Um exercício de futurologia
Se você não
gosta de textos muito longos, nem comece a ler esta crônica —que tem quase duas
mil palavras; pode contar. Mas vamos lá. Neste nosso mundo um tanto de cabeça
pra baixo, principalmente no Brasil, país um bocado desmandado e desmantelado —onde
gente como Genoino, Bolsonaro, Maria do Rosário, Ronado Fenômenos e outros são
heróis do povo—, fazer previsões pode ser algo extremamente complicado e
perigoso. Bancar o profeta passa ser uma atividade sujeita a chuvas e
trovoadas.
Como já
disse algum pseudocientista místico, rir faz bem pra alma e pro bolso... Dos
humoristas. Nesta área você encontra o lado engraçado das religiões, do
ateísmo, do ceticismo, da crença em baboseiras paranormais, da ciência, do
misticismo e do racionalismo —não quero dizer com isso, que tudo nesta área
seja disparate.
Num mundo
tão cheio de motivos pra chorar, há de se conseguir um motivo para rir, nem que
seja da cara dos que têm medo de Bicho Papão, Belzebu, bruxas, juremeiros, magos,
políticos, mandingueiros, pajés, benzedeiros
e outros que tais. Portanto, reservei-me o direito de falácias, aqui
permitidas em prol de uma boa risada. Assim sendo, não me venha você, leitor,
com um processo judicial se algum dado científico de suma importância para a
segurança nacional for reportado erroneamente neste arrazoado.
Como não
somos dados às práticas de bruxos, profetas, feiticeiras, políticos,
curandeiros e outros tipos de charlatães e profetas, optamos por contatar, via
espíritos do além, um bruxo sério e da pesada: Michel de Nostre-Dame, médico
francês nascido em 1503 numa cidadezinha chamada Saint-Rémy-de-Provence, famosa
sobretudo por ser a cidade natal de Michel de Nostre-Dame. Foi ele um homem
muito além de seu tempo. Fã do zodíaco, logo percebeu o potencial de mercado
das publicações esotéricas e lançou, em 1555, as “Centúrias Astrológicas”. Era,
à época da caligrafia gótica, de letras grandes e cheias de frescura, um
catatau de 4.772 versos, dispostos em 967 quadras e 58 sextilhas, contendo nada
menos que 141 presságios, prenúncios e agouros.
Na verdade,
por ele o mundo nem existiria mais. Afinal, lá pelas tantas Nostradamus —nome
artístico que revela, no mínimo, o inegável toque de marketing obscurantista do
escritor— previu nada menos que a destruição da Terra. Como aparentemente tudo
o que ele escrevera vinha se confirmando, catástrofe após catástrofe, divórcio
após divórcio, unha encravada após unha encravada, quase ninguém duvidou.
Enquanto gozava de credibilidade, Nostradamus foi reverenciado como o maior
adivinhão de todos os tempos e um pioneiro do segmento da, literalmente,
auto-ajuda: angariou fama, fortuna e mordomias, chegando mesmo a ser tratado
pelo informal e descontraído título de "bidu" pelos nobres das cortes
européis, sempre com um tapinha nas costas.
Seu dom para
a futurologia ultrapassou gerações e chegou até nós. Séculos depois, seguidores enxergaram nas profecias dele a
ascensão e queda do nazismo, o assassinato de John Kennedy, as experiências com
a bomba atômica e —na interpretação da corrente feminina mais realista— hegemonia
da celulite no final do segundo milênio. Até o momento em que se encerrava esta
edição, porém, o carro-chefe das tragédias profetizadas por Nostradamus —a
aniquilação total do planeta e um abraço— ainda não havia se confirmado.
Foi o que
bastou para jogar por terra quase 500 anos de reputação. Desde o último eclipse
solar do milênio, quando tudo o que aconteceu foi a entrada de um troquinho a
mais nas lojas de cristais, incensos e patuás, Nostradamus vem sendo duramente
questionado. Seria o visionário um farsante? Estariam as Centúrias realmente
equivocadas ou tudo não passava de um erro de cálculo, num momento de distração
do autor, pressionado pelo prazo da editora? Será que o mundo vai mesmo acabar
ou podemos todos ir ver tranqüilamente os fogos lá na praia? Visando sempre o
interesse jornalístico, já que a época tem tudo a ver e, afinal de contas,
nunca se sabe, este Casa do Maribondo contatou Nostradamus, através de outro
bruxo, Pazco Prittzell, para mais uma entrevista exclusiva com o visionário —sim,
mais uma, porque ele já foi entrevistado pelo Casa do Maribondo faz uns anos.
Casa do Maribondo: O senhor acredita mesmo em
previsões?
Michel de Nostradamus: Claro! Senão não estaria aqui
respondendo suas perguntas. Mas sempre saio com o meu guarda-chuva. Afinal,
como confiar em computadores profetas.
Casa: Então, como explica que o mundo
ainda não tenha acabado?
Nostradamus:
Estão com pressa? [Risos, mas só da parte do entrevistado]. Falando sério, é
evidente que o mundo vai acabar. Ou vocês acham que alguém agüenta mais governo
Dilma Rousseff? O que aconteceu foi que, por questões profissionais, fui
obrigado a adiar o fim do mundo. Mudei a data, só isso. Não posso estragar o
suspense! Seria quebra de contrato.
Casa: Já que
o senhor anda enturmado com os políticos, como vai acabar a crise política em
2015, ano de replay de governo?
Nostradamus:
Com aquela bandalheira toda? Óbvio: vai acabar no prato preferido de Brasília: em
pizza!
Casa: O
senhor também previu a destruição completa de Nova York, o que não ocorreu.
Nostradamus:
Mas foi por pouco, hein?! Na época, tudo estava caminhando para o caos.
Milhares de brasileiros de sacola na mão em Times Square , falando
alto, lotando os restaurantes, os táxis, um inferno. E o 11 de setembro de 2001,
então?! Em todo o mundo as coisas estão mesmo feias. Aviões sumindo e caindo,
os sete a um pra Alemanha, Petrolão, corruptos a mancheias... Tudo coisa muito
estranha. Não há profeta que aguente.
Casa: Isso
nos leva a outra questão: como será o novo mandato Rousseff?
Nostradamus:
Olha... Com tanta esculhambação em Brasília, tem um pessoal aí me pedindo que o
mundo acabe logo... E em
barranco. Mas tô desconfiado de que é lobby do PT, se é que
você me entendem... Nessa questão, prefiro não me envolver.
Casa: O
senhor acredita nas previsões dos economistas?
Nostradamus:
Sabe qual o defeito deles? Excesso de otimismo. Falam em inflação projetada,
problemas nas bolsas de mercado futuro e falência dos fundos de pensão das
estatais como se tivessem toda uma vida pela frente... [Exaltado, dá um murro
na mesa.] Pois se estou dizendo que o mundo vai acabar, ora!
Casa:
Enquanto isso, para quando o senhor prevê a cura definitiva da calvície?
Nostradamus:
Notou o meu chapéu? Também estou esperando, meu filho.
Casa: Quem
será a capa da edição de 75 anos da Playboy, em 2028?
Nostradamus:
Esqueça a Maria Flor, a Carolina Dieckman e a Grazzi Massafera: a essa altura,
elas estarão concorrendo a prêmios pela continuação de "Tropa de Elite",
partes 23, 24 e 25, e vão querer ser reconhecidas apenas pelo talento. Por
outro lado, como a ciência fará mulheres de 50 parecerem bonecas de 20, graças
às pesquisas desenvolvidas no Senado Federal e acessível apenas às amigas do
peito, periga a disputa ficar entre a Graça Foster e a Maria do Rosário.
Casa: Será
que finalmente Felipe Massa vai ser campeão da Fórmula 1?
Nostradamus:
Epa! Não vamos colocar a Williams na frente dos bois. Uma das vantagens de o
mundo acabar é essa: já imaginou a gritaria do Galvão Bueno, se o Massa ganha?!
Casa: Como
vai acabar o regoverno Rousseff?
Nostradamus:
Provavelmente não vai acabar... Lembre-se de que todo governo é um mal
desnecessário.
Casa: O que
o senhor quer dizer com isso?!
Nostradamus:
Reflita, meu filho. Reflita. Mas dou uma dica: eu amo meu país. É meu governo que eu
temo.
Casa:
Afinal, o Brasil vai sair da crise?
Nostradamus:
Que crise?
Casa: Hum...
Pelo jeito, o senhor também acredita em duende.
Nostradamus:
Não. Mas a idéia é boa, hein?! Preciso falar com o Renan Calheiros, o Joaquim
Levy, o Lula da Silva, o Aécio Neves e a Dilma, claro, pra fazermos um
consistório e decidirmos o que fazer. Uma boa idéia seria devolver tudo aos
índios, pedir desculpas pelos estragos e voltar a chamar-se Pindorama. Não sei porque as
pessoas confundem bom-senso com senso-comum. Nada menos comum que o bom senso.
Casa: Nós
estamos falando de Mato Grosso do Sul, Estado que fica na fronteira do Brasil
com o Paraguai e com a Bolívia. O senhor tem alguma dica para a gente?
Nostradamus:
Claro que tenho. Mas prefiro ficar na moita. Você sabe como é, aí na sua terra
acontecem coisas de que até Deus duvida. Mas posso garantir que tudo vai
continuar "legitimo", como sempre.
Como nossa primeira
entrevista com o profeta Nostradamus bombou, o Casa decidiu fazer suas próprias
previsões, com a ajuda do senhor Prittzell, psicografou profecias de várias
almas penadas e empenadas, todas de desconhecidos. Eis alguns de seus
vaticínios: o pastor Gilmar Olarte, o das grandes traições, não continuará
prefeito de Campo Grande. Mas antes da queda vai nomear um conhecido picareta
secretário dde Cultura. O líder de uma conhecida igreja neopentecostal
brasileira será acusado de lavagem de dinheiro. Um deputado estadual será
cassado por corrupção. No mesmo dia um grupo de 113 duendes, goblins,
pixies, sacis, elfos, gnomos, vereadores e senhoras de pastores etc. será visto dançando lepo-lepo ou
a latinha na Via Morena, em
Campo Grande.
Lá no
Planalto Central, a presidente Dilma Rousseff vai trocar todo o ministério em
setembro —se isso não acontecer antes. O interior de Mato Grosso do Sul vai
ficar mais de oito meses sem chuva, o que causará grandes perdas na safra de
cana-de-açúcar e na pecuária, e o conseqüente aumento do preço do álcool
combustível e do cupim assado.
Três mortes
em virtude da violência serão amplamente divulgadas pela imprensa e causarão
revolta no Brasil, para três meses depois ninguém mais se lembrar delas. A
Polícia Federal vai empreender inúmeras operações com nomes insólitos (eis
algumas sugestões do Casa: Coronel da Toscana, Tuiuiú Baleado, Onça Manca
etc.), prenderá um bocado de gente da melhor qualidade, mas nenhuma permanecerá
em cana por muito tempo.
O PCC vai
comprar as ações do Comando Vermelho (se eles fazem julgamento na cadeia,
porque não bolsa de valores?) e vai se transformar na maior organização
criminosa interestadual do Brasil. O conclave será realizado no presídio de
segurança máxima de Campo Grande e será presidido (presidido!) por Fernandinho
Beira-Mar, que completará naquela cadeia mais um aniversário de casamento. Mais
do PCC: um membro do grupo, ex-presidiário, será eleito vereador na capital. Ainda
o PCC: o grupo vai fazer lobby no Congresso para a aprovação do projeto que
legaliza a maconha. E, como é muito mais eficiente que o Governo, vai
conseguir.
Claro que a
credibilidade de um bom profeta ou futurólogo depende da quantidade de
previsões que acerta. E, apesar da humildade ser uma das mais nobres virtudes
(seguida da modéstia) deste Casa, eu vou apresentar então minhas credenciais. Por
exemplo, eu previ a queda do muro de Berlim cerca de vinte anos antes dela se
concretizar. Infelizmente meu professor de História do ginásio (no meu tempo
ainda tinha ginásio) não reconheceu meus dons proféticos e não considerou minha
previsão como uma resposta válida para uma questão que ele deu na prova. É,
vida de profeta não é fácil, principalmente quando ainda se cursa o ensino
elementar. Mais recentemente, aqui mesmo no Casa, eu antecipei o fim do cd de
música, mas ninguém se dispôs a acreditar. Deu no que deu.
Como você
pode ver, a minha fama de profeta/futurólogo/cara-de-sorte só não se espalhou
ainda por causa da minha modéstia e humildade. Mas agora isso acabou. Se você
chegou até aqui na sua leitura, sabe agora que seus dias serão mais felizes em
2015. Mas o mundo —e o Brasil a reboque— continuará piorando. Não é todo dia
que você lê previsões tão precisas nem uma entrevista não transcendente para
nós outros como estas contidas no Casa.
No mais,
desejo uma ótima passagem de ano a todos e um 2015 maravilhoso pra quem gosta
de mim. Quem não gosta, eu não me importo. Eu não desejei Feliz Natal pra
ninguém, mas torço pra que o próximo ano tenha muita coisa divertida pra você:
mais grana (a maior invenção humana de todos os tempos), menos impostos, menos
gente chata, menos governo, menos políticos corruptos e, muito amor.
Luca Maribondo
Umalas l Bali l Indonésia
31 de dezembro de 2014
lucamaribondo@gmail.com
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