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Desde que me entendo por gente, politicamente me coloquei na
posição da esquerda, até porque minha índole é anarquista e a esquerda era o
que mais se aproximava do anarquismo. Logo... A frase-lema de Pierre-Joseph
Proudhon —“Quem quer que seja que ponha as mãos sobre mim, para me governar, é
um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”—sempre foi pra mim uma
diretriz, um princípio.
De modo geral, as pessoas classificam anarquistas como criminosos,
Mas minha modesta concepção é simples: a diferença que existe um sociedade
estatal e uma sociedade anárquica é a mesma que existe uma estrutura e um
organismo; enquanto uma é construída artificialmente, o outro cresce de acordo
com leis naturais. Simples assim.
Mas meu foco neste texto não é o anarquismo, mas as diferenças
entre esquerda e direita no mundo moderno. Quase sempre dogmáticos, os
historiadores, descrevem as grandes ideologias do século XIX —conservantismo,
liberalismo e socialismo— com a ajuda de um modelo conceitual que situa esses movimentos
num contínuo de direita para a esquerda (ou vice-versa), de acordo com sua
preferência pelo status quo
hierárquico (a direita) ou pela reforma liberalizante e igualitária (a sinistra).
Ao final do século 20, com o eclipse tanto da esquerda histórica
(socialismo) quanto da direita histórica (conservantismo), as posições de
"esquerda" e "direita" não parecem mais definíveis com
tanta limpidez como acontecia no início do século passado. E falo disso
novamente porque o PT voltou à ladainha de chamar de direitistas todos os seus
adversários, não importa de que lado estejam, como se fossem os donos
esclusivos da esquerda.
Não é assim, até porque parece superada hoje a diferenciação
esquerda-direita, por causa da nova proeminência das questões ambientais,
superando em parte as questões da distribuição econômica, sobre as quais se
baseava, em termos históricos. Há também questões éticas e filosóficas. Uma
pressuposição fundamental do capitalismo industrial do século 19 e de seus
críticos socialistas —a de que é possível ter uma contínua acumulação e
expansão econômica— não prevalece mais. A distinção esquerda-direita, porém,
conserva sua utilidade para a compreensão dos objetivos e valores fundamentais
dos movimentos políticos no século 21.
Só pra recordar, a terminologia esquerda-direita surgiu na
Convenção Nacional da Revolução Francesa (1789): as facções mais
revolucionárias sentavam-se do lado esquerdo da mesa diretora, enquanto os
parlamentares mais conservadores permaneciam à direita. Os deputados da
esquerda eram favoráveis a reformas que levassem a mais liberdade e igualdade,
enquanto os da direita preferiam os arranjos mais tradicionais e mudanças menos
profundas.
Na extrema esquerda estavam os movimentos que favoreciam a
igualdade econômica compulsória; na extrema direita estavam os monarquistas,
que queriam restaurar os privilégios aristocráticos e o poder absoluto da
monarquia e da aristocracia, além de fortalecer o poder econômico da burguesia
e do patriciado.
A igualdade e os direitos das pessoas eram os valores fundamentais
que determinavam a localização dos movimentos no espectro político. Quanto
maior o compromisso de alcançar igualdade, mais pra esquerda o movimento se
situava na percepção dos contemporâneos. A esquerda defendia a progressão para
uma sociedade mais democrática; a direita propunha a manutenção ou restauração
das hierarquias e relações sociais costumeiras. Nos extremos do espectro
ficavam as facções que propunham a revolução, quer para alcançar a igualdade e
acabar com a hierarquia, na esquerda, ou para restaurar a hierarquia e impedir
a igualdade, na direita.
O que complica esse modelo conceitual, no entanto, é a contradição
entre fins revolucionários e meios que surgiram na prática, depois da Revolução
Comunista da Rússia em 1917. Para os bolcheviques, na extrema esquerda, o
compromisso com a revolução social igualitária era tão grande que virtualmente
qualquer meio —violência, demagogia, terrorismo, ditadura— parecia aceitável
para a realização dos seus fïns.
Essa disposição para recorrer a métodos radicais leva ao paradoxo,
observado com freqüência na história de que os métodos rigorosos de
revolucionários da esquerda muitas vezes abalaram seus proclamados objetivos
igualitários e democráticos. É por isso, que os esquerdistas mais radicais
aceitam passivamente criminosos como Stalin, Mao Tze Tung, Muammar Ghadaffi,
Fidel Castro e tantos outros, acusados de grandes chacinas de adversários. Até
ditadores de fancaria do tipo Hugo Chávez são aceitos incondicionalmente.
A direita, por seu lado, se não chega a endeusar figuras como
Adolf Hitler ou Benito Mussolini, aceita impassível meliantes do tipo Harry S.
Truman, o das bombas atômicas no Japão, George Bush, Idi Amin Dada, Papa Doc, Francisco
Franco e outros do mesmo calibre. Alguns chegam a ser homenageados com nome de
rua —veja os casos de Emílio Médici, Francisco Franco e tantos outros que são
nomes de rua por este país afora. Cada lado tem o criminoso que merece.
Resumindo: pimenta no fiofó alheio é refresco.
Não faz muito tempo, o poeta e cronista Ferreira Goulart escreveu
no jornal Folha de S.Paulo que
"(...) entendo que a dificuldade de definir, hoje, esquerda e direita é
consequência do avanço das ideias progressistas. Conhece alguém que se oponha à
construção de uma sociedade justa? Eu não conheço. Difícil mesmo é chegar
lá."
A idéia das velhas esquerdas dos anos 1950 a 80, de luta armada,
totalmente fora da realidade, só serviu para estimular a reação
antidemocrática. Não me entusiasma a sociedade de consumo desenfreado, nem
penso que o mercado seja o árbitro de todos os valores. Esses têm de vir da
cultura, da sociedade, das pessoas. Sem radicalismos de "direita" e
"esquerda". "Todas as revoluções passam", dizia Kafka,
"e só resta o lodo de uma nova burocracia"...
Não estou certo de que a discussão política sobre o que distingue
a direita da esquerda seja apenas uma questão política ou se é, antes, uma
questão filosófica relevante. Aliás, é muito raro encontrar tais conceitos na
literatura filosófica. Seja como for, há uma tendência muito frequente nas
discussões sobre direita e esquerda que me parece filosoficamente estéril e que
consiste em caracterizar ambos os lados de tal modo que se torna imediatamente
óbvio a uma mente equilibrada que um deles está errado e o outro certo.
No Brasil, ambas são burras. A direita, fora do governo, não
consegue ter uma estrutura mínima pra fazer oposição. A esquerda, que governa,
quer fingir que não é governo. Um exemplo disso foi a tentativa de promover manifestações contra a prisão dos mensaleiros, que aconteceu no último final de semana.
Se a gente pensar bem, nada foi mais ridículo que as tais manifestações. As ditas militâncias petistas deviam mais é cancelar o diabo da "manifestações" e parar de escrever bobagens sobre esquerda e direita.
Se, na caracterização filosófica de uma disputa, se torna
evidente, para um ser racional interessado na verdade, que num dos lados estão
os bons (ou os que pensam bem) e no outro lado os maus (ou que pensam mal),
então tal caracterização nada tem de filosófica. A distinção em causa não
passaria, nesse caso, de uma diferenciação pseudo-filosófica. Mas é sempre bom
ficar como o vesgo, olhando pra os dois lados: cuidado quando a esquerda e a
direita estão de acordo!
Ou esquecer o horizontalismo da questão, verticalizando-a: os bons
no alto, os maus embaixo. Mesmo porque hoje a diferença fundamental entre
esquerda e direita é que a direita quer deixar a barraca firmemente armada e a
esquerda quer imediatamente chutar o pau da dita cuja barraca. Eu prefiro ficar
por cima e olhar as coisas da perspectiva dos anjos.
Umalas | Bali | Indonésia
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