quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

[Os computadores e o caráter humano]

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O computador chegou ao estágio em que resolve
todos os problemas. Exceto, claro, os dele.
Millôr Fernandes


Desde as últimas décadas do século passado os computadores vêm fazendo, cada vez mais, parte de nossas vidas. Querendo ou não, somos obrigados a lidar com eles a todos os momentos, nos caixas eletrônicos de banco, na escola, no trabalho, nas compras —até os boxes do camelódromo de Campo Grande estão informatizadas. Mesmo gente mais refratária às mudanças é obrigada a se acostumar com as maquinetas, sentindo que não há como escapar da tecnologia. A humanidade está sendo dominada pela tecnologia, mas, infelizmente, não podemos dizer que a recíproca é verdadeira.

Por mais que a gente amplie nossos conhecimentos e desenvolvamos novos produtos, os computadores continuam dando respostas inesperadas nas piores horas, e gerando comportamentos malucos sempre que possível. Dizem os especialistas que a informática nunca foi uma ciência lógica, muito pelo contrário... A nossa vã filosofia, a todo tempo, é subvertida pelos softwares, plataformas, arquitetura, linguagens e todos aqueles outros termos nem sempre de fácil compreensão.

Tentam explicar e resolver todos os problemas com grandes teorias, novas linguagens, versões betas e outras coisicas que nunca acabam funcionando como se deseja e ainda acabam criando novos problemas —e quem já não ouviu a frase fatal “mas o computador nunca erra, meu senhor!” Outros se conformam e apenas aprendem as técnicas de defesa pessoal para redução dos efeitos provocados por um pau ou tilt, para os mais antiquados. Nestas técnicas estão os famosos control/alt/del, além do reset e outras palavrinhas tão meigas, que já fazem parte do vocabulário de qualquer criança com mais de três anos.

Não sou um expert em informática, e, nos computadores, isso é o que menos me fascina. Uso um micro apenas como uma ferramenta, um meio para produzir algo. Na verdade, é pouco mais que uma máquina de escrever metida a besta. Mas conheço gente que sabe tudo de informática, e de um jeito ou de outro, sempre estive envolvido com isso (desde o Atari... ou melhor, do Genius —quem se lembra deles?), tenho minha teoria sobre a principal causa de todos os problemas de um computador.

Semântica! Exatamente, isso! Responda rapidamente para mim: quantas vezes você apertou a tecla enter do seu micro realmente desejando entrar em algum lugar ou em alguma coisa?! Enter em inglês, segundo meu tradutor eletrônico tecnologicamente plugado à Internet, significa exatamente isso: entrar, anotar, penetrar, verbo intransitivo.

Por mais que o computador tente, é impossível fazer tudo certo sendo contrariado o tempo todo. Contrariedade tal, que só pode ser comparada aos garçons de rodízio. Se pararmos para recordar a história da computação, vamos nos lembrar que no início não havia a tecla enter, existia o bom e velho return, e eu pergunto agora: quem se lembra de uma operação fatal com direito a tela azul em um TK-3000, ou num Apple que usava a linguagem Logo com aquela maldita tartaruguinha, hem?!

Pois é leitor!, os computadores são, na verdade, dispositivos que trabalham o tempo todo negando tudo em que acreditam, são palmeirenses obrigados a cantar o hino do glorioso rival alvinegro durante toda a jornada de trabalho. É inevitável que as operações fatais ocorram a todo instante, pois não é todo chip que é psicologicamente preparado para isso.

Possivelmente, se os teclados e sistemas fossem adaptados pela função do usuário, os nossos problemas seriam mais facilmente resolvidos. Se o usuário fosse digitador, ao invés de enter haveria a tecla return ou parágrafo, se fosse um usuário de computação gráfica simplesmente ok, e assim por diante. Deste modo, reduziríamos o sofrimento dos computadores, e nós, teríamos a nossa paciência finalmente poupada. E sem travamentos.

Fico pensando se as maquinetas não estão aos poucos se humanizando. Quase sempre que se fala em computadores, eles estão fazendo maracutaias nas eleições, adulterando contas bancárias, errando nas cobranças dos cartões de crédito, revelando segredos de Estado. Estou ficando desconfiado que o computador herdou e ampliou a falta de caráter do ser humano.

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