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As chamadas autoridades estão sempre afirmando que
o problema da circulação nas cidades e estradas é culpa da falta de educação
dos atores do trânsito, motoristas principalmente. E pra coibir os problemas
apelam pra punição pecuniária, sempre aumentando o valor das multas
principalmente, como aconteceu faz uns pouco dias.
Dizem as tais autoridades que a maioria dos
acidentes são causados por pessoas que saem bêbadas e em alta velocidade e
fazendo manobras arriscadas. Um ex-prefeito chegou a dizer que “depois que
acontece a confusão, fazem protestos culpando a minha mãe. O buraco é mais embaixo.
Tem que ter uma conscientização mais ampla (...)”.
Vulgaridades à parte, as autoridades (todas) preferem
ignorar a parte que cabe à suas administrações na esculhambação no trânsito da
cidade —aliás, de todas as cidades do país. O poder público tem uma gorda cota
de participação nas falhas no sistema de circulação de Campo Grande, falhas
essas que vão do planejamento à manutenção das vias públicas, passando por
sinalização, construção, fiscalização etc. etc. e tal.
Há uma grande insatisfação da população desta Morenópolis
com a insegurança no trânsito da cidade e as autoridades do setor, demonstrando
ineficiência e ineficácia no exercício das próprias funções, jogam toda a culpa
no cidadão e fogem das suas responsabilidades como gestores da coisa pública do
país, do Estado e da cidade. A população brasileira está assustada com a
violência que assola o país. A sensação de impotência está explícita na face
dos governantes. O poder público, cada vez mais inerte, se pronuncia de maneira
confusa e pouco eficaz. A sociedade clama por segurança.
E um dos temas recorrentes nas discussões sobre a
violência é o trânsito. A violência atinge patamares assustadores. Os acidentes
graves já estão incorporados à rotina dos brasileiros, seja nos grandes centros
urbanos ou nas pequenas localidades do país —e Campo Grande não está entre as
exceções. Colisões, abalroamentos, atropelamentos, viraram fatos corriqueiros
no dia-a-dia da população. Não há qualquer justificativa para acidentes que
tiram de forma tão absurda a vida das pessoas, principalmente sabendo-se que
todos eles podem ser evitados na medida em que o condutor dirija com
responsabilidade e respeito a outras pessoas. Os números chocam, impressionam e
doem.
As causas dos “acidentes” normalmente têm sempre
um vilão para as autoridades— seja ela de trânsito ou policial: o condutor (dos
veículos). É sempre ele que dirige alcoolizado, que tenta uma ultrapassagem em
local não permitido ou dorme ao volante. As mortes poderiam ser evitadas se os
condutores dirigissem com responsabilidade e respeito a outras pessoas. Mas as
explicações não podem parar por aí. Não mesmo. As pessoas morrem nas ruas,
avenidas, rodovias e estradas deste país por uma série de fatores. E o mais
grave deles é a omissão estatal —com certeza à autoridade cabe mais culpa que
ao motorista e motoqueiro. Se o motorista bebe e dirige, é também porque falta
fiscalização para punir com rigor. A impunidade impera também no trânsito.
Quando se divulga que uma ultrapassagem proibida
provocou uma tragédia, nenhum especialista vai checar se a sinalização no local
era boa ou se havia um buraco na pista. Quando um caminhoneiro dorme ao
volante, ninguém quer saber quantas horas ininterruptas ele trabalhava nem as
condições de saúde. Nessas horas, uma das desculpas mais comuns das autoridades
é que os órgãos de fiscalização não dão conta de tantas atribuições. Só que
isso precisa mudar. Chegou a hora de virar o jogo. Por que não se toma uma
iniciativa realmente séria e abrangente para conter essa grande epidemia que é
a das mortes no trânsito?
As medidas devem ir além das campanhas de
conscientização. É preciso muito mais do que difundir o “se beber, não dirija”.
É necessário reunir as autoridades pra preparar uma estratégia única para
conter as tragédias nas vias. Fazer um levantamento completo dos problemas
enfrentados, melhorar as vias públicas e adotar uma fiscalização única e
eficaz.
Pode não render votos, mas evita tragédias
diárias. Chegou o momento de estabelecer uma política séria de combate à
violência no trânsito. Ou melhor: de firmar um pacto pela vida. E isso tem de
começar com as autoridades parando de dizer platitudes, que colocma toda
filosofia do trânsito na culpa dos motoristas. Fariam melhor se pusessem a planejar
e gerir melhor o trânsito, cuidar melhor do sistema viário das cidades.
A autoridade tem uma grande parcela de culpa pelo
que acontece de errado no trânsito. Se cada motorista exercitasse os valores da
cidadania, da paciência, da solidariedade, da gentileza e da responsabilidade,
o trânsito seria muito mais civilizado. Acontece que a mídia, quase sempre, só
cobra do cidadão; nunca cobra do poder público, embora haja tantos erros no
trânsito da exclusiva responsabilidade da autoridade.
Sempre achei que um dos grandes erros da Natureza
—ou do Todo–Poderoso, sabe-se lá!— é não ter feito a incompetência doer. Já
imaginou o gentil leitor se a incompetência doesse, por exemplo, nas
autoridades do trânsito? Elas têm uma enorme aptidão para vigiar, fiscalizar,
multar, aterrorizar o cidadão, cobrar impostos escorchantes, mas nenhuma para
fazer o que lhes compete de fato. Um exemplo: por que existem computadores,
câmeras-robôs, radares, sonares, câmeras nos ônibus (o serviço de transporte é
uma porcaria, mas o usuário está sempre estrelando os filminhos dos ônibus),
lombadas eletrônicas, fotossensores e outros badulaques eletroeletrônicos para
achacar o motorista, se as autoridades não são capazes de fazer a parte que
lhes cabe na administração do trânsito?
Mas o trânsito continua mal administrado como
sempre —e somos nós, cidadãos, que levamos a culpa por tudo o que acontece de
errado. Você, gentil leitor, já observou com que cuidado, com que refinamento,
com que acabamento sofisticado —e a que custo, claro!— com que a autoridade (do
trânsito e de outras áreas) exerce a sua inépcia, inaptidão e incompetência?
Mas a culpa é sempre minha, sua, nossa —e com o apoio dos media.
Entretanto, os grandes problemas —exatamente
aqueles da competência do Poder Público— do trânsito continuam sem solução. As
vias públicas continuam mal projetadas, com manutenção precária, mal
sinalizadas e mal fiscalizadas; as autoescolas continuam ensinando mal a quem
passa por suas salas de aula e veículos de treinamento; as autoridades
continuam não cumprindo as leis, mas exigindo que o cidadão as cumpra
rigorosamente, e multando pesadamente quando isso não acontece. Mas nós,
cidadãos, não temos como multar as autoridades.
Quase toda a mídia veicula alentadas reportagem
sobre as vias de trânsito mais intenso de Campo Grande. São ruas e avenidas
perigosas pra danar, extremamente estressantes para quem nelas circula. E os
responsáveis pela reportagem não perdoam: a culpa pela esculhambação é nossa,
motoristas, motoqueiros, passageiros, pedestres. Temos, sim!, nossa parcela de
culpa. Mas e as autoridades que não mexem no planejamento, nas dimensões, na
construção, na manutenção e na sinalização das vias públicas? E nunca são
multadas por isso.
Aliás, seria ótimo se isso fosse possível, é ou
não é? Se toda vez que um servidor público pisasse no tomate, a gente pudesse
tascar-lhe uma pesadíssima multa, seria uma delícia —pois, mais cedo ou mais
tarde, todo governante, todo político, acaba correspondendo àqueles que não
confiam nele. Se a gente pudesse realmente punir as autoridades que dão
mancada, o poder público seria muito mais confiável e eficaz. E nós, cidadãos,
seríamos mais felizes.
Luca
Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande |MS | Brasil
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande |MS | Brasil
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