quarta-feira, 29 de julho de 2009

_É tudo verdade... é tudo mentira

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Há alguns anos caiu-me às mãos o poema “A Implosão da Mentira” do poeta mineiro Afonso Romano de Sant´Anna. No texto, os versos mentem, mentem e de tanto/mentir tão bravamente/constróem um país de mentiras diariamente descrevem com surpreendente acuidade o Brasil de hoje. “A Implosão (...)” —cuja íntegra é reproduzida ao final deste texto—, foi publicado em muitos jornais em 1980 e, apesar dos quase trinta anos decorridos, face aos acontecimentos políticos que estamos assistindo nesses últimos tempos, permanece atualíssimo. Segundo Sant'Anna, o poema foi publicado também em várias antologias, “mas os leitores a toda hora pedem cópias”. Não é para menos, pelo que se está vendo hoje no governo e na política brasileiros. É tudo verdade... é tudo mentira.

Governar é fazer crer, famosa frase atribuída a Maquiavel, nos leva diretamente ao centro de um acirrado debate, sobre o que poderíamos denominar de Teoria da Mentira —que serve perfeitamente o que está acontecendo hoje no nosso País—, no sentido em que a mentira, como instrumento político, possui o seu próprio corpo de normas, possui sua própria estruturação e metodologia, já experimentada ao longo dos séculos, na arte de governar e, por extensão, na subversão dos governos e das instituições. Mentir é falar ou dizer algo contrário à verdade; é a expressão e manifestação contrária ao que alguém sabe, crê ou pensa. Pode-se crer na mentira, dizer a mentira e praticar a mentira.

O conhecimento da Teoria da Mentira é fundamental: ao estudioso o conhecimento do funcionamento da mentira, já que não podemos basear nenhuma estratégia em falsidades, em erros, em inverdades, pois então, esta estratégia estará, definitivamente, fadada ao fracasso. Pretender uma análise objetiva da política pressupõe que se dê valor a verdade... É preciso acreditar que vale a pena distinguir o verdadeiro do falso. É justamente, então, que entra a Teoria da Mentira: o objetivo da mentira é nos impedir de distinguir o verdadeiro do falso. É confundir, é iludir, é enganar e, assim, nos levar a tomar decisões erradas (para nós), mas que beneficiam quem criou e espalhou a mentira. Por isso, precisamos estar sempre duvidando.

William James, pensador norte-americano do século XIX já pregava a necessidade de a cidadania encorajar o que chamou de “desejo de duvidar“. Assim como a crença é um desejo de acreditar, dizia ele, é necessário, nas democracias, onde a conquista da opinião pública é que decide os destinos e o futuro da sociedade, que se cultive o desejo de duvidar. Ou seja: o ceticismo. Bertrand Russel dizia que “o que precisamos não é o desejo de acreditar, mas da vontade de descobrir, que é exatamente o contrario”.

A mentira foi objeto de um livro excepcional, o romance “1984”, de George Orwell, em que essa teoria está exposta de forma admirável no trabalho do personagem central —ironicamente funcionário do Ministério da Verdade—, que devia, diariamente, alterar os fatos do passado, eliminando fisicamente as provas e ajustar o presente, de acordo com novos fatos. O objetivo era controlar o futuro. Claro que de uma maneira totalmente fantasiosa e mentirosa. Dizia o big brother, o “grande irmão”, que quem controla o presente, controla o passado. E quem controla o passado controla o futuro. As informações (passado) são alteradas no presente, de forma a levar a uma conduta errada, mas com isto determinando o futuro que o emissor da mentira deseja que seja realizado.

A cada eleição os políticos voltam com suas promessas, agouros, augúrios, prenúncios, presságios, profecias, vaticínios... e promessas. As profecias —e suas ligações com a política— fazem parte da história da humanidade, muito mais do que a maioria das pessoas imagina. Há cerca de dois mil e quinhentos anos, na Grécia antiga, nenhuma decisão importante, desde o início ou término de uma guerra à compra ou venda de um terreno, passando pela escolha de uma esposa, era tomada sem uma consulta aos oráculos sibilinos.

A política, assim como a religião, se embasam em ensinamentos e profecias que constituem sua base, porém são a crença em profecias diversas que trazem a desunião. O mundo está dividido pelas crenças nas profecias. Desde sempre a humanidade deseja conhecer o futuro, e isso ocorria e ocorre através de métodos artificiais ou momentos inspirados, como sonhos, visões, aparições, vozes ou pensamentos.

E desde que alguém fez a primeira profecia —e, em última análise, uma promessa não passa de uma forma de profecia—, ainda na pré-história da humanidade, logo apareceu alguém para contestá-la: a história registra profecias falsas, fruto da falsidade humana, ou de interpretação incorreta de profecias, ou de outras razões. Eu, com base em meu estudo de centenas de livros, acrescido de uma visão e sonhos premonitórios que tive, decidi dar palpite no assunto e afirmo em sã consciência ser possível conhecer o futuro aproximado (ter uma idéia de como será) através do estudo das profecias da humanidade. Principalmente na área à qual mais dedico as minhas maltraçadas linhas, a política.

Como em todas as áreas, no campo das profecias, há bons e maus profetas, verdadeiros e falsos bruxos. Mas os maus, os falsos, parecem ser maioria hoje. Notadamente, quando a bruxaria se junta com a política. Não vá imaginar o gentil leitor que política nada tenha a ver com bruxaria ou feitiçaria, bruxedo, carochas, coisas-feitas, mandinga, mandraquice, pajelança, sortilégio ou qualquer outra prática dita esotérica, mágica ou mesmo esquisitinha. Não é por aí.

Na realidade, a política e a magia estão tão entrelaçadas que a arte da política muitas vezes foi classificada junto com a mágica, observa Harold Lasswell em “A Linguagem da Política”. Na obra, Lasswell cita um tratado sobre os sonhos escrito por Filo de Alexandria no primeiro século da Era Cristã, em que “a túnica de várias cores” de José é comparada à complexa trama dos assuntos políticos, em que se combinam “o menor grão possível de verdade” com toda sorte de falsidades mais ou menos plausíveis. Filo compara os políticos e estadista aos adivinhos, ventríloquos e magos, “homens acostumados à prestidigitação, às encantações e truques de todo tipo, de cujas artimanhas é muito difícil escapar”.

Doze séculos mais tarde, Moisés Maimônides fez idêntica associação em seu “Guia para os Perplexos”. Diz ele que em certos homens predomina a faculdade da imaginação, em detrimento da faculdade racional. “Daí surge a seita dos políticos, legisladores, adivinhos, magos, sonhadores... e prestidigitadores, que produzem maravilhas graças à estranha astúcia e às artes ocultas”. Isso tudo nos leva ao mito político. Todo o conjunto de crenças existentes em determinada época geralmente pode ser referido a algumas premissas fundamentais, as quais, naquele momento, quer sejam verdadeiras ou falsas, são universalmente aceitas como verdadeiras, e com tanta confiança que nem mesmo parecem manter seu caráter de premissas.

O mito político compõe-se destas premissas fundamentais sobre os assuntos políticos. Consiste ele dos símbolos invocados não apenas para explicar, mas também para justificar práticas específicas de poder. Não se deve, é claro, interpretar o termo mito como se necessariamente se imputasse caráter fictício, falso ou irracional aos símbolos, embora tal imputação seja muitas vezes correta.

Na verdade, mito —ou mentira— e política caminham juntos. Mas é bom que tenhamos na mente que a mentira é a mais-valia da credulidade, já que não se pode mentir se não houver um crédulo para ouvir e acreditar na mentira. Já ao cético ninguém mente, até porque ele não crê nem na verdade. E em política basta se ter condições de repetir muito uma mentira para que ele se torne a mais rigorosa das verdades.

O leitor deve se lembrar de que desde o primeiro governo Lula da Silva tudo tem sido muito difícil para a maioria esmagadora dos brasileiros. O Brasil se arrasta, desde 2003, na encalacrada da crise do modelo neoliberal. Salário arrochado, desemprego crescente, o fantasma da carestia, fome ampliada e exclusão social (ainda que esta tenha se reduzido) —problemas agravados pela crise econômica mundial. Todos os nossos grandes problemas sociais continuam e se agravaram. O abismo da desigualdade se tornou mais profundo, com seu corolário inevitável: a explosão da violência no limite do descontrole. Um quadro triste, desalentador.

A atual crise política demonstra que é a capacidade de mentir que caracteriza a maior parte dos políticos, e que se baseia a civilização moderna. Ela firma-se na mentira social, mentira religiosa, na mentira política, na mentira econômica, na mentira matrimonial etc.... A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático. Atualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático, governabilidade, políticas públicas; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos, toda a corrupção; como senso prático, todas as tolices e loucuras.

A mentira domina o mundo! Domina principalmente o Brasil! Quase todos os homens são súditos deste onipotente domínio. Derrubá-la do trono; arrancar-lhe das mãos o cetro ensangüentado, é a obra bendita que o povo, virgem de corpo e alma, precisa realizar dia a dia, todos os dias. Como diz Sant’Anna em seu poema “(...) e mentem de maneira tão pungente, que acho que mentem sinceramente”. Precisamos ser inteligentes e, hoje, ser inteligente é ser desconfiado, mesmo em relação a nós mesmos. Pense nisso tudo antes de votar nas próximas eleições: falta apenas 15 meses.

Um comentário:

Terceira Margem disse...

comecei a ler, gostei, pena que não deu pra terminar... quem sabe com mais tempo...