quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

_Como a maquiagem do palhaço

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Estava eu num botequim, conversando com alguns amigos e conhecidos eventuais. Um deles, que bebia um desses coquetéis de cor estranha e cheio de pedacinhos de frutas, me disse que ouviu falar que veado no sentido de homossexual escreve-se com "i", ou seja, grafa-se "viado". "Veado é o bicho, não a bicha", disse ele. E riu.

Ao ouvir afirmação tão categorizada, comecei a refletir (pasmo!, diga-se) a respeito da situação atual brasileira e, porque não, mundial. Será que as pessoas não sabem mais do que falam? Só repetem o que ouvem por aí, principalmente nas redes sociais? Pense um pouco, uma multidão gritando empolgada: "nessa festa só tem viado"; "olha a viadagem"; "a presidente Dilma é lady" e por aí vai. Isto é, no mínimo, ridículo.

Para confirmar como me abismei —do verbo abismar (eu abismei, tu abismaste, ele abismou etc.)—, numa entrevista sobre sociologia do ciberespaço, analisei o nosso momento atual, dominado pelo internetocentrismo (provocado pelo antropocentrismo virtual), no qual conceitos como tautologia, cibercultura, comutação, sociedade do espetáculo, mostram o quanto nossa sociedade é superficial e despreocupada com a significação (no sentido semiótico) das palavras. O Facebook está aí pra não me deixar mentir.

Só pra não deixar ninguém voando: cibercultura é uma relação de trocas na sociedade numa relação entre cultura, novas tecnologias e a emergência da Internet na comunicação pessoal e social. Também é termo usado no conceito das comunidades virtuais que popularizam o uso da Internet e das tecnologias de comunicação. A cibercultura é um estabelecimento de relações, uma aproximação entre indivíduos, através das novas ferramentas virtuais.

Se alguém se comunica assim, pode-se afirmar que é um ciberculto. A cibercultura já está presente na vida cotidiana de todos os indivíduos que se relacionam com o mundo através da tecnologia digital. As recentes tecnologias são ferramentas, meios, para o contato entre pessoas e objetos, que gera um conceito de tecnologia intelectual.

Fui claro? Claro que não!
Veja, o ciberespaço é uma virtualização da realidade, o que faz as pessoas migrarem do mundo real para o mundo virtual. O ciberespaço, na mente das pessoas, torna o espaço e o tempo físico variável. A cibercultura está mudando o imaginário e as relações humanas, muitas vezes de forma subjetiva e interativa. A sociedade hoje —e futuramente— se comunica e se relaciona cada vez mais através das tecnologias de comunicação, construindo laços emocionais, acordos e atividades profissionais, acesso à realidade política, social, cultural e mercadológica de seu países, e dados remotos. Fui claro? Claro que não.

Mas vou deixar minha digressão de lado. O que eu quero dizer é que essa cibercultura tem seu lado bom e seu lado ruim: um destes é levar as pessoas à Era do Achismo. Hoje em dia, ninguém estuda mais nada profundamente, ninguém conhece nada profundamente. O simples fato de ler uma reportagem sobre fertilização de camaroas com óvulos de baratas paleolíticas, já faz de qualquer pessoa um profundo conhecedor de genética pré-histórica criogênica. E afirmar que essa tecnologia poderá criar camarões voadores ou baratas comestíveis.

E o que é pior, uma pessoa que lê essa reportagem, se sente no direito de, no meio de uma discussão de bar, dizer: – “Não! Vocês sabem que de fertilização de camaroas eu entendo!” E todos se rendem ao argumento de autoridade do boquirroto. Sem nenhum argumento ou contra-argumento. Erística? Ninguém sabe do que se trata.

E não estou nem falando dos erros e vícios de linguagem que vêm se tornando cada vez mais comuns, nos meios de comunicação de massa, de onde deveriam sair textos mais escorreitos. “A nível de” está em tudo quanto é canto; zero à esquerda de números simples (zero que ninguém lê em voz alta, porque desnecessário); e o uso excessivo do gerúndio recheia os discursos de pseudo-intelectuais, cuja credibilidade permanece intacta, graças à ignorância geral da plebe ignara. Quem frequenta as redes sociais sabe bem do que estou falando.

Os poucos sobreviventes, sentem-se cada vez mais isolados, como em pequenas ilhas de conhecimento rodeadas por um ror de gente politicamente correta. Não é difícil ver uma pessoa ser discriminada por utilizar o português corretamente, em uma conversa —criou-se até a locução preconceito linguístico pra discriminar essas pessoas.

Isso tudo chega a ser revoltante: os defensores do tal preconceito linguístico defendem a ideia de que temos de aceitar os erros dos ignorantes e tentar compreender o que dizem e escrevem, mesmo que seja impossível entender o que desejam comunicar. Mas o pior de tudo, é ter de aceitar as reclamações dos amigos que acham que somos gente cabotina, que falamos "difícil" apenas pra nos mostrar superiores.

Pra concluir. Fui procurar nos dicionários pra ver se os léxicos consagram a grafia "viado" pra denominar os homoafetivos brasileiros. O Dicionário Houaiss diz que viado é um tecido de lã, com riscas ou veios; e menciona ser parônimo (dois ou mais vocábulos que são quase homônimos, diferenciando-se ligeiramente na grafia e na pronúncia ou palavra cujos fonemas podem confundir-se com os de outra) de veado. Já o Aurélio nem menciona o vocábulo. O Dicio e o Caldas Aulete abonam o Houaiss.

Logo, viado nada tem a ver com gays. E veado é bom não usar, porque vai contrariar os mencionados gays e homoafetivos, que podem taxar quem usar a palavra de homofóbico. Termo que configura outra dessas falhas criadas pelo "ouvi dizer". Pura intolerância.

Intolerância que começou no momento em que passaram a utilizar uma palavra inadequada para dar nome ao problema: homofobia é uma doença. Você pode ir contra as pessoas porque elas têm uma atitude execrável, mas nunca porque são portadoras de uma moléstia. Execrar um homófobo é mais ou menos a mesma que ter aversão a um canceroso ou um portador de hiv.

Etimologicamente, o vocábulo mais aceitável para a ideia expressa seria homofilofóbico, que é medo de quem gosta do igual. Mas quem iria usar essa palavra tão escalafobética? Imagine o apresentador de um telejornal tendo que ler em voz alta a palavra homofilofóbico e depois ter de explicar seu significado ao distinto público telespectador. Melhor as pessoas continuarem sem saber o que dizem. O Facebook vive disso: a ignorância diverte (eu rio muito no Facebook). Tem até comediante se aproveitando disso: assista programas como o CQC e Pânico e vai entender do que falo. É a ignorância usada como provocadora do riso, como a maquiagem do palhaço.


Luca Maribondo
19 de dezembro/2013
Umalas | Bali| Indonesia


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