sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Afinal, está do nosso lado

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Como era de se esperar, mal foi anunciada a morte do comandante Fidel Castro na capital de Cuba, Havana, iniciaram-se grandes discussões nas redes sociais. Revolucionário, herói, governante tirano, Castro foi polêmico desde que iniciou a guerrilha contra seu antecessor no governo de Cuba, Fulgêncio Batista, ainda na década de 1950.
Fidel Castro morreu no dia 25 de novembro de 2016, aos 90 anos de idade. É bem provável que tenha sido o último caudilho e líder carismático da América Latina. "O seu afastamento, em 2008, da liderança de Cuba representou o fim de uma era na verdade já passada. Há tempos, o líder cubano não era mais do que um remanescente de um momento histórico que terminou com a Guerra Fria", descreveu o diplomata Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (Irice), em artigo publicado pelo jornal o Estado de S. Paulo no domingo, 27/11.
Barbosa observa ainda que "no final da vida, humanizado, frágil e vencido pela doença, conferiu a seu país uma relevância e uma visibilidade que o tamanho territorial e a importância econômica nunca poderiam justificar"... "Não importa o ângulo político ou ideológico ––prossegue o diplomata–– a partir do qual se possa analisar o legado de Fidel, personagem complexo que permanecerá na história como uma figura marcante que influenciou mais de uma geração de jovens idealistas que viram na revolução liderada por ele a esperança de um mundo com mais justiça social".
Segundo Barbosa, nos últimos quase 50 anos impôs seu toque pessoal às decisões políticas, econômicas e sociais em Cuba e deixou sua marca em ferro quente em muitos acontecimentos internacionais de grande significado. Barbosa conclui seu artigo argumentando que a frase de Jorge Luis Borges, "(...) segundo a qual a imagem que deixamos de nós mesmos na memória dos outros é a obra mais importante de um homem, serve bem ao velho comandante. Confiante em sua obra, Fidel gostava de repetir: 'A história me absolverá'".
Isso faz lembrar que quase todo mundo odeia Hitler. Na verdade, não é necessária muita coragem para denunciar Adolf Hitler. Ele está morto e completamente desacreditado por todos. Porém é preciso mais coragem para denunciar quem tem admiradores em voga, como Putin, Chaves, Vargas, Fidel. Os dois últimos são uma parelha interessante, porque raramente serão vistos denunciados no mesmo contexto.
Os conservadores da direita, que não veem problema em acusar Fidel Castro como um déspota estúpido e desabotinado, ficam estranhamente em silêncio quando se trata da questão da ditadura Vargas (embora ele seja um dos ídolos dos lulo-petistas). Os esquerdistas, que nunca usariam o emblema de Vargas no seu quepe, usarão, satisfeitos, citações enaltecedoras do presidente Fidel em suas camisetas. Como disse alguém certa vez: "Por que você repara no cisco no olho do seu irmão e não presta atenção à venda em seu próprio olho?"
O argumento de que governos tirânicos matam mais pessoas do que as guerras é popular entre os libertários radicais, reforçado pela inclusão das matanças internas por tiranos em tempos de paz (como a Revolução Cultural), pelo homicídio em massa de não combatentes durante uma guerra (tal como o Holocausto), para, então, salientar que esse total é maior do que a matança socialmente aprovada de soldados durante a guerra. Mas há opiniões opostas: todas as mortes durante uma guerra deviam ser contadas como mortes de guerra. Afinal, os norte-americanos não teriam bombardeado Hiroshima em tempo de paz, nem os nazistas poderiam ter tido acesso aos três milhões de judeus sem os conquistar.
Torcer definições para sustentar um ponto de vista é algo que acontece também do outro lado da balança. Pacifistas, tentando mostrar como a guerra é mortal, frequentemente querem rotular a opressão institucional como “conflitos” e incluir neles as mortes de guerra mais óbvias ––ainda que isso careça da matança indiscriminada e recíproca que caracteriza a guerra real. Nesse caso, é preciso diferenciar guerra de opressão observando o que teria de ser feito para pôr fim à matança. Se ambos os lados precisam baixar as armas.
Para cada psicopata cruel que massacra impiedosamente centenas de milhares de pessoas, encontra-se outro governante com melhor reputação histórica matando o mesmo número. Idi Amin Dada, Saddam Hussein e Adolf Hitler, por exemplo, encaixam-se facilmente no estereótipo da encarnação do demônio, mas outros governantes implacáveis da lista deixaram um legado misto como legisladores (Justiniano, Napoleão), modernizadores (Pedro, o Grande, Mao Tsé-tung) ou organizadores (Fidel Castro). Uma das coisas mais aterradoras que se descobre é que matar gente aos borbotões não faz do tirano, necessariamente, uma pessoa má… Pelo menos aos olhos da história e de seus sectários.
Além do que cria uma horda de sectários e fanáticos seguidores. No mesmo dia da morte de Fidel Castro foi perguntado no Facebook: se você é fidelista responda: você considera válido o homicídio como prática política? Não foi dada uma resposta direta. Todos tergiversaram e tentaram justificar as atitudes cruéis de "el jefe" cubano. Chega-se à conclusão de que o homem comum aceita o assassinato como prática política, desde que os mortos estejam do lado de lá. A filosofia disso tudo é simples: o sujeito pode ser assassino, corrupto, ladrão, mentiroso, trapaceiro, traidor; mas tem nosso apoio porque, afinal, está do nosso lado.

Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil

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