sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

||A alma do negócio sem alma

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Numa única parada em uma esquina de Campo Grande, recebi nada menos que oito folhetos promocionais e publicitários dos mais variados modelos, tipos e tamanhos. Alguns sofisticadíssimos, fartamente coloridos. Uns poucos criados com leiautes moderníssimos, mas muitos lembrando os antigos reclames das primeiras décadas do século passado. Dois ou três escritos em português, a maioria em uma língua indefinível, que lembra vagamente o idioma falado no Brasil —é um dialeto que os publicitários conhecem... E mal.

É tal a quantidade desse material publicitário distribuído nas esquinas mais movimentadas de Campo Grandeprincipalmente nessas épocas de festas reiligio-marqueteiras—, que é possível que o cidadão encha o carro de folhetos, folders, opúsculos, filipetas, flyers, prospectos, volantes, boletins e quejandos após rodar pelo centro da cidade e aceitar todas as peças que lhe entregarem.

Um publicitário resolveu agir assim e aceitou todos os reclames que lhe entregaram. Ao final de uma semana, ele contou nada menos que 327 peças, suficientes para encher uma caixa de papelão de bom tamanho.

Se o passante se der ao trabalho de ler um ou outro desses reclames, descobrirá que o supermercado tal “garante o menor preço e se compromete a devolver a diferença na hora”; o seu concorrente jura que o que vende é “mais barato, mais barato, mais barato”. Tem o sabe-se-lá-o-que (a filipeta não é assinada) que, autoritariamente, é imperativo: “Exerça seu direitomultas de trânsito??? Não pague!!! Recorra...”.

Tem também o reclame do político em campanha extemporânea que se vangloria: “Somos um partido vitorioso! Temos um projeto vitorioso!”. A nova loja de computadores alardeia que é “a maior rede de soluções em informática e telefonia celular do Mato Grosso do Sul (sic)”. O serralheiro alerta: “se o seu portão está acordando seu visinho (sic) quando abre ou fecha é sinal que alguma coisa está errada”.

Uma moçoila de ar manso e tímido distribui cartões informando na “loja especializada em produtos e acessórios eróticosera possível adquirir extensores penianos ( pensou?!), vibradores, lubrificantes e fantasias(?). A maga e conselheira espiritual vende seu peixe asseverando ser capaz de encontrarrespostas e soluções para todos os seus problemas”, desfiando uma longa lista dessas pequenas grandes desgraças que eventualmente afetam as pessoas comuns.

É um festival de poluição visual e ambiental: na maior parte dos casos, o material é muito feio e mal-ajambrado e, quase sempre, vai parar nas ruas e calçadas, aumentando a enorme quantidade de lixo espalhado pelas vias públicas da cidade. E o campo-grandense, cuja cidadania parece estar sempre em baixa, ajuda a esculhambar ainda mais o ambiente, jogando todos esses papéis nas ruas da cidade.

Claro que os profissionais da propaganda têm uma grande culpa nisso tudo. O publicitário é um ser à parte: publicitário não ouve música, ouve trilha sonora; publicitário não tem lista, tem mailing; publicitário não copia, se inspira; publicitário não outdoor, mídia exterior; publicitário não dirige, faz test-drive; publicitário não faz desconto, faz off. E também não faz liquidação, mas agita uma sale. Publicitário não imprime (na impressora do computador), publicitário printa. Publicitário não corre, faz Cooper. Publicitário não paga em dinheiro, mas cash (que, aliás, foi pro inglês de caixa, em português mesmo). Publicitário não rabisca, faz rough. E publicitário não come, faz degustação. Publicitário não escreve, redige. Publicitário não é elegante, é fashion.

É certo que, com boa propaganda, o cidadão comum é capaz até de acreditar em ovo sem casca. Mas o material publicitário distribuído nas esquinas da cidade acaba dando razão ao humorista Millôr Fernandes, que diz: “propaganda – a madrinha da prostituição”. Mas também demonstra que a propaganda continua sendo a alma do negócio, ainda que muitas vezes pareça um negócio sem alma.

Luca Maribondo

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