quinta-feira, 22 de outubro de 2009

_Bom pra nada

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Uma das minhas implicâncias comezinhas é a colocação do zero à esquerda de um número simples. O que é um zero à esquerda? Na definição fria e dura dos dicionários, é a total e completa ausência de quantidade —é o número cardinal que corresponde a um conjunto vazio. Isto é, nada! Na linguagem informal significa pessoa que significa absolutamente nada, que não tem nenhum valor; zero, nada: Fulano é uma nulidade, é um zero à esquerda. Redundando: quando se diz "Fulano é um zero à esquerda", estamos dizendo que Fulano é um nada, um irrelevante, certo? Ótimo. Bom saber que você concorda comigo.

Em inglês a locução pra zero à esquerda é good for nothing que, traduzida literalmente pro português, significa bom pra nada. Perfeito: bom pra nada diz tudo. Agora, então, por favor, me diga, porque essa mania de adicionar zeros antes das unidades? O número do meu apartamento é sete. Cada vez que dou o meu endereço, a turma escreve "07". Se fosse quinze, escreveriam "15", sem zero à esquerda; se fosse trezentos, escreveriam 300, sem zero a esquerda. Como é sete, escrevem "07", com um zero à esquerda. Pra quê?

Um colega, jornalista profissional e que, portanto, deveria saber escrever, me diz num email que tem "03 serviços" para entregar. Deveria ter dito que tinha "três serviços", não "03". Quer abreviar pra ganhar tempo na redação das mensagens eletrônicas. Então, deveria ter dito "3 serviços", sem zero à esquerda. Resumindo, abrevia exatamente o que?

Dia desses, um publicitário com quem coexisto no mundo cibernético do Twitter escreveu algo com o maledetto zero à esquerda. Perguntei o porquê e ele me respondeu singelamente: porque acho bonito... Mas prometo me conter das próximas vezes... (acho que ele sabe da minha implicância); talvez estética mesa 01, mesa 02, mesa 20... duas casas decimais?.. Não conheço nenhuma regra que diga que, quando o número é simples, seja necessário ou correto usar um zero à esquerda.

Numa aula na faculdade de jornalismo em que estudo, surpreendi uma coleguinha escrevendo no quadro negro, que é verde, as datas das nossas provas: 07/maio, 08/maio e assim por diante. Claro que impliquei e pedi: leia o que você escreveu. E lá foi ela: sete de maio, oito de maio. Por que você não leu os zeros?! "Por que não precisa!", retrucou a moçoila. "Então, por que escreve", pensei (apenas pensei, pra não ser indelicado) com meus zíperes.

Por isso tudo, vivo questionando quem escreve zero à esquerda. Já me disseram que é por segurança, para que ninguém adultere. É mesmo? Qual é a chance de alguém, num texto impresso, inserir um algarismo a mais? Quer dizer, qual a chance de alguém pegar meu cartão de visita transformar o meu "Rua Tal, nº 7" em "Rua Tal, nº 17"? Qual a possibilidade de alguém botar uma escada ao pé de um outdoor e mudar a data de um evento de 8 de novembro pra 18 novembro? E pra quê?!

Mas, se você entregar o texto em formato eletrônico, não é o zero à esquerda que vai impedir adulterações, pode ter certeza. Cada vez que embirro com o "zero sete", alguém me vem dizer que tem uma regra que manda. Tem, nada! Escrevi até para a Academia Brasileira de Letras, perguntando se existe alguma base para esse uso. Está aqui a resposta que recebi: ABL Responde. Pergunta : existe alguma razão para o uso de zeros à esquerda dos números de um a nove? Coisas como "Fulano tem 02 filhos"? Obrigado. Resposta : usa-se o zero à esquerda mais em cheques para evitar fraudes. Numa frase comum, não se usa o zero à esquerda. Fulano tem dois filhos é a melhor redação. Ou : Fulano tem 2 filhos.

O uso de zero à esquerda em cheques, evidentemente, só se faz necessário quando o cheque é manuscrito. E nem com isso eu concordo, mesmo porque o preenchimento dos cheques exige a redação do número por extenso. E acho que esqueceram-se de mencionar que se usa zero antes da vírgula, quando há decimais: 0,5%, para tornar a vírgula mais visível e porque altera radicalmente o valor: 5 é cinco vezes um, 0,5 é metade de um.

Dia desses, numa reunião, eu disse que o uso do zero à esquerda é inclusive anti-ecológico ou ambientalmente insustentável (pra ser mais moderno). E expliquei: já pensou nos hectolitros e hectolitros de tinta que se gasta em folhetos, cartazes, páginas de jornais e revistas, embalagens e quintilhões de outras coisas que se coloca em papel, placas, paredes etc. pelo mundo a fora cada vez que alguém imprime esses zeros inúteis?

Enfim, zero à esquerda significa absolutamente nada. Não serve nem como motivação pra que eu escreva esta crônica. Mas a escrevi assim mesmo apenas pra dar vazão à raiva que sinto quando me deparo com um zero à esquerda. Até porque, zero à esquerda é zero à esquerda. Se alguém duvida de que os homens (e mulheres) são idiotas, tente calcular a perda de tempo e de esforço que é gasto por milhões de pessoas traçando zilhões desses circulozinhos inúteis nos escritos de seus cotidianos.

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