quarta-feira, 18 de novembro de 2009

[O padre e o rádio]

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“No domingo próximo passado, no alto de Sant'Anna, na cidade de São Paulo, o padre Roberto Landell de Moura fez uma experiência com vários aparelhos de sua invenção, no intuito de demonstrar algumas leis por ele descobertas no estudo da propagação do som, da luz e da eletricidade, através do espaço, da Terra e do elemento aquoso, as quais foram coroadas de brilhante êxito. Esses aparelhos, eminentemente práticos, são com tantos corolários, deduzidos das leis supracitadas. Assistiram a esta prova, entre outras pessoas, o Sr. P. Lupton, representante do Governo Britânico, e sua família".

O texto aí de cima é de um jornal paulista cujo nome foi perdido há muito e refere-se à invenção do rádio por um brasileiro, bem antes do italiano Guglielmo Marconi: em 1893, desembarcou em São Paulo um padre gaúcho que carregava debaixo do braço um misterioso pacote. Dentro do embrulho, uma engenhoca que, garantia o religioso, permitia falar com qualquer pessoa a quilômetros de distância —e sem fios. A maquineta atendia pelo estranho nome de anematófono.

Segundo o padre, o anematófono é um aparelho com o qual, sem fio, gera-se os efeitos da telefonia comum, porém com muito maior nitidez e segurança, visto que funciona ainda mesmo com vento e mau tempo.
O pacote do padre também continha o teletition, espécie de telegrafia fonética, com o qual sem fio, duas pessoas podem se comunicar, sem que sejam ouvidas por outra. “Creio que com este meu sistema poder-se-á transmitir, a grandes distâncias e com muita economia, a energia elétrica, sem que seja preciso usar-se fio ou cabo condutor”.

No ano seguinte, o padre Roberto Landell de Moura – este era o nome do religioso gaúcho – fez a primeira transmissão pública de rádio do mundo. Sua voz, emitida na Avenida Paulista, percorreu oito quilômetros e foi ouvido com boa qualidade em Santana, bairro da zona norte da capital paulista. Marconi, aclamado mundialmente como o inventor do rádio, só faria funcionar seu sistema em 1865, quase dois anos depois.

Foi tão grande o sucesso da experiência do padre Landell, que até foi noticiada pelo “Jornal do Comércio”, do Rio de Janeiro, então capital do País. Em 1904, Landell de Moura registrou patente do seu invento nos EUA, a terra das principais inovações tecnológicas, com direito até a nota do jornal “New York Herald”. No ano seguinte voltaria ao Brasil certo de que o governo brasileiro apoiaria e adotaria o seu sistema.

Mandou uma carta para o presidente Rodrigues Alves e pediu dois navios da Marinha para uma demonstração pública. Ao ser inquirido sobre a distância da transmissão, ele exagerou: “A máxima possível: meus aparelhos podem estabelecer comunicação com qualquer ponto do planeta. No futuro servirão até mesmo para comunicações interplanetárias”. O exagero custou caro ao padre. Rodrigues Alves negou ao padre Landell a oportunidade de comprovar a comunicação telegráfica entre navios em alto mar.

Numa pequena nota a respeito do padre Landell, a revista “Superinteressante” explica que “um oficial teria dito ao presidente que ‘esse padre é maluco – ele quer falar com seres de outros planetas’” A experiência não foi realizada e o padre Landell acabou estigmatizado. E o Governo Rodrigues Alves perdeu grande oportunidade histórica de apoiar o religioso. Desiludido, Landell de Moura destruiu suas engenhocas e voltou a dedicar-se exclusivamente ao sacerdócio.

Como se vê, parece que temos conosco a sina de perder as invenções brasileiras, utilizadas em todo o mundo: nos é negada a paternidade do avião, do bina, da máquina de escrever, inventada pelo paraibano padre Azevedo, além do francês naturalizado brasileiro Antoine Hercule Romuald Florence, que no Brasil tornou-se conhecido como Hércules Florence, e é mais conhecido como pioneiro da fotografia, antecedendo seus compatriotas franceses (Daguerre e outros) nesta invenção.

Constatando a grandiosa quantidade de descobertas, criações, pesquisas e invenções do mundo moderno, a gente fica espantada com a imensidão da inteligência humana. A gente pensa nisso a acaba até admitindo que a inteligência humana é quase tão imensa quanto a tolice de certos políticos e governantes. Um viva ao padre Landell!

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