segunda-feira, 21 de setembro de 2009

_A língua da mediocridade

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Há alguns anos, numa visita ao Shopping Campo Grande, um empresário norte-americano quis saber do amigo brasileiro que o guiava como se dizia mall (centro de compras) em português. Passado o espanto, a resposta provocou gargalhadas: shopping center. Em coletivas de imprensa ocorrem situações ainda mais engraçadas. Profissionais ansiosos por impressionar jornalistas se desbaratam a utilizar estrangeirismos de forma errada e mandam frases do tipo: “isso é um plus a mais para a empresa”: plus já significa a mais! E o pior é que muitas vezes tais pérolas viram vocabulário comum, encobrindo a pobreza e a falta de bom senso no uso da língua.

É o caso, por exemplo, da expressão busdoor, inventada por algum publicitário genial. Derivada de outdoor, que significa “ao ar livre” em inglês— na comunicação, significa qualquer tipo de publicidade feita ao ar livre. Busdoor teria de ser traduzida, literalmente, como “porta de ônibus” (bus, redução de do latim omnibus mais door, porta em inglês). Mas a expressão, em publicitês, denomina, pasme leitor!, esses painéis publicitários que vão nas janelas traseiras dos coletivos urbanos. Parece absurdo, mas é real e nenhum publicitário que eu conheço —e eu conheço muitos— contesta isso. Agora, tem um outdoor na cidade afirmando que determinado produto “é o que seu filho precisa em moda fashion”, ou algo parecido. Não surgiu ninguém para dizer ao anunciante que fashion e moda querem dizer absolutamente a mesma coisa.

Mais grave ainda é quando as expressões, em vez de comunicar, tornam-se ruído, impedindo que áreas como a comunicação e o marketing cumpram seus principais papéis: atingir o público. Sem discussões mais profundas sobre os 510 anos de "colonialismo" no Brasil, responsável em boa parte pelo encantamento da sociedade por tudo que vem de fora, principalmente dos Estados Unidos, o assunto merece reflexão, não só para evitar que profissionais e os cidadãos comuns vivam caindo no ridículo, mas especialmente por alguma interferência que possa vir a ter nos negócios.

Muita coisa vai mudar com relação ao uso do inglês num futuro próximo —e já está mudando. Agora mesmo surgiu a notícia de que o filólogo e coordenador da Fundação do Espanhol Urgente —Fundeu—, Alberto Font, afirmou que “alguns de nossos netos poderão ver os EUA com mais falantes de espanhol do que de inglês”. Em uma conferência na Universidade de La Laguna (Ilhas Canárias), Font disse que “o futuro do espanhol passa pelos EUA, porque ele passou de uma língua que não era considerada importante a uma língua que movimenta dinheiro, o que traz importância social e política”. Na opinião de Font, na imprensa americana está se criando um novo idioma espanhol, o “espanhol internacional”, motivado pela necessidade de comunicar dos jornalistas hispânicos que trabalham nela. O filólogo destacou o grande crescimento de meios de comunicação em espanhol registrado nos últimos anos nos EUA, tanto de impressos como falados. Na verdade, logo logo vai ser melhor aprender com os paraguaios do que com os ianques.

Para o professor Pasquale Cipro Neto, especialista em língua portuguesa, é uma grossa bobagem pensar que uma língua pode se fechar para o mundo. “Mas também não dá para entrar no clima de ‘liberou geral’ e usar estrangeirismo por modismo ou só por usar”, argumenta ele, que alerta: “Pode ser um tiro no pé”. O próprio Cipro Neto lamenta por um dono de pizzaria que perdeu várias vendas devido um folheto mal explicado. Apesar de a massa ser melhor do que a do concorrente, Pasquale lembra que a simples palavra delivery estampada em cima do cardápio não deixava claro que eles entregavam em casa, o que fazia com que uma de suas amigas sempre escolhesse a outra pizzaria.

Para essa massa ignara que não costuma usar o cérebro para pensar, é bom lembrar
que, mesmo em tempos de globalização, comunicação planetária via Internet e a institucionalização do inglês como um idioma internacional, ainda há pessoas que falam português no Brasil. Quando se trata de comunicar é fundamental o emissor da mensagem saber reconhecer o perfil do receptor para, pelo menos, minimizar os ruídos. Em plena época de liquidação, quando o que o comerciante mais quer é queimar todo o estoque, por que então complicar com cartazes de desconto, como “50% off”, quando no mais das vezes o consumidor mal entende o português?

Mesmo para os letrados em inglês, o verbo inglês to push pode provocar ambigüidade. Como a pronúncia é parecida com puxe, do verbo puxar, muita gente acha que push significa puxar e pull, do inglês to pull, empurrar, quando, na verdade, é o contrário. Por causa de uma confusão como essa, presenciada por Cipro Neto, várias pessoas desistiam de experimentar torneiras em exposição num shopping center paulista ou quando tentavam em vão abri-las. Ou seja, mais uma ação mal aproveitada.

Por conta do comodismo e do colonialismo cultural, a coleção de bobagens vem aumentando rapidamente. Dia desses, numa fila de banco, ouvi duas pós-adolescentes conversando sobre os benefícios de seus telefones portáteis, mais conhecidos como celulares (a grande maioria dos usuários não sabe porque são telefones celulares!). A primeira cantou todas as vantagens do seu Tim. Ao que a outra retrucou: “Eu ainda prefiro o meu ‘Vaivo’, que faz tudo o que eu quero e ainda é mais barato”. Não me agüentei e ri —e recebi um olhar de imensa reprovação da moçoila, que se referia à operadora de celulares Vivo.

Esse tipo de comportamento é tão bizarro quanto o de turistas brasileiros que voltam de Nova York com frases do tipo “Adorei o edifício The Empire State building”, como se building (edifício) fizesse parte do nome do prédio e, por conta disso necessitasse ser repetido. Casos ainda mais doidos viraram até piada: uma turista revelou a uma amiga, sem perceber a diferença do nome de rua com um semáforo: “Achei uma store ótima na esquina da Walk [atravesse] com a Don´t Walk [não atravesse]”.

Além de toda uma história de colonialismo cultural, o uso de estrangeirismos está ligado à origem norte-americana de atividades como marketing e publicidade e do forte impacto da cultura pop na comunicação. Alguns procuram se policiar para evitar o uso exagerado de outro idioma nas conversas e nos textos, mas muita gente não consegue.

Durante a inauguração de uma lanchonete no interior de MS, a primeira-dama da cidade fez questão de experimentar os lanches do novo estabelecimento. Na hora de fazer o pedido, não teve dúvidas em excluir o que não gostava. “Um cheeseburger sem queijo, por favor”. Muitas vezes surgem situações constrangedoras, como a de um empresário campo-grandense que, há alguns anos, queria colocar a canção “Mother” (Mãe), de John Lennon, na trilha de um comercial da sua loja para o Dia das Mães.

A mãe do título da canção do ex-Beatle Lennon refere-se a uma mãe desnaturada: a próprio mãe do compositor, que o abandonou na infância. Ele começa dizendo “Mother, you had me/But I never had you/I wanted you/But you didn't want me”; o que, em tradução livre, quer dizer: “Mãe, você me teve/Mas eu nunca tive você/Eu te queria/Mas você nunca me quis”. Muita gente ouve e oferece música triste ou que fala de tragédias, faz críticas, como se fosse coisa romântica”.

Resumindo, entrega em domicílio virou delivery. Nas vitrines, a liquidação é anunciada como sale (venda). Nem o popular campeonato de futebol resistiu, e foi invadido por expressões como play-off e soccer. Se no dia-a-dia o uso de palavras em inglês é um hábito comum, no ambiente corporativo os estrangeirismos já podem ser considerados uma verdadeira epidemia. Quem nunca ficou em dúvida ao ouvir termos como target, start up, follow up, heavy user, prospect, branding, spread, empowerment, outsourcing, entre tantos outros que povoam o cotidiano das empresas e organizações?

Não é o caso de ser nacionalistas ou xenófobos, rejeitando contribuições da língua inglesa, mas é aconselhável avaliar se o uso exagerado dos estrangeirismos não está comprometendo a eficiência da comunicação. Tudo isso ampliado pelo uso dos computadores, que introduziram uma enorme série de idiotices no idioma, tais como colocar o algarismo zero à esquerda de números simples, (01, 03, 09 etc. e tal), escrever os dias da semana e os nomes dos meses com a inicial maiúscula, (Sábado, Segunda-Feira, Fevereiro, Setembro etc.).

Revisando material publicitário produzido por um cliente, há pouco tempo, surpreendi-me com o excesso de palavras em inglês. Eram tantas que questionei se o público-alvo conseguiria compreender corretamente a mensagem. Há casos que já viraram piada, como o diretor-executivo de uma empresa local que não conseguia pronunciar corretamente o cargo de Chief Executive Officer (CEO) impresso em seu cartão de visitas. Constrangido, pediu para reassumir a antiga função em bom português.

O fato é que, em alguns casos, o uso indiscriminado de termos estrangeiros pode atrapalhar a eficiência e a competitividade de uma organização. Será que ao colocar uma placa, identificando-se como drugstore, a farmácia está adotando uma estratégia de comunicação adequada à sua clientela? No mesmo caso encontram-se as lojas que substituem a entrega em domicílio pelo pedante delivery. Nos dois exemplos, a adoção do estrangeirismo em nada contribui para tornar a comunicação mais eficiente.

Por trás do uso excessivo de palavras em inglês esconde-se a falta de auto-estima dos brasileiros com a sua língua e sua cultura, como o dono da loja acredita que o sale confere status e um ar mais sofisticado à sua liquidação. A língua, desta forma, é usada mais para passar uma imagem elitizada do que para comunicar. Os estrangeirismos, nesse caso, apontam para a discriminação social, agravando-a ainda mais. A maior parte das pessoas não compreende a mensagem e fica à margem do processo de comunicação.

O uso excessivo de palavras estrangeiras, principalmente inglesas, no Brasil demonstra cabalmente que nunca houve no comportamento social e cultural do brasileiro tanto desperdício de mediocridade. A mediocridade não é uma coisa nova —os antigos também conheciam a mediocridade. Mas só hoje usamos delivery para oferecer entrega em domicílio; 50% off, para anunciar desconto; bike para falar de bicicleta; sale para designar liquidação. Gente assim —que, infelizmente, está se tornando a esmagadora maioria— é tão medíocre que nem do dia dos seus próprios funerais vai conseguir ser o centro das atrações.

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