quarta-feira, 22 de outubro de 2014

_Conhecimento é subversão

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Nas eleições de 2014, cujo segundo turno acontece neste domingo, 26 de outubro, deixei de discutir política nas redes sociais. Não há quem analise a conjuntura, os candidatos, os contextos, os partidos, os programas. Há apenas sectarismo. E um sectarismo odioso, prenhe de rancor. A paixão predomina. O Brasil seria melhor se houvesse mais razão e menos paixão na política. Como anjos cibernéticos, os frequentadores do Facebook tentam ensinar o que não sabem, tentam argumentar com vituérios. O brasileiro se comporta, na política como se estivesse num jogo de futebol, em que até um gol ilícito, se for do nosso time, é festejado. É o eleitor-torcedor.

Nas redes sociais, a maior parte das pessoas não tem a menor ideia do que está escrevendo. Nem é capaz de entender o que está lendo. O Facebook é uma ferramenta de rede social que tem o objetivo de proporcionar e facilitar a mais completa liberdade de expressão aos seus usuários. Mas tudo o que a gente vê hoje em dia é a mais completa inapetência pra se exprimir. Na filosofia política dessas pessoas, o político-candidato pode ser corrupto, ladrão, mentiroso, fanático, trapaceiro, traidor, depravado —mas tem o voto do torcedor-eleitor; afinal, está do seu lado. O cidadão brasileiro é tão corrupto quanto os seus políticos. Quem não valoriza o voto, quem se aliena, quem cala, que torce em vez de argumentar é corrupto na mesma proporção.

Um exemplo: as homenagens que o PT presta aos réus do mensalão, condenados pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 como criminosos por corrupção ativa, formação de quadrinha e lavagem de dinheiro público, têm estarrecido as pessoas minimamente decentes. E vão continuar, porque no Brasil há uma enorme quantidade de meliantes que são considerados heróis por segmentos com os quais mantêm interesses políticos, comerciais, econômicos, de parentesco e até religiosos.

Mais estarrecedor ainda é o fato de que tem aumentado não apenas o número de filiações ao PT, como do número de seus simpatizantes. O PT é um caminho pra se dar bem. Parece acontecer a solidariedade à corrupção como fazem os dirigentes do PT. Isto mesmo, solidariedade à corrupção. Sem tirar nem por. Estamos no Brasil, um país onde, como dizia o grande filósofo político Cacareco: “No Brasil, o certo é que é errado e o errado é que é certo. No Brasil pode tudo, inclusive o que não pode”.

Esta é uma análise simplista mas real das eleições de 2014: no Brasil, a corrupção não tira votos, agrega. Não desconstrói a reputação dos políticos, mas reconstrói. Se qualquer dos mensaleiros pudesse ser candidato, poderia, em São Paulo ou em outro lugar do país, se transformar num novo Tiririca, seria campeão de votos. Se não tivesse envolvido no caso, Zé Dirceu certamente teria sido o candidato do PT à Presidência da República no lugar de Dilma Rousseff em 2010. Era o ungido de Lula da Silva.

O deboche do PT em homenagear os detentos e os privilégios que a carceragem de Brasília concede a seus próceres e dirigentes partidários que foram em cana gera uma constatação das eleições de 2014: os corruptos transformaram-se em cabos eleitorais. Fica claro que em 2014 não haverá nenhum problema em se praticar uma corrupção deslavada, tendo como exemplo os mensaleiros.

Mas este não é um privilégio dos petistas —chamados hoje de petralhas pelos adversários— e aliados. Do outro lado, isto é do PDSB e aliados, a situação não é diferente. Durante a campanha, o momento mais emblemático é o caso do aeródromo construído em propriedade rural da família do candidato tucano à Presidência da República, Aécio Neves, que também é acusado de ser dependente e traficante de drogas ilícitas. Aécio Neves teve (carteira de) habilitação apreendida e se recusou a fazer o teste do bafômetro em blitz da Lei Seca no Rio de Janiero. E os dois partidos estão claramente envolvidos também nos casos de bandalheira na Petrobrás, maior empresa estatal brasileira.

Enfim, as acusações de corrupção pululam de todos os lados. E são muitas, dezenas. Mas a impunidade perdura. A impunidade multiplica os casos de corrupção. De nada adiantam prisões temporárias sem que se expropriem as propriedades dos corruptos, porque, ao sair do período na prisão (geralmente com regalias), o corrupto vai usufruir do que roubou. É necessário também prender e expropriar as executivos e proprietários das empresas que corromperam. Corrupção só pode ser executada em em rupo. Mas nenhum “peixe graúdo” vai para a cadeia e muito menos as grandes empresas envolvidas são afetadas.

Por fim, é preciso acabar com todos os privilégios dos políticos, a começar pelos seus salários e benefícios. Os políticos devem receber o salário médio de um trabalhador comum e seus mandatos devem ser revogáveis. Como assim? A população deveria poder tirar, a qualquer momento, todos os que ocupam cargos públicos e que não cumprem suas promessas e estejam envolvidos em escândalos.

Quanto mais corrupto for o partido, quanto mais corruptos forem seus dirigentes, quanto mais corruptos forem seus candidatos, mais possibilidades teriam estes e aqueles nas eleições, porque uma boa parte do eleitorado já demonstra que vai mesmo optar pelos corruptos, embora os setores mais esclarecidos a abominem. Mas há muitos eleitores, espalhados por todos os rincões deste país, que querem tirar alguma vantagem dos candidatos. E só os corruptores podem fazer isto: comprar a consciência e o voto do eleitor.

Atrás de ambas a trincheiras surgiu um confronto calcado no ódio, em que as facções usam o enorme arsenal de alivosias para desancar os adversários. Mente-se-se, insulta-se e vitupera-se à exaustão. A leviandade está generalizada. Sempre houve muita estupidez no mundo. Mas agora, que a tecnologia avançou aos píncaros e se uniu à empulhação ideológica, a estupidez se tornou mais abrangente e sinistra.

Esperava-se que houvesse uma depuração dos costumes políticos deste país, que as eleições transcorressem de forma limpa, e que, de fato, prevalecesse a vontade livre do eleitor. Mas, o que se vê é uma clara demonstração de que as consequências do julgamento e condenação dos mensaleiros vão aprimorar muito pouco a semidemocracia brasileira. Na apuração você vai ficar sabendo: as urnas nunca vão revelar tanto espanto, admiração, assombro, surpresa, confusão e "que merda nós fizemos".

De uma coisa podem estar certos aqueles que abominam a corrupção: o que se nota, desde já, é que a corrupção não apenas continuará solta, como foi aprimorada nas eleições de 2014. Os resultads só virão depois de contados os votos —e veja que este é um sistema que também pode estar viciado. Certamente os corruptos poderão ter mais cuidado na compra de votos, como o governo tem tido cuidado nas barganhas com os membros da chamada base aliada no Congresso Nacional.

E todos, de todos os lados, se acham certos. O país está prestes a eleger um presidente e nós corremos o risco de fazer o que se chama de “má escolha”, os ladrões estão a nos fazer de trouxas e as pessoas se comportando como torcedores de futebol. Não, isso não pode ser. A idéia básica parece ser a de que o candidato adversário é um pulha, um meliante, ordinário, patife, pilantra, salafrário, velhaco, canalha. E o aliado o próprio anjo Querubim em toda a sua grandiosidade angelical, com as asas abertas sobre nós. Na prática, quer dizer o seguinte: o teu candidato é destrambelhado. O meu candidato é dileto e mimoso.

Pelo que se vê nesta campanha eleitoral ninguém mais tem vergonha na cara. E pelo se que diz nas mídias sociais, nem em nenhuma outra parte da anatomia. Mas quando domingo os votos tiverem sido apurados, vamos ter de aguentar os festejos dos vencedores e o chororô dos perdedores, e engolir as bobagens que dissemos. E nunca é bom esquecer que a vitória do nosso candidato não tem o menor valor pra nós, a não ser que ganhemos uma sinecura no governo. Mas sinecuras são apenas pros áulicos.

Neste mundão de Javé tudo tem hora. Inclusive a democracia. Você já imaginou se o banquete só fosse servido depois de se eleger o cozinheiro? Se há possibilidade de várias coisas darem errado, todas darão —ou a que causar maiores danos.


E, pra concluir, vai um breve conselho. Não aceite a argumentação torta e odienta dos cabos eleitorais. Eles não estão interessados em repassar conhecimento, mas em garantir o almoço de amanhã. Conhecimento é subversão.

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