sábado, 31 de outubro de 2009

_De algibeiras e estribeiras

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Ignazia Kravitz nasceu num prostíbulo em Santos. Era filha de uma meretriz polonesa, Malgorzata Kravitz, que um dia desembarcou no porto paulista e lá ficou até a morte. Mercadejou o corpo enquanto a beleza eslava o permitiu e depois tornou-se uma honrada cafetina. Ignazia, ou Naná, nasceu em 1948 e, como a mãe, iniciou-se no mais antigo ofício da humanidade ainda menina, aos 14 anos. Em 1966, com 18 anos incompletos, Nana veio parar em Campo Grande —era época de campanha eleitoral e ela foi convidada a integrar um caravana de moças de vida airada que iria visitar as diversas cidades do sul de Mato Grosso, oferecendo favores sexuais a lideranças políticas locais pra ajudar a eleger um dos candidatos. Falo do milagre mas não revelo o santo por óbvias razões.

Naná por aqui ficou após o pleito —gostou dos moços, apegou-se a alguns peões, a sopa paraguaia tornou-se uma das suas iguarias favoritas e passou a desfrutar do tereré refrescante todas as tardes. Foi puta durante alguns anos e, depois que o corpo deixou de prestar-se às dificuldades da vida fácil, continuou no meretrício, mas como patroa: tornou-se uma respeitada e honrada cafetina.

Você, gentil leitor, pode achar bizarro o adjetivo "honrada". Afinal, como pode haver honra numa atividade tão devassa? Mas na Sra. Kravitz há sim. Desde que assumiu a função de celestina, já nos anos oitentas do século passado —sim, porque Naná foi quenga até quase completar 38 anos—, ela sempre respeitou suas meninas, sempre honrou seus compromissos e sempre conviveu com gente da melhor qualidade.

Ainda nos anos 1980, Dona Naná montou, com a ajuda de um empresário com quem teve uma filha bastarda, um belo lupanar num local afastado do centro de Campo Grande, mas que hoje tornou-se bairro de classe média alta. O bordel existe até hoje: lá pode-se desfrutar da beleza de moças de todo o país, jogo manso ou pesado, boa bebida e uma cozinha que se esmera nos mais saborosos pratos da região: mojica, picanha assada, peixes maravilhosos e uma fatura de tanta comida doce e salgada.

Denominado pela cor castanha do seu elaborado portão, Casa do Portão Baio —e não adianta procurar, porque não tem placa—, o castelo é muitíssimo bem freqüentado: empresários, pastores evangélicos (e até alguns padres muito bem disfarçados), profissionais liberais (médicos, advogados e jornalistas são os mais assíduos) e, principalmente políticos. A partir das noites de quinta-feira e por todo o final de semana, o Casarão da Vereda Grande, como Dona Naná chama seu estabelecimento, é uma ferveção só.

Por conta de sua proximidade com os políticos —ela observa que política e prostituição são duas atividades que não vivem uma sem a outra—, a Sra. Kravitz tornou-se uma acurada observadora e analista da vida política da Guaicurúndia. E uma frasista mordaz e sarcástica, até porque conhece tudo da política destas plagas em que o mugido de um touro peó vale mais que um discurso no parlamento.

Dona Naná é uma amiga de muitos anos e volta e meia aparece aqui no meu modesto mas divertido tugúrio, que chamo de ateliê, para discutir a política guaicuru, em longas conversas acompanhadas de cerveja gelada, chipa quente, fatias de sopa paraguaia e, eventualmente, um tereré gelado que só ele degusta. Como estamos em vésperas de eleições, suas visitas se amiúdam. E suas digressões sobre a política me ajudam desenhar o cenário das eleições de 2010, objeto por objeto.

Na última vez em que esteve aqui no meu ateliê, a Sra. Kravitz analisou a política de alianças para as próximas eleições, focando principalmente PT e PMDB que, no âmbito nacional vão estar lado a lado, mas que aqui periga serem adversários. No final do nosso papo, Dona Nana disse uma das suas frases, aparentemente difícil de compreender, mas que você pode ter certeza de que tem gente lá do alto da pirâmide política que sabe muito bem do que a Sra. Kravitz está falando: "tem político que pensa tanto nas algibeiras que acaba perdendo completamente as estribeiras".

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