sexta-feira, 23 de outubro de 2009

_Espírito de Natal mais cedo

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Cada vez mais o Natal chega mais cedo; ao menos pra marqueteiros, lojistas, publicitários, industriais e outros envolvidos com o marketing natalino. Essa gente preocupada em ganhar cada vez mais, já começa a querer dizer que mercadorias devemos comprar pra presentear os consortes, os namorados, os filhos, os amigos etc. etc. e tal. Hoje, faltando 62 dias para o 24 de dezembro próximo, já vi uma loja anunciando seus badulaques. Como não gosto de ficar atrasado em nada, também resolvi dar pitaco nessa história de comprar presente de Natal.

Vamos lá. Como o nome está a indicar, o presente de Natal é um mimo que as pessoas dão umas às outras por ocasião das festividades natalinas, criadas pra comemorar o nascimento na Terra do filho de Javé. Essas festividades, que incluem comilanças e beberronias fartas, são celebradas, na maioria das vezes, no mês de dezembro; registram-se, porém, de quando em quando, exceções que comprovam a regra (toda regra tem exceção).

Uma dessas exceções durante a batalha de Hattin, quando, por temer-se durante o cerco de Saladino à cidade que na data tradicional os mouros já estariam de posse da cidade, o Natal foi celebrado em outubro. Outra deu-se em Puxa Faca, mui tradicional e honrada urbe do Estado de Roraima, quando devido ao atraso do décimo-terceiro salário, o Natal acabou sendo celebrado em junho, juntamente com o advento do inverno (o que tornou o Natal um pouco mais europeu), acontecendo, por conta disso, naquele ano, dois Natais: o de junho, ou seja, o Natal de Santo Antônio, e o de dezembro, ou seja, o Natal propriamente dito.

Mas voltemos ao presente. O presente de Natal vem geralmente sob a forma de embrulho pra presente, podendo, contudo, assumir aspectos não tão convencionais, isto é: bilhete da Mega-Sena premiado, um casal de gêmeos, uma herança, uma dívida paga em dia, a secretaria gostosinha que aceita participar de um jantar a dois, um amigo que ganha a eleição pra senador etc.

O presente de Natal convencional, ou seja, aquele que vem embrulhado com papel estampado, caixinhas decoradas, fitinhas coloridas, é geralmente entregue na véspera do Natal, em geral até pouco antes da meia noite, e desembrulhado no ato da entrega. Esta operação é, geralmente, coletiva, isto é, realizada por muitas pessoas ao mesmo tempo, sendo acompanhada da emissão de sons —Oh!, Ah!, Muito obrigada, não precisava tanto! Feliz Natal!— e de gestos como abraços, beijos, selinhos e levar o copo à boca.

De maneira geral, as mulheres esperam receber como presente de Natal alguns dos —ou todos— dos seguintes itens: carro último tipo, jóias estonteantes, perfumes muito raros, vestidos de estilistas exclusivos, dotes infinitos de sedução, laptop de última geração, empregadas perfeitas, amor-admiração-fidelidade (não necessariamente nessa ordem) de todos os homens, babás impecáveis, filhos angelicais, juventude eterna. Recebem, geralmente, meias, echarpes, bolsas, lenços, bijuteria, celular, livro de auto-ajuda, tecido, creme hidratante, kit de maquiagem.

Os homens, por sua vez, esperam receber como presente de Natal alguns dos seguintes itens: virilidade permanente, salários fabulosos, carro imponente, poder imenso, amor de muitas mulheres, prestígio invulgar, juventude eterna. Recebem: par de meias, cuecas, gravatas, carteira de couro, caneta, celular, loção-após-barba, livro de auto-ajuda.

Já as crianças recebem brinquedos, roupas, material escolar, lições de moral, bicicleta, bola de futebol, celular, CDs, tocador de mp3. Gostaria de receber: laptop, televisão o dia inteiro, não ter de lavar as mãos antes das refeições, não ter de ouvir lições de moral, pacotes de balas, poder ir pra cama mais tarde sempre.

Falando agora do Natal tão cedo, vejo que muita coisa está mal nesta história —e não só com os presentes. Por exemplo, o papai Noel é um falso. Não é pai coisa alguma, mas um daqueles tios afastados que nós nunca vemos e que uma vez por ano chega lá a casa para nos dar meias e ainda temos que lhe oferecer o lanche.

E as crianças adoram, só porque, ao contrário dos tios, Papai Noel dá pena por causa daquela barba grande e branca de mendigo e aquele traje vermelho de quem não tem mais nada para vestir. E pronto, deixamos que ele entre em nossa casa porque em vez de curtir sua própria vida, anda de casa em casa num anacrônico trenó e todo mundo acha fofo.

Nós não admitíamos isto a mais ninguém, certo? Andar um ano inteiro sem chutar o balde ou o pau da barraca e se comportar que nem santinhos para, uma vez por ano (quando não há crise, porque até o velhote a sente), um gordo que não faz a barba, com um gorro ridículo e vestido vermelho, entrar pela nossa casa adentro com o risco de partir a chaminé (ou o exaustor, quiçá) para nos dar coisas tão interessantes como cuecas, meias ou camisolas.

É para este senhor que vai o dinheiro dos contribuintes? É que ainda por cima goza da gente… Andamos o ano inteiro preocupados com o preço da gasolina e o velhote chega com renas voadoras e vermelho (em excesso de velocidade para conseguir passar por todas as casas numa só noite) e ninguém o multa e nem ele nos diz o que dá às renas para elas ficarem assim tão ensandecidas. Estou pura e simplesmente irritado com o Natal —acontece em todos—, por haver chegado tão cedo neste ano.

E termino assim a minha reclamação e aviso desde já: não me falem no Natal. Peço imensa desculpa, mas vou ter que acabar por aqui, até porque não sei que desfecho devo dar a esta história que só resolvi escrever porque o apressadinho dono de uma loja resolveu anunciar seu comércio natalino tão cedo, me fazendo antever que este será um Natal especialmente chato. Mas já me obrigou a pensar nos presentes que darei e na grana que vou gastar, e mais uma vez sem saber se dou os melhores presentes por generosidade ou por conformismo.

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