segunda-feira, 21 de julho de 2014

_Difícil é comunicar de perto


Because something is happening here
But you don't know what it is
Do you, Mister Jones?

Bob Dylan in "Ballad of a Thin Man"


Não adianta procurar; está cada vez mais difícil encontrar alguém que não esteja conectado na Internet, pelo menos nas classes mais abastadas e esclarecidas. Cada vez mais difícil encontrar pessoa que não esteja conectada a uma rede social qualquer, Twitter, Facebook, Instagran etc. Por conta disso, acaba acontecendo quase sempre uma situação absurda: as pessoas deixam seus computadores em casa pra se conectar na rede num bar ou restaurante e, por isso, não conversam entre si.

E o que motiva tanto as pessoas a estarem conectadas, ininterruptamente, com o mundo virtual? O que tanto as leva a usar, o tempo todo, um, dois ou mais aparelhos celulares, aifones, aipedes, noutebuques com uaifai y otras cositas más. Por que, ao conectar-nos à rede, ficamos, em muitas oportunidades, conectados ao nada? Por que uma verdadeira conversa é hoje tão difícil num espaço público?

Considerando a dificuldade apresentada, formula-se a seguinte hipótese: hoje, de forma geral, as pessoas têm pouco ou nada a dizer umas às outras, e, por isso, não têm o que conversar, resignando-se a falar qualquer coisa a quem sempre está distante, ainda que fisicamente próximo. Ou então ficam mexendo no celular, batendo papo nos Facebook da vida, ou jogando joguinhos eletrônicos calhordas, o que fariam melhor e mais barato em suas próprias casas.

Como elementos paralelos, alternam-se as informações pouco assimiláveis (quem consegue dar atenção total à Internet na balbúrdia de um botequim?) da rede e os sons estridentes de aparelhagens de som que atordoam os sentidos. Assim, se três amigos se encontram num bar, não raro os três têm telemóveis e/ou aipedes, cada um tem o sentido na pessoa ausente, que o chamará ou será chamada ao telefone. Se um dos três fala ao telefone, os outros se calam, sentem-se indiscretos —há uma imposição que os obriga olhar para o lado como quem surpreende alguém fazendo xixi na rua.

Essa necessidade, quase patológica, de falar constantemente ao celular não decorre da importância que essas pessoas dão a si mesmas, supondo-se absolutamente indispensáveis, porque imaginam que os outros sempre necessitam delas? Ou seria a incapacidade de falarem consigo próprias e pensarem sobre si mesmas que impulsionariam muitas delas à tagarelice, no caso do celular, e a não olharem para si mesmas, no caso da Internet? Enfim, o vazio interior das pessoas não lhes provocaria o medo atroz de si mesmas, que, para ser compensado, as leva a buscar conexão com todo um mundo, ou seja, com ninguém?

E isso mesmo acontece com relação aos televisores nos bares e restaurantes. Em seu livro "1984", George Orwell compõe com brilhantismo uma "utopia negativa" em que os cidadãos são vigiados todo o tempo, em todo lugar, pelas teletelas (aparelhos que transmitem e captam som e imagem) sob a liderança do partido no poder e do Big Brother (Mano Veio). Em todos os lares dos membros das comunidades, praças, ruas e locais públicos, as teletelas transmitem a ideologia do partido. Mais que isso: captam todos os movimentos de todas as pessoas.

Onipresente, o Big Brother, não o programa besta da tv mas o líder vigilante do livro de Orwell, é visto em cartazes espalhados por toda a Oceania, um dos três únicos países existentes na história. Apesar de estar sempre presente, ele jamais aparece em público. O Mano Véio talvez nem seja uma pessoa realninguém nunca o viu. Mas o slogan do partido, o Grande Irmão zela por ti; seus feitos nas guerras; seu trabalho duro para melhorar a condição de vida do povo da Oceania; e sua liderança firme e constante na propaganda do partido, conduz o povo da Oceania a acreditar na sua existência e presença.

A eficácia da propaganda é maior: faz com que o povo não acredite na existência do Mano Véio, mas o ame e o idolatre. Em um mundo em que o Estado domina e nada é de ninguém, mas tudo é de todos, talvez, tudo que reste de privado seja alguns centímetros cúbicos no crânio: aquilo que chamamos de cérebro.

No ano de 1984, muita gente conjecturou que a profecia de Orwell em "1984" não havia sido cumprida. Vê-se hoje, entretanto, que estavam todos enganados: as previsões orwellianas são uma assustadora realidade, até porque a maioria não percebeu sua concretude. As teletelas, agora chamadas televisores, computadores, câmeras (sorria, você está sendo filmado!), estão , em todos os lugares. Percebe-se que as pessoas buscam preencher seus vazios interiores com formas de ruídos e imagens que não passam de manifestações do próprio vazio. Parafraseando George Berkeley, substituímos um vazio por outro. Porém, de onde vem este vazio? Em poucas palavras, do tédio cotidiano.

Isto significa dizer que a repetição constante em vários setores da nossa vida (trabalho, o tum-tum-tum da música eletrônica, a programação vazia da tv) gera a monotonia, que gera o tédio, que gera o vazio, e que, por sua vez, gera a incapacidade das pessoas de lidar com o tempo livre. De certo modo, os indivíduos talvez temam, de fato, a si mesmos, pois é custoso imergir nele, dar sentido á sua verdadeira substância e, ademais, há os riscos das descobertas e das transformações, das mudanças do que é tão regular e cômodo: o nada, o vazio e o ócio improdutivo.

Nunca é demais lembrar que no século XVIII francês surgiram os famosos salões de conversação. Eram espaços sociais em que os participantes podiam se expressar livremente, longe das censuras da corte, e em que manter a conversa animada se constituía numa arte. Havia certas regras. A mais expressiva era a interdição do monopólio da palavra. O encerramento de uma rodada de conversa significava que todos se expressaram a contendo, valendo-se do argumento para convencer seus ouvintes.

Muitos autores, poetas, pensadores do século XVIII francês fizeram dos salões ambientes de debate, de gestação e problematização inicial de suas obras. Houve outros espaços, especialmente os cafés parisienses, que se tornaram ambientes de socialização, porque neles sabia-se das novidades, trocava-se informações, ideias e conhecimentos.

Dizem que o século XXI é o século da comunicação. Nunca foi tão fácil comunicar-se com o mundo como os dias atuais. A Internet, efetivamente, não facilitou o acesso à informação, mas, também, o contato entre as pessoas. Num átimo, é possível falar com alguém do outro lado do mundo. Porém, esse acesso tão fácil significa, necessariamente, que as pessoas se encontram e trocam informações e conhecimentos?

É evidente que, ainda que se a troca de informações e conhecimentos, caso elas se habilitem para tanto, não se pode dizer que elas se tornem melhores e mais humanas, mais conhecedoras de si mesmas e do outro. A parafernália eletrônica impõe às pessoas situações paradoxais: ao anular as circunstâncias do espaço, aproxima as pessoas, mas, ao mesmo tempo, as mantém distantes; talvez não seja erro afirmar que a parafernália unifica os pólos extremos, mantendo-os em seus pontos remotos. Por essa razão, decerto, muitos dos que falam ao celular berram, gritam como feirantes em um mercado superlotado, como que tentando fazer com que mais gente os ouça.

Sim, nos lugares barulhentos, todos são como feirantes, cada um deles tenta mostrar-se, “vender-se” como um produto singular, o melhor dos oferecidos, exigindo o monopólio da palavra: ganha quem falar mais alto. Sejam os que falam ao celular ou os que fazem uso da Internet, sejam os que escrevem ou apenas discursam: suas mensagens se tornam cada vez mais codificadas, abreviadas, cheias de coloquialismos vagos, empobrecendo-se seriamente o processo comunicativo —a palavra deixou de ter importância, embora seja cada vez mais necessária. Não se ouvem mais as acústicas das palavras, não mais se assimilam os sentidos que lhes são possíveis, não mais se percebem os sentimentos que elas exprimem: tudo é reduzido ao simplismo e a códigos descontínuos e boçais. Nesse sentido, pode-se concluir que diz-me como tu falas que te direi quem és...

Não se trata de demandar uma volta ao passado ou defender a repulsa à tecnologia, como neo-luddistas. O que se busca é questionar os vários usos dos meios de comunicação que, na verdade, não realizam o processo comunicativo e nem aproximam as pessoas, mantendo-as ilhadas, escravas de suas próprias pessoalidades.

Nas redes sociais virtuais, a maior parte das pessoas não tem a menor ideia do que está escrevendo. Nem é capaz de entender o que está lendo. E as mídias se tornaram ferramentas de rede social que têm o objetivo de proporcionar e facilitar a mais completa liberdade de expressão aos seus usuários. Mas tudo o que a gente vê hoje em dia é a mais completa inapetência pra se exprimir.


Quanto mais nos conhecemos, tanto mais somos livres para decidir sobre o que queremos. É nessa perspectiva que as pessoas usarão (ou não) a parafernália eletrônica como meio de aproximação dos indivíduos sem ser dela escravos. Em resumo, depois que a tecnologia inventou telefone, computador, celular, aipode, aifone, Internet, todos os meios de comunicação a longa distância é que estamos descobrindo que o grande problema da comunicação é o de perto. Enquanto isso, cada vez mais o cidadão é cuidado, vigiado, espionado, espreitado, investigado, observado, pois nãoforma melhorpara governos e empresasenfiar as mãos nos bolsos de todos nós para nos vender bobagens e nos extorquir com impostos

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