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"Não
recomendaria nem ao meu pior inimigo". A frase é da universitária Bruna
Almeida, 20 anos, depois de haver se entusiasmado com a oportunidade de
participar como voluntária da Copa das Confederações, em 2013. O que foi visto
como uma oportunidade de aprendizado, tornou-se uma grande dor de cabeça pra
moça. Ela é uma dos brasileiros otários
Há várias
reclamações de Bruna Almeida contra o programa de voluntários para a Copa do
Mundo, semelhante ao da Copa das Confedereação, estruturado e coordenado pelo
Governo Federal em conluio com a Fifa, que tem como objetivo mobilizar
voluntários pra ajudar na organização do torneio no Brasil e a Olimpíada de
2016 no Rio.
Entre as funções
previstas para a equipe, estão o suporte aos torcedores em aeroportos, pontos
turísticos, festas públicas, atendimento à imprensa não credenciada, turistas e
população em geral. Pra participar do programa, os selecionados passarão por
treinamento online e presencial.
O Brasil jamais realizou
uma Olimpíada e já faz mais de seis décadas desde a última vez que realizou uma
Copa do Mundo (foi em 1950). Ainda assim, é bastante difícil achar sinais
inequívocos de empolgação popular pela realização desses eventos em 2014 e
2016. Em meio às incertezas sobre o grau de preparação do país e ao mistério
sobre o volume de dinheiro público que será despejado na organização, os
brasileiros ainda não entraram no clima de festa que costuma cercar os Jogos
Olímpicos e o Mundial.
Governo e Fifa
estão convocando voluntários para ajudar nas ações da Copa. O voluntário recebe
um uniforme, alimentação e uma alternativa de transporte dentro da cidade-sede,
e nada mais. Como o próprio título do trabalho já deixa claro, o voluntário não
tem qualquer tipo de remuneração —o que, claro, motiva críticas de um bocado de
gente. que acredita que a Fifa não deveria ter sido autorizada a mobilizar uma
força de trabalho tão grande sem remunerar as pessoas... Isso é trabalho
escravo.
Os Jogos
Olímpicos e o Mundial são mesmo acontecimentos extraordinários, que mobilizam
multidões, atraem celebridades do planeta todo e oferecem cenas inesquecíveis
ao público presente aos estádios e arenas. Para o Comitê Organizador Local da
Copa (COL), o programa de voluntários do Mundial "é uma das melhores
formas pôr o torneio em contato com o maior número de pessoas possível".
Entretanto, empresários brasileiros não concordam com a iniciativa e contestam
a ação da Fifa.
Segundos eles, a
Fifa ganhará bilhões de dólares com a realização da Copa do Mundo no Brasil.
Não é justo, portanto, que a federação internacional de futebol recrute 18 mil
pessoas para trabalhar sem qualquer remuneração durante o torneio. Muito menos
que ela seja a única entidade da iniciativa privada que obtém lucros no país e ao
mesmo tempo pode usar o trabalho voluntário. O Brasil possui uma lei sobre
trabalho voluntário. O regulamento deixa claro que só entidades públicas ou
instituições privadas sem fins lucrativos podem recrutar trabalhadores e não
remunerá-los. A Fifa argumenta que em sua sede, Suiça, é uma "entidade sem
fins lucrativos".
E mesmo que não
fosse, a Lei Geral da Copa abriu uma exceção para o comitê organizador do
evento. Essa Lei Geral da Copa, sancionada pela presidente Dilma Rousseff,
abriu a possibilidade da Fifa, suas subsidiárias e o COL usarem o trabalho
voluntário, independentemente de seus lucros.
É inaceitável o
Brasil autorizar que 18 mil pessoas trabalhem até dez horas por dia a troco de
um lanche e um uniforme. A Fifa não precisa disso. O Brasil deveria dar exemplo
para o mundo e acabar com essa prática. Na verdade isso é trabalho escravo,
prática que ainda persiste no Brasil. Quer ver? Em 2013, 2.192 pessoas foram
libertadas em todo o Brasil, uma redução de 19,7% em relação aos 2.730 de 2012.
Segundo a CPT, desde 2003 foram libertados 42.664 trabalhadores.
De acordo com o
balanço da Fifa referente ao ano de 2011, a Copa do Mundo de 2014 já teria
rendido um faturamento de cerca de R$ 1,6 bilhão para a entidade. Só de lucro a
Fifa teve no ano passado aproximadamente R$ 68 milhões. E uma projeção feita
pela BDO, empresa de auditoria e consultoria especializada em análises
econômicas, financeiras e mercadológicas, aponta que a Copa do Mundo de 2014 no
Brasil vai render para a Fifa a maior arrecadação de sua história: nada menos
do que US$ 5 bilhões entrarão nos cofres da entidade (cerca de R$ 10 bilhões).
O valor é 36%
superior em comparação ao montante obtido com o Mundial da África do Sul (US$ 3,655
bilhões), em 2010, e 110% maior do que o arrecadado na Copa de 2006, na
Alemanha, que rendeu US$ 2,345 bilhões. A maior parte do dinheiro virá dos
direitos de transmissão pela tevê, seguido pelo marketing gerado em torno do
evento. Assim, se pagasse algo equivalente a dois salários mínimos a cada
"voluntário", isto é, 1,5 mil reais, iria despender algo em torno de
30 milhões de reais, irrisórios pra quem terá um lucro tão fabuloso.
Volto à pergunta.
Somos um povo otário? Sim, respondo, somos sim. Nós, o povo otário, que embora
não seja escravo na teoria, aceita viver como tal por gosto ou vício. Somos
viciados em submissão. Mesmo hoje que temos uma quase verdadeira democracia,
mantemos por gosto nosso regime corrupto. Inventamos umas piadas muito sem
graça aqui e ali, que têm um tom meio de chicotada, mas na realidade são tão afiadas
quanto uma colher de pau.
Anedotas que a
ninguém atinge, mas mesmo assim, vez ou outra tentam censurar. Nada acontece. Se
alguém é pego roubando hoje, terá o direito de roubar amanhã. Ninguém irá
puni-lo, ninguém saíra às ruas em sinal de protesto ou até mesmo invadirá
armado o Congresso trazendo o desfecho merecido à vida da maior parte daqueles
homens. Gostamos da nossa situação. Somos até capazes de doar dinheiro pra
corruptos pagarem as penas de multas de suas condenações
Essa é a
verdadeira natureza do brasileiro, um povo que dizem ser amistoso, alegre,
festeiro e cordial... E otário. E com vocação pra ser tolo e escravo. Não é à
toa que mais de cem mil se dispuseram a ser voluntários na Copa de 2014 —e 18
mil vão trabalhar de graça—, dando lucro fabuloso pros gringos da Fifa. E aos
corruptos do Governo. Como disse, porém, Millôr Fernandes, "os otários
nunca vão embora".
As pessoas que
exploram o povo deveriam ser desprezadas, condenadas. Mas o povo, de modo
geral, parece não dar a mínima para as pessoas que o exploram. E o espolia... E
fica claro que o ser humano vendido e espoliado por outro nem sempre é um escravo;
mas o que se vende a si próprio, esse é o escravo que não pode ser liberto.
Luca Maribondo
Umalas | Bali | Indonésia
9 de fevereiro/2014
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