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Em recente entrevista ao jornal Correio do Estado, o presidente do Detran/MS, Gerson Claro, afirmou
que “Não é nosso objetivo multar; objetivo é não ter mortes", e enfatizou
que o acidente é evitável e quem dirige dentro da lei não é multado. Pro
doutor, o problema no trânsito na cidade (e no Estado) é culpa da falta de
educação dos atores da circulação, motoristas principalmente. Segundo ele, a
maioria dos acidentes é causada por pessoas que saem bêbadas, em alta
velocidade, fazendo manobras arriscadas.
Claro prefere ignorar a parte que cabe às autoridades e às
instituições na esculhambação no trânsito da cidade. O poder público tem uma
gorda cota de participação nas falhas no sistema de circulação de Campo Grande,
a Capital do Estado, falhas essas que vão do planejamento à manutenção das vias
públicas, passando por sinalização, construção, fiscalização etc. etc. e tal.
Há uma grande insatisfação da população desta Morenópolis
com a insegurança no trânsito da cidade e as autoridades, demonstrando
ineficiência e ineficácia no exercício da própria função, jogam toda a culpa no
cidadão e fogem da sua responsabilidade como gestores do trânsito das cidades
sul-mato-grossenses.
A população brasileira está assustada com a violência que
assola o país. A sensação de impotência está explícita na face dos governantes.
O poder público, cada vez mais inerte, se pronuncia de maneira confusa e pouco
eficaz. A sociedade clama por segurança.
E um dos temas recorrentes nas discussões sobre a violência
é o trânsito. A violência atinge patamares assustadores. Os acidentes graves já
estão incorporados à rotina dos brasileiros, seja nos grandes centros urbanos
ou nas pequenas localidades do país —e Campo Grande não está entre as exceções.
Colisões, abalroamentos, atropelamentos, viraram fatos corriqueiros no
dia-a-dia da população.
Não há qualquer justificativa para acidentes que tiram de
forma tão absurda a vida das pessoas, principalmente sabendo-se que todos eles
podem ser evitados na medida em que o condutor dirija com responsabilidade e
respeito a outras pessoas. Os números chocam, impressionam e doem.
As causas dos “acidentes” normalmente têm sempre um vilão
para as autoridades— seja ela de trânsito ou policial: o condutor. É sempre ele
que dirige alcoolizado, que tenta uma ultrapassagem em local não permitido ou
dorme ao volante. As mortes poderiam ser evitadas se os condutores dirigissem
com responsabilidade e respeito a outras pessoas. Mas as explicações não podem
parar por aí. Não mesmo. As pessoas morrem nas ruas, avenidas, rodovias e
estradas deste país por uma série de fatores. E o mais grave deles é a omissão
estatal —com certeza à autoridade cabe mais culpa que ao motorista e motoqueiro.
Se o motorista bebe e dirige, é também porque falta fiscalização para punir com
rigor.
Quando se divulga que uma ultrapassagem proibida provocou
uma tragédia, nenhum especialista vai checar se a sinalização no local era boa
ou se havia um buraco na pista. Quando um caminhoneiro dorme ao volante,
ninguém quer saber quantas horas ininterruptas ele trabalhava nem as condições
de saúde. Nessas horas, uma das desculpas mais comuns das autoridades é que os
órgãos de fiscalização não dão conta de tantas atribuições. Só que isso precisa
mudar. Chegou a hora de virar o jogo. Por que não se toma uma iniciativa
realmente séria e abrangente para conter essa grande epidemia que é a das
mortes no trânsito?
As medidas devem ir além das campanhas de conscientização. É
preciso muito mais do que difundir o “se beber, não dirija”. É necessário
reunir as autoridades pra preparar uma estratégia única para conter as
tragédias nas vias. Fazer um levantamento completo dos problemas enfrentados,
melhorar as vias públicas e adotar uma fiscalização única e eficaz.
Pode não render votos, mas evita tragédias diárias. Chegou o
momento de estabelecer uma política séria de combate à violência no trânsito.
Ou melhor: de firmar um pacto pela vida. E isso tem de começar com as autoridades
parando de dizer platitudes, como o Dr. Claro, que coloca toda a sua filosofia
do trânsito na culpa dos motoristas. Faria melhor se pusesse o Detran a
planejar e gerir melhor o trânsito.
A autoridade tem uma grande parcela de culpa pelo que
acontece de errado no trânsito. Se cada motorista exercitasse os valores da
cidadania, da paciência, da solidariedade, da gentileza e da responsabilidade,
o trânsito seria muito mais civilizado. Acontece que a mídia, quase sempre, só
cobra do cidadão; nunca cobra do poder público, embora haja tantos erros no
trânsito da exclusiva responsabilidade da autoridade.
Sempre achei que um dos grandes erros da Natureza —ou do
Todo–Poderoso, sabe-se lá!— é não ter feito a incompetência doer. Já imaginou o
gentil leitor se a incompetência doesse, por exemplo, nas autoridades do
trânsito? Elas têm uma enorme aptidão para vigiar, fiscalizar, multar,
aterrorizar o cidadão, cobrar impostos escorchantes, mas nenhuma para fazer o
que lhes compete de fato.
Um exemplo: por que existem computadores, câmeras-robôs,
radares, sonares, câmeras nos ônibus (o serviço de transporte é uma porcaria,
mas o usuário está sempre estrelando os filminhos dos ônibus), lombadas
eletrônicas, fotossensores e outros badulaques eletroeletrônicos para achacar o
motorista, se as autoridades não são capazes de fazer a parte que lhes cabe na
administração do trânsito?
Mas o trânsito continua mal administrado como sempre —e
somos nós, cidadãos, que levamos a culpa por tudo o que acontece de errado.
Você, gentil leitor, já observou com que cuidado, com que refinamento, com que
acabamento sofisticado —e a que custo, claro!— com que a autoridade (do
trânsito e de outras áreas) exerce a sua inépcia, inaptidão e incompetência?
Mas a culpa é sempre minha, sua, nossa —e com o apoio dos veículos de
comunicação.
Entretanto, os grandes problemas —exatamente aqueles da
competência do Poder Público— do trânsito continuam sem solução. As vias
públicas continuam mal projetadas, com manutenção precária, mal sinalizadas e
mal fiscalizadas; as autoescolas continuam ensinando mal a quem passa por suas
salas de aula e veículos de treinamento; as autoridades continuam não cumprindo
as leis, mas exigindo que o cidadão as cumpra rigorosamente, e multando
pesadamente quando isso não acontece. Mas nós, cidadãos, não temos como multar
as autoridades.
Quase todos os a mídia veicula alentadas reportagem sobre as
vias de trânsito mais intenso de Campo Grande. São ruas e avenidas perigosas
pra danar, extremamente estressantes para quem nelas circula. E os responsáveis
pela reportagem não perdoam: a culpa pela esculhambação é nossa, motoristas,
motoqueiros, passageiros, pedestres. Temos sim nossa parcela de culpa. Mas e as
autoridades que não mexem no planejamento, nas dimensões, na construção, na
manutenção e na sinalização das vias públicas? E nunca são multadas por isso.
Aliás, seria ótimo se isso fosse possível, é ou não é? Se
toda vez que um servidor público pisasse no tomate, a gente pudesse tascar-lhe
uma pesadíssima multa, seria uma delícia —pois, mais cedo ou mais tarde, todo
governante, todo político, acaba correspondendo àqueles que não confiam nele.
Se a gente pudesse realmente punir as autoridades que dão mancada, o poder
público seria muito mais confiável e eficaz. Teríamos menos mortes. E nós,
cidadãos, seríamos mais felizes.
Luca Maribondo
Campo Grande MS Brazil
lucamaribondo@gmail.com
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