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Quando chegou a época de entrar no segundo grau, por
volta dos catorze anos, eu tinha duas opções: o clássico e o científico. Optei
pelo primeiro, pois tinha mais a ver com minhas aptidões. Foi nessa época que
comecei estudar e compreender o que era filosofia. A gente começava estudando
os clássicos gregos: Zeno, Aristóteles, Thales, Sócrates, Platão e outros menos
votados.
Um dos meus favoritos nessa época foi Platão. Em um de
seus textos mais conhecidos, “A República”, Platão propõe-se demonstrar como a percepção
humana existe sem que ninguém tenha conhecimento da existência das formas, e
como o verdadeiro conhecimento só é adquirido através da filosofia. Qualquer
conhecimento adquirido através dos sentidos não é, enfim, conhecimento, mas
simplesmente a opinião.
Pra demonstrar sua assertiva, o filósofo criou a Alegoria
da Caverna, concretizada numa conversa entre Sócrates e o irmão de Platão,
Glauco. No diálogo, Sócrates instiga Glauco a imaginar um mundo onde a ilusão é
percebida como realidade. Para reforçar ainda mais seu ponto, ele cria o seguinte
exemplo, que tirei de um resumo do livro de Paul Kleinman, “Philosophy 101”:
Existe uma caverna onde, no interior, um grupo de
prisioneiros foi trancado desde que nasceram. Os prisioneiros não podem se
mover. Seus pescoços e pernas estão acorrentadas para que não possam movimentar-se
ou virar-se —eles só podem ver o que está à frente: uma parede de pedra. Atrás
e acima dos prisioneiros há uma fogueira, e entre o fogo e os prisioneiros há
uma passagem orlada por um pequeno muro onde as pessoas caminham carregando
objetos sobre a cabeça. A luz lança sombras dos objetos na parede em frente aos
prisioneiros. Essas sombras são tudo o que os prisioneiros podem ver. E os
únicos sons que se ouvem são os ruídos e ecos da caverna.
Os prisioneiros nunca viram os objetos reais e durantes todas
as suas vidas eles só visualisaram as sombras; assim, eles confundem as sombras
com realidade. Os ecos da caverna, para eles, são ruídos criados pelas sombras.
Se a sombra de uma estátua surgisse na parede, por exemplo, os prisioneiros
diriam que viram uma escultura. Eles não dizem que é a sombra de uma estátua,
porque na realidade não conhecem as sombras. Eventualmente, um dos os
prisioneiros iria compreender a natureza deste mundo, o que o faria ser capaz
de adivinhar o que viria a seguir à sombra, e teria elogios e reconhecimento
dos companheiros.
Agora, vamos supor que um dos prisioneiros se liberte. Se
uma pessoa mostrasse a um prisioneiro a estátua real, este não seria capaz de
reconhecê-la. Para o prisioneiro, uma estátua é a sombra que foi projetada na
parede. A ilusão de escultura parece mais real do que a própria obra de arte.
Tv, a moderna caverna |
Sócrates continua, especulando sobre o que aconteceria se
o homem libertado continuasse no mundo exterior. Ele certamente teria enormes
dificuldades para encarar as novas realidades, a do mundo externo e a da
caverna. Estaria desorientado e angustiado, cego pelas luzes externas. Depois
de algum tempo, no entanto, o prisioneiro se ajustaria e entenderia que a
realidade na caverna estava incorreta. Ele olharia em direção ao sol e entenderia
que esta entidade foi o que criou estações, anos e tudo o que era visível neste
mundo (e foi ainda a causa do que ele e seus companheiros de prisão tinham
visto na caverna). O prisioneiro não olharia para aqueles dias na caverna com
boas lembranças, pois sua percepção não era de fato a realidade.
O prisioneiro libertado decide voltar para a caverna e libertar
seus companherios. Quando retorna, ele se esforça para ajustar-se à escuridão
da caverna. Os outros prisioneiros acham esse comportamento surpreendente (para
eles a escuridão da caverna ainda é a sua única realidade), e em vez de louvá-lo,
dizem que é estúpido e não acreditam no que o ex-prisioneiro tem a dizer. E os
presos ameaçam matá-lo se ele os libertar também
Platão compara os prisioneiros acorrentados dentro da
caverna com as pessoas alienadas. Essas pessoas confundem a aparência do que
está à sua frente com a realidade e vivem na ignorância (e bastante felizes,
pois a ignorância é o limite do que conhecem). No entanto, quando partes da
verdade começam a surgir, pode ser assustadora e pode fazer as pessoas quererem
voltar para trás. Se a pessoa não se afasta da verdade e continua a procurá-la,
terá uma melhor compreensão do mundo ao seu redor (e nunca retornará a esse
estado de ignorância). O prisioneiro libertado representa o filósofo, buscando
uma verdade maior fora da realidade percebida.
Segundo Platão, quando as pessoas usam a linguagem, elas
não estão nomeando objetos físicos que podem ser vistos; ao contrário, elas
estão nomeando algo que não pode ser visto. Estes nomes se correlacionam com as
coisas que só podem ser apreendidos na mente. O prisioneiro acreditava que o sombra
de uma estátua era na verdade uma estátua até que ele finalmente foi capaz de se
virar e ver a verdade.
Agora, substitua a idéia de uma estátua por algo mais
substancial, como a noção de justiça. A teoria das formas de Platão é o que
permite às pessoas finalmente virar e descobrir a verdade. Em essência, o
conhecimento adquirido através dos sentidos e da percepção não é realmente o conhecimento,
mas mera lucubração, opinião. É somente através de raciocínio filosófico que é
possível buscar o conhecimento.
Se esta história soa vagamente familiar, é porque você está
vendo algumas variações agora, todo dia, na vida real. Compare a situação dos
eleitores brasileiros com a dos prisioneiros da Caverna de Platão, tomando o
que sentem na escuridão da gruta por uma realidade que, de fato, não existe. A
campanha eleitoral de 2014 é, na verdade, a alegoria da caverna colocada em
prática. Os candidatos de todos os matizes ideológicos projetam sombras nas
paredes numa tentativa de fazê-las realidade. E as aparência acabam por enganar
o distinto público. Política é um jogo extremamente divertido, o único problema
é que todos os jogadores sabem fintar e todos os juízes (e bandeirinhas) são
ladrões.
Kerobokan Bali Indonesia
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