quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

_Catecismo da repressão

Forças Armadas Brasileiras, leia-se Marinha, Exército e Aeronáutica, desde dezembro de 2013 contam com o que consideram "importante documento doutrinário", que contém diretrizes para o emprego da Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Na verdade, é uma espécie de catecismo confeccionado pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (Emcfa) e aprovada pelo ministro da Defesa, Celso Amorim.

Com a iniciativa inédita, as orientações para este tipo de atividade estão consolidadas em um documento, uma espécie de cartilha da repressão, já que anteriormente cada uma das Força Armadas adotava seu próprio procedimento. Também é uma demonstração de que não se pode contar com as forças policiais, nos âmbitos municipal, estadual e federal.


Define a cartilha que GLO é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado com o objetivo de preservar a ordem pública. Acontece quando há o esgotamento dos meios de segurança (polícias) em determinado evento. O emprego das Forças pode ocorrer por iniciativa própria da presidente da República ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais (Legislativo e Judiciário). Mas só a presidente é quem pode autorizar a GLO, que dá poder de polícia aos milicos.

Além de organizar o passo a passo para ações desta natureza, o manual recém-aprovado traz as bases legais que regem a GLO. Abrange, ainda, conceitos fundamentais usados nessas operações. Ou seja, ensina direitinho como baixar o pau em quem reclamar de alguma coisa errada no Governo.

Fica claro que a ideia é utilizar o material conceitual para repressão já neste ano, caso hajam manifestações populares antes, durante e depois da Copa do Mundo deste ano. Nós temos que mostrar que somos, ao menos na aparência, um povo pachorrento e pacato por natureza. Afinal, depois da Copa, vamos ter as Olimpíadas (será que eu deveria escrever Limpíadas, como querem alguns profissionais da mídia?).

Liberada pra quem quiser ver cartilha, que foi elaborada com a colaboração de milicos argentinos, passou a vigorar no final do ano passado através de portaria assinada por Celso Amorim, que faz parte dos quadros do PT. Regulamenta a atuação conjunta de Exército, Marinha e Aeronáutica em operações de segurança pública, sempre e quando as polícias não derem conta do recado e após autorização expressa do presidente da República. O manual considera movimentos sociais como “forças oponentes” das Forças Armadas, e os inclui no mesmo grupo de quadrilhas, máfias, contrabandistas e facções criminosas —mas não cita catervas de corruptos, quase todas incrustados no próprio Governo. De acordo com o novo regulamento, todos eles, sem distinção, devem ser “objeto de atenção e acompanhamento e, possivelmente, enfrentamento durante a condução das operações” das tropas federais. Traduzindo, a ordem é descer o pau.

Enumera também a cartilha as “principais ameaças” à manutenção da lei e da ordem no país. Entre elas, figuram estratégias comuns de protesto popular, como “bloqueio de vias públicas de circulação”, “invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas” e “paralisação de atividades produtivas”. Também cita no rol das ameaças episódios observados nas manifestações do ano passado em algumas capitais, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, tais como “depredação do patrimônio público e privado” e “saques de estabelecimentos comerciais”. O termo “distúrbios urbanos”, utilizado como sinônimo de manifestações públicas em manuais das polícias militares, é outro item na lista de perigos à ordem.

Segundo as autoridades militares, ao longo da história recente do país, as Forças Armadas têm sido acionadas pelo presidente da República para atuar na garantia da lei e da ordem. Dizem que “sempre houve, no âmbito das Forças Armadas, alguma documentação doutrinária. A situação recomendava, então, a consolidação de tudo que foi acumulado e publicado de maneira dispersa, mediante a emissão de um documento-guia que orientasse o planejamento e o emprego num tipo de operação que tem origem na destinação constitucional daquelas Forças"”

Um dos pressupostos utilizados para a elaboração do catecismos é que a disseminação da violência nos grandes centros urbanos, fruto de uma exclusão social facilmente perceptível a um olhar desatento, tem desnudado a ineficiência dos órgãos de segurança pública na garantia da ordem pública interna. E a polícia, as polícias, têm demonstrado um despreparo gritante pra lidar com o problema.

O que muitos parecem não compreender é que a ineficiência não é exclusividade dos órgãos de segurança. Na verdade, é um padrão de conduta do próprio Estado brasileiro, ainda preso a políticas puramente assistencialistas e que pouco tem feito em termos de inclusão social. A massa de iletrados (ou tecnicamente alfabetizados se preferir) não alcança padrões mínimos de qualificação técnica e a cada dia aumenta o abismo entre as classes sociais.

Empregar as Forças Armadas em operações tipicamente urbanas é medida extrema, a ser adotada em situações igualmente extremas. Trata-se de dogma que jamais deve ser esquecido num País recém-saído de um regime militar de exceção. Além do risco mediato à democracia e à própria população civil, ainda está em jogo a credibilidade das instituições, pois um aparato voltado ao combate e, isso mesmo, à eliminação do inimigo, não está naturalmente vocacionado ao policiamento ostensivo e à repressão à criminalidade civil. Imaginar (ou forçar) o contrário pode desaguar num extermínio generalizado ou no descrédito de instituições essencial à solidez do Estado brasileiro.

Resta ao Governo agir pensando que é preciso diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz. A fala precisa vir acompanhada pela ação. Não adianta um governo se dizer de esquerda e agir com a truculência das forças direitistas, que, por definição, são conservadoras. Ao povo resta agir pensando na filosofia que nos ensina que a rebeldia é a vida. A submissão é a morte. E, se você quer um conselho, aceite todas as provocações e revide pensando; é a melhor maneira de reagir às provocações.




Luca Maribondo
Umalas | Bali | Indonésia
http://goo.gl/ZnGLF

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