domingo, 18 de outubro de 2009

_Mãos cheirosinhas

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Considerada como uma obrigação religiosa no início, passando pelo moralismo exacerbado da Idade Média e chegando aos dias de hoje, com os eufemismos das garotas de programa e das “modelos”, a prostituição já conta com mais de 6.000 anos de existência —isso se a gente levar em consideração apenas a época em que foi criada a escrita e, em conseqüência, a História.

A prostituição —e com ela os bordéis— tem florescido em todas as sociedades nos últimos seis milênios.
Mulheres das mais distintas classes têm se dedicado ao prazer sexual —muitas vezes remunerado—, desde as hetaíras da Grécia clássica até as cortegiane di candela da Itália do século 15; desde as kehbebs muçulmanas até as gueixas de hoje.

Ao ler algo sobre a história da prostituição o leitor se depara com fatos surpreendentes nem sempre retratados na historiografia oficial. Por exemplo, no primeiro ano da Era Cristã, Roma tinha registradas 32 mil prostitutas em atividade, número pouco menor que as 35 mil que viviam em Nova York no final do século 19. Carlos Magno teve cinco rainhas e o mesmo número de concubinas; Roberto, Bispo de Lieja, encontrou tempo suficiente, entre uma missa e outra, para conceber 75 filhos ilegítimos —todos com senhoras e moças de vida (não tão) fácil. E vai por aí afora.

E tão logo surgiram as prostitutas nasceu também sua relação com os políticos (esta, talvez, a segunda profissão mais antiga do mundo, apesar de que eu ache que jornalista seja a segunda profissão mais antiga). A prostituição sempre teve, sem trocadilhos, relações carnais com o poder. Desde os tempos mais remotos da História as prostitutas estão assim com os poderosos de plantão —pode até dizer que elas tiveram mais influência na sociedade do que as mulheres ditas “de respeito”.

Na Grécia antiga, por exemplo, enquanto as mulheres “honestas” ficavam aprisionadas no silêncio do gymnaceum, completamente reclusas, e sem ter autonomia econômica e social, as prostitutas podiam fazer fortunas. Enquanto as mulheres comuns eram analfabetas, as meretrizes eram letradas e cultas; faziam companhia aos homens e eram peritas em negócios, como as hetairae. Algumas delas ficaram famosíssimas e ganharam um lugar na História, como Aspásia, companheira de Péricles.

Em Roma, a situação das chamadas trabalhadoras do sexo também era bastante confortável: havia lupanares financiados pelo Estado, onde era possível ver atuando mulheres nobres e até imperatrizes, como Julia, filha do imperador Augusto, e Messalina, terceira mulher de Cláudio, que se faziam passar por prostitutas profissionais. Era mais confortável ser puta do que mulher decente.

Com a queda do Império Romano e a conseqüente supremacia das religiões e seitas judaico-cristãs, implantou-se uma forte repressão sexual, que existe há mais de dois mil anos. A prostituição degradou-se e tornou-se violenta. Mas surgiu algo que pode se denominar de prostituição de luxo, que ainda manteve grande influência sobre o poder.

Na Renascença, as amantes dos reis passaram a ter mais influência do que as próprias rainhas, como o caso de Joanne Bécu, condessa du Barry, e Jeanne Antoinette Poisson, madame de Pompadour —curioso que poisson signifique veneno em francês. Esse tipo de coisa acabou por arruinar as finanças da França e tornou-se uma das causas da Revolução Francesa.

Há quem diga que, nos dias de hoje, a prostituição perdeu muito do seu charme —mas isto não é bem verdade. Hoje, a prostituição também tem um caráter duplo: para as mulheres das classes oprimidas, ela significa uma espécie de libertação, pois acabam ganhando mais do que nos empregos convencionais, até porque muitas delas conquistam grandes espaços na mídia, travestidas de atrizes, modelos, apresentadoras de tv. Estas acabam servindo as classes mais altas e ganham status extremamente privilegiados. Já para as mulheres das classes mais altas há também uma espécie de liberação, mas de outra laia: estas podem ficar livres do falso moralismo e do conservadorismo, sendo chamadas apenas de excêntricas.

Foi o ex-ator e ex-presidente norte-americano Ronald Reagan quem disse que “eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga. Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira”. Os mais recentes —e os mais antigos também— acontecimentos políticos do Estado e do País (por falta de espaço não vou citar nenhum, mas basta o gentil leitor abrir os jornais ou ligar a tv) demonstram que o mui execrado Reagan tem lá um bocado de razão, caso contrário a política não seria, como disse Otto Lara Rezende, “a arte de enfiar a mão na merda” (ao que eu acrescento) e tirá-la de lá bem cheirosinha. Preciso citar nomes?

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