terça-feira, 3 de novembro de 2009

[Pra desorientar]

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Sempre estou me perguntando, principalmente quando se aproxima a realização de um pleito eleitoral: será que os resultados das eleições são influenciados pelo determinismo? Isto é, é o destino que comanda quem vai ganhar ou quem vai perder uma disputa eleitoral? Se assim for, a pesquisa de opinião, ao invés de constatar, pode definir os rumos de um pleito eleitoral como o que se avizinha e que determinará quem governará o País e os Estados nos próximos quatro anos?

Os donos dos institutos de pesquisa, os ibopes da vida, ramo de negócios cada vez mais rentável nesta e em outras plagas, dirão que não. O eleitor é livre, são detentores do livre arbítrio, alegam, e escolhe de acordo com sua consciência. O próprio eleitor, se pesquisado sobre o tema, dirá mais ou menos a mesma coisa. É razoável que assim seja. Aqueles, até por implicações legais, buscam preservar o seu negócio; e este, por auto-estima ou orgulho, sabe-se lá, prefere ostentar razões nobres para suas preferências políticas.

Há, no entanto, uma dimensão que nos permite aplicar ao problema o mesmo raciocínio e a dialética certeira de João Saldanha, célebre técnico e cronista de futebol do século passado. À pergunta "será que 'escrita' pode ganhar jogo de futebol?", ele, fiel ao seu estilo direto e irônico, respondia na lata que "sim". E agregou, segundo ele ancorado no método do materialismo histórico (era comunista o técnico que formou a Seleção Brasileira tricampeã em 1970), uma explicação simples e definitiva: "os jogadores acreditam".

Por isso, por mais que se negue, as “pesquisas” jogam, sem dúvida, um papel decisivo na armação do cenário da disputa eleitoral. A razão é simples: “os jogadores acreditam”. Os candidatos, os assessores, os cabos eleitorais, as burocracias partidárias, até os marketeiros e comunicadores, todos sabem que a cotação no “mercado eleitoral” passa pelas maquinações e pelo abracadabra da pesquisa, daí sua influência nos humores e na disposição de ânimo daqueles diretamente envolvidos na disputa.

Todo mundo sabe —e este é um dado decisivo— que os financiadores das campanhas (geralmente de um amplo leque ideológico, se é que há ideologia nisso) se orientam pela pesquisa eleitoral. Ela define a bolsa de apostas e o destino do vil metal. Nenhum financiador de campanha abre as burras para candidatos que não têm expressão nas pesquisas eleitorais.

Legislação permissiva, fiscalização frouxa, tradição de interferência do poder econômico, entre otras cositas más, são elementos da cultura política que transformam as pesquisas eleitorais em território da mais desbragada manipulação. Não existe coisa mais fácil de “manipular” do que a pesquisa eleitoral. São incontáveis as possibilidades de fazer maracutaias: na elaboração do questionário, na escolha da amostragem, na intercalação dos dias da enquete, na divulgação, no trabalho de campo. Em qualquer estágio da pesquisa é possível direcioná-la para um resultado conveniente para o interessado. É o que lhe dirá, sob garantia de sigilo, qualquer técnico da área. E mais, tudo “científico”, irreparável, perfeitamente defensável, sem deixar rastros de má fé.

Como o fio de bigode dos avós, a única garantia apresentada é a independência das empresas que fazem pesquisa. Pura balela, conversa pra boi dormir. A maioria trabalha —dentro e fora das épocas de campanha eleitoral— para o poder público, empresas e corporações, entidades e sindicatos patronais, quase sempre com aquelas licitações e faturas de transparência (é quando você está fora de si que o pessoal vê melhor o que você tem dentro) um tanto turva.

De fato, as pesquisas são ao mesmo tempo um mal necessário e uma garantia do processo democrático. Todas as nações democráticas do mundo têm pesquisas eleitorais, e os institutos que as realizam são independentes, mas não muito, geralmente empresas, e que dominam técnicas apuradíssimas e esotéricas de pesquisa estatística. Elas influenciam, sim, o comportamento do eleitor, mas não poderia ser diferente, assim como existem muitos outros fatores que influenciam. Querer um "comportamento puro", intocável, como se o eleitor vivesse dentro de uma caixa preta é uma sandice, que só alguns políticos que não entendem nada da ciência estatística são capazes de fomentar.

Resta o fato —pretextado por todos os donos dos institutos de pesquisas— de estar sempre em jogo a reputação da empresa responsável pela consulta. Esta, naturalmente, se mede pela comparação entre o voto contado na urna com a última pesquisa realizada. As variações dos resultados do período anterior —que é quando se arma toda a farsa do cenário da disputa— são acochambradas e acabam ficando por conta da uma sempre alegada volubilidade do eleitor. É quando se comete o crime perfeito.

Na verdade é um crime tão perfeito, que nunca ninguém consegue prová-lo. Mas sempre tem gente querendo proibir a divulgação de pesquisas antes das eleições, para punir a felonia, cometendo toda sorte de legislação em seu nome. A manipulação das pesquisas com certeza é um crime dos mais espantosos —mas a vítima (o eleitor) não tem a menor importância, até porque são três os resultados básicos das pesquisas eleitorais. O primeiro é para orientar partidos, candidatos e seus assessores; o segundo, pra orientar financiadores e doadores de campanha; o terceiro pra desorientar o distinto público eleitor.

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