sexta-feira, 18 de setembro de 2009

_Deixa pra amanhã

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Faz tempo que estou para escrever um texto sobre o comportamento procrastinador. Mas se há uma coisa que a gente não costuma adiar é o hábito de postergar, enrolar, deixar certas tarefas para o dia seguinte. Outro dia mesmo, ao pensar sobre o assunto, acabei tuitando uma frase que sintetiza bem essa história: "Procrastinação é como masturbação. No começo é bom, mas depois você percebe que só está fodendo a si mesmo".

Acho que é porque o cérebro humano, como bem se sabe, é dividido em várias regiões. Tudo o que você sabe, pensa, pensa que sabe, ou sabe que pensa, vai pra algum lugar. E o mais infeliz desses lugares é o que eu chamo
de "deixa pra depois" —ou central de procrastinação. Aquele trabalho que você tem que entregar; a conta para pagar no banco; coisas como os ovos no fogão, o recado que você mentiu pelo telefone que estava anotando, entre outros que a gente deixa pra depois porque acabou o comercial e esse episódio não dá pra perder um minuto. O cérebro não discrimina: vai tudo pra zona do "deixa pra depois".

Até aí, tudo bem. O problema é a localização dessa zona. Se o cérebro fosse um computador, o "deixa pra depois" ficaria provavelmente no c:/arquivos de programas/api/outros/sempre/bin/etc. Repare no api, que é uma dessas siglas que ninguém sabe o que significa. Na organização real do cérebro, eu diria que a famigerada zona fica ali perto dos conhecimentos de semiótica.

Uma repartição dessas seria melhor que não existisse. Porque se as coisas que deixamos pra depois ficassem espalhadas pelo cérebro, a gente poderia encontrá-las com ajuda da sorte com maior freqüência. Mas não. Ninguém tem coragem de clicar no api. Pode significar "aqui se perde a inteligência", "área proibida e instável" ou "ai que porra intraduzível" —nunca se sabe! E conhecimentos de semiótica são informações que ninguém acessa —nem os aficionados de semiótica.

A inacessibilidade do "deixa pra depois" atrapalha, e muito, as pessoas. Algumas mais que outras. O meu, por exemplo, fica ali junto dos conhecimentos de semiótica pós-moderna teórica e sem aplicação. No c:/arquivos de programas/API/outros/sempre/bin/etc/scripts/run/support/readme files. A evolução já devia ter acabado com isso. Todos os caminhos deviam levar ao "deixa pra depois". Acho que um bom lugar seria a zona erógena. Imagina só, você vê aquela vizinha abençoada por Deus e bonita por natureza indo à caminhar e pensa "putz, preciso ligar pro sac da GVT, comprar remédio contra radiação da máquina de radioterapia", fazer o trabalho metodologia científica da faculdade.

Mas meu cérebro não funciona assim. Acabo sempre procrastinando. E sou assim desde que me conheço por gente —desde criança me comporto assim e estou sempre prometendo a mim mesmo que vou mudar e pronto. Um dos motivos de haver me tornado jornalista é porque nessa área não tem burocracia, nada ode ser deixado pra amanhã —imagine-se você na hora do fechamento do jornal dizer "ah!, depois eu escrevo a matéria sobre o assassinato da viúva rica que será manchete amanhã".

Tenho centenas de textos (crônicas, artigos, contos, frases, pensamentos...) rascunhados, milhares de anotações, livros iniciados —pelo menos cinco. Por que não os finalizo e os publico duma vez?
Um pouco por causa do perfeccionismo antiprodutivo que faz com que eu nunca fique satisfeito com certos textos, outro pouco porque sempre tento dar o passo maior que a perna, um tanto por conta das atribuições mais urgentes do dia a dia; sem esquecer da parcela substancial de culpa a ser imputada à síndrome de dda (déficit de atenção) que faz com que eu me distraia acompanhando o Twitter ou navegando dispersamente pela rede, ocupando-me com afazeres geralmente mais prazerosos e/ou descompromissados.

E assim, cito versos do poema "Liberdade", de Fernando Pessoa: "Ai que prazer/não cumprir um dever./Ter um livro para ler/e não o fazer!". Ah, procrastinação, minha velha companheira que me torna displicente e pontualmente atrasado para quaisquer prazos que tenho de cumprir, pra quaisquer tarefas que tenho de realizar; o que fazer com você? Enquanto esse impasse permanece, sei que preciso produzir um bocado de coisas hoje. Mas amanhã eu dou um jeito.

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