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No último mês, ou quarenta dias, assisti a oito filmes
que tratam especificamente da questão da velhice e do envelhecimento. Vi "Última
Viagem a Vegas" (Last Vegas), de Jon Turteltaub; "Mr. Morgan's Last
Love" (não consegui descobrir que título recebeu no Brasil), de Sandra
Nettelbeck; "O Exótico Hotel Marigold" (The Best Exotic Marigold
Hotel), de John Madden; "O Quarteto" (Quartet), de Dustin Hoffman;
" Um Divã para Dois"(Hope Springs) de David Frankel; e "Amigos
Inseparáveis" (Stand Up Guys), de Fisher Stevens; "The Best
Offer", de Giuseppe Tornatore; e "Saving Mr. Banks", de John Lee
Hancock.
Não são, certamente, obras primas do cinema, mas têm em
seus elencos atores de peso como Al Pacino, Meryl Streep, Emma Thompson, Tom
Hanks, Geofrey Rush, Maggie Smith, Michael Caine, Judi Dench, Tom Wilkinson, Morgan
Freeman, Michael Douglas, Robert de Niro e outros. Todos têm em comum o fato de
tratar gente idosa com dignidade, sem comiseração nem pieguismos. Meu objetivo
aqui não é escrever crítica cinematográfica (coisa que não faço tem tempo), mas
falar da idade provecta.
Diz a maioria das pessoas que chegaram à idade provecta
que envelhecer é um bocado complicado. E eu, do alto dos meus 66 anos, penso que
é mesmo, mas também penso que se não há muitas vantagens, as que se tem podem
ser infinitamente boas. Na verdade, envelhecer é um porre. Mas o lugar comum é
inevitável.
Não. Não é inevitável. Mas é preciso considerar que a
outra opção a envelhecer é morrer jovem. E isso, por si só, já é um argumento
quase que insofismável. Penso aqui com meus zíperes que todos os que morrreram
jovens, inclusive alguns suicidas, preferiam estar enfrentando as adversidades da
longevidade a terem morrido antes de ter completado 50 anos, por exemplo —hoje
em dia, penso eu, estar na faixa dos cinquenta ainda é ser jovem. Digo isso porque não gosto de ainda estar
vivo, mas não teria apreciado já ter descido do planeta. Contraditório? Claro
que é contraditório! Mas ser contraditório é inerente ao ser humano.
Depois, envelhecer te dá uma certa autonomia —não digo financeira,
que essa é uma das complicações da idade, já que tudo fica mais caro (remédios,
planos de saúde, dietas), e as pessoas, com poucas exceções e por razões
diferentes, têm seus recursos —financeiros principalmente— reduzidos, mesmo
porque ninguém quer dar emprego pra um idoso. Mas a autonomia de que falo é
aquela de não ter mais que se explicar, não ter mais que se justificar, dar
explicações.
Na juventude, tudo é ponderado com base no
custo-benefício, nas vantagens. Claro que existem as exceções, como as decisões
imprudentes, os impulsos desmedidos, as atitudes tresloucadas e eventuais, e as
loucuras provocadas pelas paixões desatinadas. As decisões que tomamos têm base
no que queremos (ou pensamos que queremos) para o futuro, geralmente sem que pensar
que a vida tambem é uma longa sucessão de interferências indevidas. E sempre
temos que argumentar —pra nós mesmo, pra família, pros amigos - o porquê dessa
ou daquela escolha.
Na velhice, não. Você pode querer um iPad de última
geração e se alguém te perguntar para que —já que você tem computador em casa—,
dizendo que você não trabalha mais, sai pouco e isso não lhe teria real utilidade, você pode responder
apenas "porque eu quero". Que Diabo! Quem foi que estabeleceu a real utilidade das coisas? Na velhice,
você pode ter um iPad para responder seus emails, navegar pelo Facebook e jogar
damas virtual nas três horas que tem de enfrentar entre um exame e outro, entre
procedimentos diferentes, na sala de espera de exames. Por que não?
Na velhice você também pode se casar de novo e quantas
vezes quiser. Conheço um homem, mais jovem do que muitos jovens, que, aos
oitenta e cinco anos, está no terceiro casamento —depois de ter sido casado
quase cinquenta anos com a primeira mulher. No mesmo ano em que ela se foi, porém,
casou-se novamente com uma antiga namorada também viúva, que reencontrou por puro
acaso.
E quando a fatalidade, dois anos depois, também lhe
ceifou aquela que parecia ser sua derradeira primavera, ele enfrentou tudo com
galhardia: deixou levar pelo pranto por alguns meses, sacudiu a poeira e deu a
volta por cima: foi à luta e casou-se com a filha de uma velha amiga da família.
E quando os filhos questionaram, ele simplesmente respondeu: "E por que
não? Porque tenho de viver sozinho?" E quando argumentaram que ele não
guardava nem o tempo do luto, retrucou: "Na minha idade não posso me dar a
esse luxo! Quanto tempo me resta para ser feliz e desfrutar a vida? O luto que
se dane..." Pois é... Com todo respeito às senhorinhas-adoráveis-esposas
que partiram, sou obrigada a lhe dar razão... E como dizia meu avô, "viúvo
é quem morre!"
Na velhice, salvo se sua saúde estiver muito debilitada,
você pode morar onde quer. Na juventude, primeiro você mora onde pode; depois,
com filhos e afins, onde precisa; finalmente, você pode morar onde quer. E isso
significa, por exemplo, a despeito da opinião alheia, continuar morando numa
casa enorme, com quartos que você raramente usa e espaço para uma grande família
que você nem mais tem. Mas quem foi que colocou como regra que quando a gente
envelhece tem que morar numa quitinete? As casas antigas em geral têm uma vida
inteira encerrada nas paredes. Na velhice, as pessoas não querem abandonar
esses livros impressos nas memórias de suas salas e jardins, outrora plenos de
pessoas queridas... Claro que tem um bocado de restrições, como de comida,
bebida, exageros... Mas...
Na idade provecta, você pode andar meio desleixado,
desatento, ser extravagante. Você pode ouvir música alto, dormir até mais
tarde, sentar-se na varanda sem pressa, lembrar ou esquecer...
Na velhice, não importam mais os erros cometidos (não dá
mais pra consertar o passado), os julgamentos, os questionamentos. Não é
preciso mais explicar, nem entender - os jovens é que têm que compreender que
os velhinhos querem poder ficar onde eles querem, onde precisam, onde sentem-se
bem, com os objetos, pessoas, desejos que eles ainda podem escolher.
Porque, na velhice, estamos livres! Em todos os filmes
citados no início destes texto, os idosos protagonistas lutavam, cada um à sua
maneira, por essa liberdade. E todos obtinham êxito, embora não sem um certo
sofrimento. Alguns eram premiados por suas virtudes, outros castigados pelos
seus pecados, mas todos tinham um final feliz em suas histórias.
Sabe?, alguém me perguntou certa vez qual era o meu maior
medo e eu disse "se você pensa que é a morte, está enganado —é a dor".
E continuei: "É claro que não quero
continuar vivendo se estiver louco ou vegetando, mas ainda estou lúcido; não
gosto de ainda estar vivo, mas penso que não existe algo mais incrível que a
vida. Sem sofrimento, eu quero viver até os 100 e que me acompanhe quem quiser.
Com sofrimento, quero morrer agora".
Eu já havia concluído este artigo uns dois dias atrás,
quando me deparei com um texto sobre a vetustez do arquiteto campo-grandense Celso
Costa postado num site de rede social. Costa é um especialista em nosocômios
que pratica uma arquitetura que é a própria poesia dos espaços. Tal como eu,
ele pensa que a velhice nada tem de melhor idade. Pelo contrário. Leia o final
do seu texto, que reproduzo a seguir:
"(...) lá pelo centro da cidade, eu me segurando,
dei de olhos com uma menina de uns 25 anos que me encarava... Me senti o
máximo. Me aprumei todo, estufei o peito, fiz força no braço para o bíceps crescer
e a pelanca ficar mais rígida, fiquei uns três dias mais jovem. Quando já
contente, pelo menos com o flerte, ela ameaçou falar alguma coisa, meu coração
palpitou. É agora... Joguei um olhar 32 (aquele olhar de Zé Bonitinho) ela
pegou na minha mão e disse: "O senhor não quer sentar? Me parece tão
cansado?" Melhor Idade? Melhor idade é a puta que o pariu!
Celso Costa está prenhe de razão. A velhice tem lá suas
vantagens, mas as desvantagens são muito maiores. Portanto, gostaria de
assisnar embaixo do texto do arquiteto. Quem argumenta que velhice é a melhor
idade é porque nunca esteve velho.
Luca Maribondo
Janeiro/2014
Umalas | Bali |
Indonésia
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