sábado, 23 de outubro de 2010

_O déspota morto

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Tem que um dia toda a floresta amanheceu no maior rebuliço. Em todas as árvores da mata havia pregado um édito real, promulgado por sua majestade o Leão, assinado de próprio punho pelo todo-poderoso felino.  No documento, sua majestade manifestava a todos o seu desejo de não mais continuar reinando sobre a selva, sobre os viventes dali: pequenos animais e os de grande porte, que deviam obediência a ele e o temiam, pela sua ferocidade e ironia.

Lido édito, todos se animaram: os macacos pulavam de galho e galho no alto das copas das árvores; os passarinhos volteavam nos ares em mil evoluções graciosas, cheios de alegria; as girafas esticavam mais os seus longos pescoços, de tanto contentamento; os jacarés escovavam os dentes, preparando-se para deglutir a comida farta do jângal; as corujas voltavam observar o mundo à sua volta, as hienas riam mais do que nunca; os veados saltitavam de maneira quase afetada, os papagaios tagarelavam como velhas carolastudo era festa na floresta.

Apesar do seu jeito duro e um tanto estabanado, o Leão, rei que estava renunciando ao poder absoluto, era um monarca muito popularnunca antes na história do jângal um governante havia sido tão popular. Ele, que sempre reinara na legitimidade da paz e da confiança, decidiu renunciar, mas arvorou-se o direito de escolher quem seria seu sucessor.

Em meio à alegria geral, uma espécie teimava em não descer das copas das árvores, muito desconfiando da generosidade do leão: os macacos, principalmente os chimpanzés. Astuciosos, espertos, malandros como sempre, eles viam tudo sem fazer caretas ou dar saltos de alegria. Simplesmente se limitava a observar o ambiente, mas não desciam das árvores, preferindo as alturas mais seguras à euforia ingênua dos outros bichos.

Afinal de contas, um leão, com aquela juba enorme, poderoso, forte, cheio de vontades, comedor de gente e de bichos, carnívoro, déspota, de natureza guerreira, de repente ficar bonzinho assim sem mais e nem menos? Era bom demais para se acreditar. Assim, os chimpanzés ficaram na deles.

Língua grande e metido a líder, além de ser uma dos principais áulicos do Leão, o papagaio, que mantinha um pequeno jornal, fez chegar aos ouvidos reais as desconfianças da macacada, que teimava em não dar credibilidade à distensão promovida pelo Leão. Assim informado, o rei a alta árvore onde estava o símio que liderava o grupo de macacos e deu início ao diálogo, tentando demonstrar as suas reais intenções.

"Quem garante que você não vai me comer (no sentido literal do termo) se eu descer?", perguntou o macaco. "Ora bolas! A garantia sou eu. Olha os outros animais... Todos estão passeando tranquilamente e em momento algum eu os molestei. Podem inclusive dizer as verdades que quiserem, que eu fico na minha. Eu evoluí meu caro. Acho a democracia o maior barato e não vou voltar a atrás".

O macaco olhou, pensou, refletiu, e redarguiu: "Pois eu desço daqui se você escolher um candidato à sua sucessão que seja da nossa confiança!"

"Que bobagem senhor símio – retorquiu o rei. Você acha que sou incapaz de perdoar. Eu sei que você está pensando que eu pretendo me vingar das sacanagens que você me fez. E foram muitas, mas não se preocupe. te anistiei. E você sabe que palavra de rei não volta atrás".

Mas o macaco permaneceu irredutível, Assim, o rei decidiu ceder: "pois está certo macaco cretino. Farei a tua vontade pra provar que não estou mentindo".

O Leão então iniciou uma série de consultas e acabou escolhendo uma chimpanzé madura, colérica, que tinha sido guerreira e também havia trabalhado como auxiliar do próprio rei. Todos os principais líderes da selva que apoiavam o Leão aprovaram a macaca, que viria a ser sua sucessora na governança da selva, pois tinha sido uma ajudante leal e zelosa, que sempre soubera colocar-se em seu lugar, isto é, à sombra do leão.

Para confirmar a unção da chimpanzé como sucessora do rei, decidiu-se que haveria uma luta entre os dois, como era de hábito na selva. Juntaram-se todos os animais e todos se preparam para a refrega. De cara, a macaca perguntou pro rei: "quais serão a regras da nossa luta, majestade?" O rei olhou firme pra ela, deu um sorriso sarcástico, e respondeu: "Ora, sra. chimpanzé, onde se viu regras pra uma briga de animais na mata?!".

A chimpanzé traidora
"Ah é?! Então, ta bom", respondeu a macaca e, incontinenti, deu um chute nas chamadas partes baixas do rei  (que estavam totalmente expostas), partes estas que, como se sabe, são extremamente sensíveis à dor. O rei dobrou-se com as patas dianteiras no ventre a proteger a genitália, do que a macaca aproveitou-se pra passar as unhas afiadas na jugular do leão, que imediatamente esvaiu-se em sangue, morrendo em segundos. A macaca foi ovacionada por todosafinal, o rei acabara de morrer.

E não demorou muito, ela demitiu todos os auxiliares do rei leão e aderiu aos animais que o odiavam. E provou que a traição não custa nada e quase semprecerto.

Moral da história: melhor ser rei déspota vivo do que rei deposto morto.

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