se você é fidelista responda: você considera válido o
homicídio como prática política? Não foi dada uma resposta direta. Todos
tergiversaram e tentaram justificar as atitudes cruéis de "el jefe"
cubano. Chega-se à conclusão de que o homem comum aceita o assassinato como
prática política, desde que os mortos estejam do lado de lá. A filosofia disso
tudo é simples: o sujeito pode ser assassino, corrupto, ladrão, mentiroso, trapaceiro,
traidor; mas tem nosso apoio porque, afinal, está do nosso lado.
Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil
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