terça-feira, 16 de setembro de 2014

_A caverna de Platão

Quando chegou a época de entrar no segundo grau, por volta dos catorze anos, eu tinha duas opções: o clássico e o científico. Optei pelo primeiro, pois tinha mais a ver com minhas aptidões. Foi nessa época que comecei estudar e compreender o que era filosofia. A gente começava estudando os clássicos gregos: Zeno, Aristóteles, Thales, Sócrates, Platão e outros menos votados.

Um dos meus favoritos nessa época foi Platão. Em um de seus textos mais conhecidos, “A República”, Platão propõe-se demonstrar como a percepção humana existe sem que ninguém tenha conhecimento da existência das formas, e como o verdadeiro conhecimento só é adquirido através da filosofia. Qualquer conhecimento adquirido através dos sentidos não é, enfim, conhecimento, mas simplesmente a opinião.

Pra demonstrar sua assertiva, o filósofo criou a Alegoria da Caverna, concretizada numa conversa entre Sócrates e o irmão de Platão, Glauco. No diálogo, Sócrates instiga Glauco a imaginar um mundo onde a ilusão é percebida como realidade. Para reforçar ainda mais seu ponto, ele cria o seguinte exemplo, que tirei de um resumo do livro de Paul Kleinman, “Philosophy 101”:

Existe uma caverna onde, no interior, um grupo de prisioneiros foi trancado desde que nasceram. Os prisioneiros não podem se mover. Seus pescoços e pernas estão acorrentadas para que não possam movimentar-se ou virar-se —eles só podem ver o que está à frente: uma parede de pedra. Atrás e acima dos prisioneiros há uma fogueira, e entre o fogo e os prisioneiros há uma passagem orlada por um pequeno muro onde as pessoas caminham carregando objetos sobre a cabeça. A luz lança sombras dos objetos na parede em frente aos prisioneiros. Essas sombras são tudo o que os prisioneiros podem ver. E os únicos sons que se ouvem são os ruídos e ecos da caverna.

Os prisioneiros nunca viram os objetos reais e durantes todas as suas vidas eles só visualisaram as sombras; assim, eles confundem as sombras com realidade. Os ecos da caverna, para eles, são ruídos criados pelas sombras. Se a sombra de uma estátua surgisse na parede, por exemplo, os prisioneiros diriam que viram uma escultura. Eles não dizem que é a sombra de uma estátua, porque na realidade não conhecem as sombras. Eventualmente, um dos os prisioneiros iria compreender a natureza deste mundo, o que o faria ser capaz de adivinhar o que viria a seguir à sombra, e teria elogios e reconhecimento dos companheiros.

Agora, vamos supor que um dos prisioneiros se liberte. Se uma pessoa mostrasse a um prisioneiro a estátua real, este não seria capaz de reconhecê-la. Para o prisioneiro, uma estátua é a sombra que foi projetada na parede. A ilusão de escultura parece mais real do que a própria obra de arte.

Tv, a moderna caverna
Sócrates continua, especulando sobre o que aconteceria se o homem libertado continuasse no mundo exterior. Ele certamente teria enormes dificuldades para encarar as novas realidades, a do mundo externo e a da caverna. Estaria desorientado e angustiado, cego pelas luzes externas. Depois de algum tempo, no entanto, o prisioneiro se ajustaria e entenderia que a realidade na caverna estava incorreta. Ele olharia em direção ao sol e entenderia que esta entidade foi o que criou estações, anos e tudo o que era visível neste mundo (e foi ainda a causa do que ele e seus companheiros de prisão tinham visto na caverna). O prisioneiro não olharia para aqueles dias na caverna com boas lembranças, pois sua percepção não era de fato a realidade.

O prisioneiro libertado decide voltar para a caverna e libertar seus companherios. Quando retorna, ele se esforça para ajustar-se à escuridão da caverna. Os outros prisioneiros acham esse comportamento surpreendente (para eles a escuridão da caverna ainda é a sua única realidade), e em vez de louvá-lo, dizem que é estúpido e não acreditam no que o ex-prisioneiro tem a dizer. E os presos ameaçam matá-lo se ele os libertar também

Platão compara os prisioneiros acorrentados dentro da caverna com as pessoas alienadas. Essas pessoas confundem a aparência do que está à sua frente com a realidade e vivem na ignorância (e bastante felizes, pois a ignorância é o limite do que conhecem). No entanto, quando partes da verdade começam a surgir, pode ser assustadora e pode fazer as pessoas quererem voltar para trás. Se a pessoa não se afasta da verdade e continua a procurá-la, terá uma melhor compreensão do mundo ao seu redor (e nunca retornará a esse estado de ignorância). O prisioneiro libertado representa o filósofo, buscando uma verdade maior fora da realidade percebida.

Segundo Platão, quando as pessoas usam a linguagem, elas não estão nomeando objetos físicos que podem ser vistos; ao contrário, elas estão nomeando algo que não pode ser visto. Estes nomes se correlacionam com as coisas que só podem ser apreendidos na mente. O prisioneiro acreditava que o sombra de uma estátua era na verdade uma estátua até que ele finalmente foi capaz de se virar e ver a verdade.

Agora, substitua a idéia de uma estátua por algo mais substancial, como a noção de justiça. A teoria das formas de Platão é o que permite às pessoas finalmente virar e descobrir a verdade. Em essência, o conhecimento adquirido através dos sentidos e da percepção não é realmente o conhecimento, mas mera lucubração, opinião. É somente através de raciocínio filosófico que é possível buscar o conhecimento.

Se esta história soa vagamente familiar, é porque você está vendo algumas variações agora, todo dia, na vida real. Compare a situação dos eleitores brasileiros com a dos prisioneiros da Caverna de Platão, tomando o que sentem na escuridão da gruta por uma realidade que, de fato, não existe. A campanha eleitoral de 2014 é, na verdade, a alegoria da caverna colocada em prática. Os candidatos de todos os matizes ideológicos projetam sombras nas paredes numa tentativa de fazê-las realidade. E as aparência acabam por enganar o distinto público. Política é um jogo extremamente divertido, o único problema é que todos os jogadores sabem fintar e todos os juízes (e bandeirinhas) são ladrões.

Kerobokan Bali Indonesia

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