Em Singapore (em português escreve-se Cingapura, mas não
gosto dessa grafia) na semana passada, Mary Saldanha e eu fomos conhecer o ArtScience
Museum, uma das atrações artísticas e
arquitetônicas da cidade —havia uma
exposição da fotógrafa norte-americana Annie Leibovitz e queríamos vê-la. A
gente podia apreciar quase 200 imagens de ícones feitas por uma das fotógrafas mais respeitadas dos EUA. Uma viagem emocional em sua vida e um testemunho de seu trabalho ao
longo de um período de quinze anos, através de fotografias de figuras públicas
famosas e figuras íntimas —família e amigos de Leibovitz.
ArtScience Museum, em Singapore |
A mostra inclui retratos de celebridades e figuras bem
conhecidas, gente como Scarlett Johansson, Leonardo Di Caprio, Jamie Foxx, Demi
Moore, Nicole Kidman, Mick Jagger, Brad Pitt e principalmente sua falecida
companheira e escritora Susan Sontag, autora de livros destacados como “O
Amante do Vulcão” (1993), “Assim Vivemos Agora” (1995), “Diante da Dor dos
Outros” (2003) e “Na América” (2001). Há fotos pessoais documentando cenas da
vida de Annie, incluindo o nascimento e infância de suas três filhas, férias,
reuniões, família e amigos íntimos; além de uma abrasadora reportagem do cerco
de Sarajevo no início de 1990 e a eleição de Hillary Clinton no Senado dos EUA.
Antes de entrar no assunto deste artigo, quero falar um
bocadinho do museu. Conhecido como The Welcoming Hand of Singapore, o
ArtScience Museum é ancorado por uma base redonda no meio, com dez extensões
conhecidas como dedos. O conceito do design para cada dedo foi pensado arquitetônicamente
em uma forma que lembra a flor de lótus, um símbolo presente em muitos países
asiáticos. Projetado pelo arquiteto israelense-canadense Moshe Safdie, o museu
possui 21 espaços-galerias, com uma área total de seis mil metros quadrados.
Depois de percorrermos a exposição, que ocupa todo um
andar, passamos por acaso por uma salão onde era exibido um curto documentário
em vídeo em que o autor procurar definir e redefinir a criatividade através da
arte e da ciência. O filminho é muito bom, mas comete uma injustiça com os brasileiros:
há uma sequência que fala da arte de voar e menciona o italiano Leonardo da
Vinci, os irmãos franceses Joseph e Jacques Montpelier e os irmãos
norte-americanos Orville e Willbur Wright. Nada dos brasileiros Alberto Santos
Dumont ou do padre Bartolomeu de Gusmão, celebridades da aviação mundial.
Saí do museu pensando que nem só de caipirinha são lembrados
os inventores brasileiros. Aliás, a caipirinha está nos cardápios de muitos
restaurantes asiáticos, mas nunca é lá tão saborosa quanto a caipirinha
brasileira —é difícil encontrar cachaça por estas bandas Não somos campeões de
invenções, mas da mente de nossos compatriotas já surgiu um bocado de inovações
científicas —e muitas delas nunca foram reconhecidas.
Enquanto caminhava pensava no assunto e me lembrei de dez
brasileiros responsáveis por grandes invenções: Beatriz de Andrade, Alberto
Santos Dumont, Augusto Severo De Albuquerque Maranhão, Manuel Dias de Abreu, Bartolomeu
de Gusmão, Francisco João de Azevedo, Hercules Florence, Julio Cezar Ribeiro de
Souza, Nélio Nicolai e Roberto Landell de Moura, um ilustre desconhecido para a
maioria dos brasileiros e para o resto do mundo, mas o mais importante pra mim.
O leitor certamente não conhece a maioria das pessoas
citadas —o mais conhecido certamente é Santos Dumont—, mas todos eles tiveram
participação fundamental em inventos que mudaram o mundo depois que surgiram:
Santos Dumont, todos sabem, foi um dos principais inventores
da máquina de voar mais pesada que o ar. Não é reconhecido por isso no mundo,
apenas no Brasil. Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, que vivia em Paris, desenvolveu
o projeto do primeiro dirigível semi-rígido a voar. Outro que tem a ver com a
arte de voar. Em 1709, na frente do rei de Portugal, D. João VI, o padre
Bartolomeu de Gusmão fez a primeira demonstração pública da Passarola, um
engenho voador que pairou no ar a 4 metros de altura. Em 1783, os franceses Jacques
e Joseph Montgolfier criaram um balão nos mesmos moldes do Passarola e entraram
para a história como pioneiros. Outro que tem a ver com voar: paraense, Julio
Cezar uniu o balonismo e a aviação para conceber o primeiro dirigível de todos
os tempos. Mas o problema é que ele demorou para dar asas à novidade... Em
1884, o cara recebeu a notícia de que os franceses Charles Renard e Arthur
Krebs haviam plagiado o seu projeto e realizado pela primeira vez na história
um vôo a bordo de um balão dirigível. E o pior: sem fazer qualquer referência
às teorias do inventor brasileiro. Apesar de haver patenteado sua invenção em
1881, Julio Cezar nunca conseguiu voar com seu invento.
Manuel Dias de Abreu, em 1936, inventou um método rápido
e barato de tirar pequenas chapas radiográficas dos pulmões, para facilitar o
diagnóstico da tuberculose, doença mortal no início do século 20 até os anos
1980. O teste, que registra a imagem do tórax numa tela de raio X, espalhou-se
pelo mundo. O inventor do exame, chamado abreugrafia no Brasil, foi indicado ao
Nobel em 1950 e teve o invento batizado em sua homenagem. Em 1959, Beatriz de
Andrade, inventou um dispositivo bem prosaico mas que até hoje é um importante
e prático dispositivo em todas as cozinhas, o escorredor de arroz.
Em 1982, o mineiro Nélio Nicolai inventou tecnologia
capaz de identificar o número telefônico de quem faz e recebe ligações. Ele tem
a patente da criação, batizada de Bina (acrônimo que significa "B
Identifica Número de A"). Ele vem travando uma briga na Justiça do Brasil
e de vários países para provar que o invento é seu. As operadoras e fabricantes de telefones
copiaram na caradura a tecnologia que ele inventou, sem pagar nem um tostão de
direitos autorais.
Nascido na França e radicado em Campinas (SP), o franco-brasileiro
Hércule Florence foi quem primeiro descobriu uma forma de gravar imagens em película com o
uso da luz. Ele bolou um método para imprimir fotos usando papel sensibilizado
com nitrato de prata, princípio fotográfico usado até hoje em revelações.
Nascia a photografie. Três anos depois, o processo de revelação fotoquímica
ganhava notoriedade na França com as pesquisas de Louis Daguerre e Joseph
Niépce. Francisco João de Azevedo, em 1861, que era padre, inventou uma máquina
que imprimia textos em papel. Alegando estar velho e doente, o padre entregou
seu invento ao negociante George Yost, com a promessa de que havia pessoas
interessadas em fabricá-lo nos Estados Unidos. Péssima idéia. Em 1874, o norte-americano
Christofer Sholes apresentou um modelo quase igual ao do padre Azevedo à
empresa Remington, que se interessou e passou a fabricar as máquinas, sem nem
lembrar do brasileiro.
No Brasil, os padres pareciam mais interessados nas
coisas terrenas do que nos fatos divinos. Para mim, o mais importante dos
inventores foi outro religioso, Roberto Landell de Moura, que inventou o rádio
antes de Guglielmo Marconi, glorificado pelo feito. Da avenida Paulista, em São Paulo, o padre emitiu
um som ("Alô! Alô!") que foi recebido a oito quilômetros de
distância num telefone sem fio adaptado. No mesmo ano, o italiano Marconi, mundialmente considerado o pioneiro da radiotransmissão, só conseguiu
transmitir sinais telegráficos a algumas centenas de metros. O nome do padre Landell
só foi conhecido no mundo em 1942, quando a Justiça norte-americana decidiu que
Marconi (que leva a fama até hoje) não era o inventor da radiotransmissão.
Penso que a radiotransmissão é um das invenções mais
importantes por causa das suas consequências: as comunicações e as
telecomunicações não existiriam não fosse rádio. Sem o rádio o homem não teria
ido ao espaço, não haveria Internet, nem satélites de comunicação, a navegação
(aquática, terrestre e aérea) ainda estaria engatinhando. O rádio teve um
efeito colateral nocivo também, a televisão; há quem goste porém, até porque a
gente não ia poder ver a Copa da Mundo à distância. Em 2009, escrevi um artigo
sobre o padre Landell de Moura, que pode ser lido no blog Casa do Maribondo.
Contei toda essa história por um motivo bem simples, que
tem a ver com a Copa do Mundo. O Governo Brasileiro e os organizadores da Copa
do Mundo perderam a grande oportunidade de mostrar para o povo brasileiro e
para os muitos visitantes estrangeiros que foram assistir ao torneio quem são
alguns dos verdadeiros heróis do Brasil. São pessoas talentosas que fizeram muito
pelo país, verdadeiros heróis que vislumbraram o nascimento de um povo e criaram
coisas que mudaram de fato o mundo. Resgatar seus feitos através de diversas
mídias, que vão do cinema às redes sociais, teria sido um grande serviço
prestado ao Brasil e seu povo. Mas já que isso não mais é possível, choremos
pela vértebra quebrada do Neymar Jr.
Penso que é pobre o país que precisa de heróis. Mas pior
do que necessitar de heróis é não possuir heróis. E nossos heróis não são os
autores de grandes feitos artísticos, bélicos, científicos. Agora, em especial
na Copa do Mundo, nossos heróis são jogadores de futebol, que não são movidos
pelo arrojo, bravura, valentia ou inteligência, como os verdadeiros heróis, mas
pela ambição e pela cobiça, como mercenários.
Luca Maribondo
Singapore, julho/2014
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