domingo, 5 de janeiro de 2014

_Porque nunca esteve velho

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No último mês, ou quarenta dias, assisti a oito filmes que tratam especificamente da questão da velhice e do envelhecimento. Vi "Última Viagem a Vegas" (Last Vegas), de Jon Turteltaub; "Mr. Morgan's Last Love" (não consegui descobrir que título recebeu no Brasil), de Sandra Nettelbeck; "O Exótico Hotel Marigold" (The Best Exotic Marigold Hotel), de John Madden; "O Quarteto" (Quartet), de Dustin Hoffman; " Um Divã para Dois"(Hope Springs) de David Frankel; e "Amigos Inseparáveis" (Stand Up Guys), de Fisher Stevens; "The Best Offer", de Giuseppe Tornatore; e "Saving Mr. Banks", de John Lee Hancock.

Não são, certamente, obras primas do cinema, mas têm em seus elencos atores de peso como Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thompson, Tom Hanks, Geofrey Rush, Maggie Smith, Michael Caine, Judi Dench, Tom Wilkinson, Morgan Freeman, Michael Douglas, Robert de Niro e outros. Todos têm em comum o fato de tratar gente idosa com dignidade, sem comiseração nem pieguismos. Meu objetivo aqui não é escrever crítica cinematográfica (coisa que não faço tem tempo), mas falar da idade provecta.

Diz a maioria das pessoas que chegaram à idade provecta que envelhecer é um bocado complicado. E eu, do alto dos meus 66 anos, penso que é mesmo, mas também penso que se não há muitas vantagens, as que se tem podem ser infinitamente boas. Na verdade, envelhecer é um porre. Mas o lugar comum é inevitável.

Não. Não é inevitável. Mas é preciso considerar que a outra opção a envelhecer é morrer jovem. E isso, por si só, já é um argumento quase que insofismável. Penso aqui com meus zíperes que todos os que morrreram jovens, inclusive alguns suicidas, preferiam estar enfrentando as adversidades da longevidade a terem morrido antes de ter completado 50 anos, por exemplo —hoje em dia, penso eu, estar na faixa dos cinquenta ainda é ser jovem.  Digo isso porque não gosto de ainda estar vivo, mas não teria apreciado já ter descido do planeta. Contraditório? Claro que é contraditório! Mas ser contraditório é inerente ao ser humano.

Depois, envelhecer te dá uma certa autonomia —não digo financeira, que essa é uma das complicações da idade, já que tudo fica mais caro (remédios, planos de saúde, dietas), e as pessoas, com poucas exceções e por razões diferentes, têm seus recursos —financeiros principalmente— reduzidos, mesmo porque ninguém quer dar emprego pra um idoso. Mas a autonomia de que falo é aquela de não ter mais que se explicar, não ter mais que se justificar, dar explicações.

Na juventude, tudo é ponderado com base no custo-benefício, nas vantagens. Claro que existem as exceções, como as decisões imprudentes, os impulsos desmedidos, as atitudes tresloucadas e eventuais, e as loucuras provocadas pelas paixões desatinadas. As decisões que tomamos têm base no que queremos (ou pensamos que queremos) para o futuro, geralmente sem que pensar que a vida tambem é uma longa sucessão de interferências indevidas. E sempre temos que argumentar —pra nós mesmo, pra família, pros amigos - o porquê dessa ou daquela escolha.

Na velhice, não. Você pode querer um iPad de última geração e se alguém te perguntar para que —já que você tem computador em casa—, dizendo que você não trabalha mais, sai pouco e isso não lhe teria real utilidade, você pode responder apenas "porque eu quero". Que Diabo! Quem foi que estabeleceu a real utilidade das coisas? Na velhice, você pode ter um iPad para responder seus emails, navegar pelo Facebook e jogar damas virtual nas três horas que tem de enfrentar entre um exame e outro, entre procedimentos diferentes, na sala de espera de exames. Por que não?

Na velhice você também pode se casar de novo e quantas vezes quiser. Conheço um homem, mais jovem do que muitos jovens, que, aos oitenta e cinco anos, está no terceiro casamento —depois de ter sido casado quase cinquenta anos com a primeira mulher. No mesmo ano em que ela se foi, porém, casou-se novamente com uma antiga namorada também viúva, que reencontrou por puro acaso.

GettyE quando a fatalidade, dois anos depois, também lhe ceifou aquela que parecia ser sua derradeira primavera, ele enfrentou tudo com galhardia: deixou levar pelo pranto por alguns meses, sacudiu a poeira e deu a volta por cima: foi à luta e casou-se com a filha de uma velha amiga da família. E quando os filhos questionaram, ele simplesmente respondeu: "E por que não? Porque tenho de viver sozinho?" E quando argumentaram que ele não guardava nem o tempo do luto, retrucou: "Na minha idade não posso me dar a esse luxo! Quanto tempo me resta para ser feliz e desfrutar a vida? O luto que se dane..." Pois é... Com todo respeito às senhorinhas-adoráveis-esposas que partiram, sou obrigada a lhe dar razão... E como dizia meu avô, "viúvo é quem morre!"

Na velhice, salvo se sua saúde estiver muito debilitada, você pode morar onde quer. Na juventude, primeiro você mora onde pode; depois, com filhos e afins, onde precisa; finalmente, você pode morar onde quer. E isso significa, por exemplo, a despeito da opinião alheia, continuar morando numa casa enorme, com quartos que você raramente usa e espaço para uma grande família que você nem mais tem. Mas quem foi que colocou como regra que quando a gente envelhece tem que morar numa quitinete? As casas antigas em geral têm uma vida inteira encerrada nas paredes. Na velhice, as pessoas não querem abandonar esses livros impressos nas memórias de suas salas e jardins, outrora plenos de pessoas queridas... Claro que tem um bocado de restrições, como de comida, bebida, exageros... Mas...

Na idade provecta, você pode andar meio desleixado, desatento, ser extravagante. Você pode ouvir música alto, dormir até mais tarde, sentar-se na varanda sem pressa, lembrar ou esquecer...

Na velhice, não importam mais os erros cometidos (não dá mais pra consertar o passado), os julgamentos, os questionamentos. Não é preciso mais explicar, nem entender - os jovens é que têm que compreender que os velhinhos querem poder ficar onde eles querem, onde precisam, onde sentem-se bem, com os objetos, pessoas, desejos que eles ainda podem escolher.

Porque, na velhice, estamos livres! Em todos os filmes citados no início destes texto, os idosos protagonistas lutavam, cada um à sua maneira, por essa liberdade. E todos obtinham êxito, embora não sem um certo sofrimento. Alguns eram premiados por suas virtudes, outros castigados pelos seus pecados, mas todos tinham um final feliz em suas histórias.

Sabe?, alguém me perguntou certa vez qual era o meu maior medo e eu disse "se você pensa que é a morte, está enganado —é a dor".  E continuei: "É claro que não quero continuar vivendo se estiver louco ou vegetando, mas ainda estou lúcido; não gosto de ainda estar vivo, mas penso que não existe algo mais incrível que a vida. Sem sofrimento, eu quero viver até os 100 e que me acompanhe quem quiser. Com sofrimento, quero morrer agora".

Eu já havia concluído este artigo uns dois dias atrás, quando me deparei com um texto sobre a vetustez do arquiteto campo-grandense Celso Costa postado num site de rede social. Costa é um especialista em nosocômios que pratica uma arquitetura que é a própria poesia dos espaços. Tal como eu, ele pensa que a velhice nada tem de melhor idade. Pelo contrário. Leia o final do seu texto, que reproduzo a seguir:

"(...) lá pelo centro da cidade, eu me segurando, dei de olhos com uma menina de uns 25 anos que me encarava... Me senti o máximo. Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no braço para o bíceps crescer e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns três dias mais jovem. Quando já contente, pelo menos com o flerte, ela ameaçou falar alguma coisa, meu coração palpitou. É agora... Joguei um olhar 32 (aquele olhar de Zé Bonitinho) ela pegou na minha mão e disse: "O senhor não quer sentar? Me parece tão cansado?" Melhor Idade? Melhor idade é a puta que o pariu!

Celso Costa está prenhe de razão. A velhice tem lá suas vantagens, mas as desvantagens são muito maiores. Portanto, gostaria de assisnar embaixo do texto do arquiteto. Quem argumenta que velhice é a melhor idade é porque nunca esteve velho.


Luca Maribondo
Janeiro/2014

Umalas | Bali | Indonésia

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