quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Fé demais, siso de menos


I belong to Jesus. Estava lá escrito na camiseta do jovem príncipe Ricardo Izecson dos Santos Leite, mais conhecido pelo codinome Kaká, 25 anos, o jogador de futebol brasileiro considerado o melhor do mundo pela Fifa, entidade que administra o futebol mundial, neste 2007 em seus estertores. Kaká, a camiseta e a frase em inglês estão estampados em jornais do Brasil e do resto do mundo, que mais uma vez se rende ao futebol brasileiro, porém hoje não tão grande quanto em tempos não tão remotos.

Ao vencer o Campeonato Mundial Interclubes pelo seu time, o italiano Milan, na semana passada, Kaká teve sua foto envergando a camiseta com a inscrição I belong to Jesus (eu pertenço a —ou sou propriedade de— Jesus em inglês) publicada na mídia de todo o mundo, principalmente do Japão, país sede do torneio, Itália, pais sede do Milan, e Brasil, país de origem do jogador. Esta não é a primeira vez que Kaká usa sua fama de futebolista para fazer proselitismo religioso. Basta ele ter uma de suas grandes conquistas esportivas para surgir sorridente com sua indefectível camiseta.

Como se sabe, Kaká é evangélico e faz parte da farândola Atletas da Cristo. E é adepto e paladino da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, seita evangélica de linha neopentecostal comandada pela bispa Sônia Hernandes, famigerada por seus bordões (do tipo "Jesus é uma coisa quentinha, fofinha") e seus problemas com a Justiça no Brasil e nos EUA, juntamente com o marido, Estevam Hernandes, o grande apóstolo daquele culto.

Detido nos EUA desde 2006, o casal Estevam Hernandes Filho e Sônia Haddad Moraes Hernandes, fundadores da igreja, deixou a prisão nos Estados Unidos, mas continua sendo vigiado pela polícia norte-americana. O juiz que autorizou a saída deles da prisão em que estavam nos EUA obrigou o casal a usar uma tornozeleira eletrônica. Dessa forma, a polícia consegue monitorar todos os passos da dupla enquanto eles estiverem respondendo processo nos Estados Unidos. Com isso, Sônia e Estevam Hernandes são monitorados pela polícia 24 horas por dia. Aqui no Brasil eles são acusados de estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Gente da melhor qualidade como se vê.

Na época, segundo o colunista Ancelmo Gois, do jornal "O Globo", Kaká chegou a fazer uma espécie de greve de fome —jejuando conforme seus parentes e amigos— como forma de protesto pela prisão dos líderes da Igreja Renascer, da qual o brasileiro é devoto. De acordo com a nota, o jogador do Milan, realizava jejuns para padecer junto com a bispa Sônia e o marido, o apóstolo Estevam. Kaká nega o jejum, claro.

Kaká não nega sua profissão religiosa. Ao contrário: recentemente, ele disse que em função de sua fé casou virgem com Caroline, sua mulher. "Sou um jovem normal com valores fortes. Sou religioso, seguindo a confissão evangélica, e tento viver seguindo os preceitos da Bíblia", afirmou. E tem mais: "Optamos por chegar castos ao casamento. A Bíblia ensina que o amor verdadeiro é alcançado apenas com o casamento, um laço de sangue no qual a mulher perde a virgindade. Para nós, a primeira noite foi magnífica", comemorou o jogador.

Kaká declarou à edição italiana da revista "Vanity Fair" que leva uma vida regrada dentro dos preceitos da Bíblia e que por isso chegou virgem ao casamento. Melhor falasse de futebol. Futebolista falando de Bíblia soa como o presidente Lula da Silva falando de gramática ou literatura ou o senador Renan Calheiros falando de ética.

Quem conhece sabe que a Bíblia é um livro escrito há mais dezenas de séculos por machos do deserto, que nunca tiveram maiores considerações por mulheres. Na Bíblia, a mulher deve ser virgem. Se não for, pode ser apedrejada até a morte. Não há passagem na obra que prescreva a virgindade para o varão. Se Kaká pensa que a Bíblia lhe exige virgindade, caiu no conto do vigário e perdeu momentos de grande prazer. Além disso, se fosse seguir estritamente as prescrições bíblicas, caso Caroline não fosse realmente virgem, teria de entregá-la aos milaneses para que a apedrejassem.

Kaká, usa sua imagem de moço bem sucedido para influenciar outros jovens a aderirem ao seu estilo bom-moço religioso. Mas nem tudo no seu comportamento é tão impoluto assim. Apesar de todo o seu lado religioso e bom-mocista, ele vem a cada dia se firmando como ícone gay. O jogador é constantemente chamado pela mídia de sporno, acrônimo formado a partir das palavras inglesas sport (esporte) e pornô (redução de pornográfico), termo criado pelo mesmo autor da nomenclatura metrossexual, e que designa esportistas com potencial para serem astros pornográficos.

Mark Simpson, o jornalista e marqueteiro que inventou a metrossexualidade, criou este novo conceito estético: sporno, que descreve como pornografia homossexual inspirada no desporto. O sporno nasceu da combinação do mundo do desporto com o mundo da publicidade. Os novos modelos são desportistas conscientes do potencial que têm no mundo gay e dispostos a venderem o corpo como objeto sexual.

Simpson diz que Sportsmen on this side of the Atlantic are increasingly openly acknowledging and flirting with their gay fans (desportistas deste lado do Atlântico estão cada vez mais abertamente reconhecendo e flertando com os seus fãs gays). Os grandes spornos são David Beckman e Fredrik Ljungberg (que Simpson descreve como the man who actually looks the way Beckham thinks he looks [o homem que é exatamente o que Beckham pensa que é]).

Mas Kaká é o terceiro da fila. Estrela ascendente do sporno, o brasileiro mostra seu encanto gay em recente campanha publicitária da Emporio Armani, griffe italiana com quem mantém contrato há cerca de dois anos. Ele aparece nas fotos, todas em preto-e-branco, com um agasalho aberto e bermudão, mostrando os peitorais num gestual extremamente agressivo. Em outra imagem, só um close da sua caraça mostrando um relógio da grife italiana. Gays de todos os idiomas e credos se deliciam ao ver as fotos do atleta.

Nada contra a religiosidade e nem contra as preferências sexuais do jogador do Milan. Sou, no fim das contas, um adepto do laissez-faire. Mas certamente não pega bem ele sair por aí vendendo aos jovens a imagem de prosélito de uma seita cujos líderes estão às voltas com a Justiça por terem praticado as mais diversas formas de falcatrua. Como não pega bem vender seu corpo como objeto sexual. Há em Kaká fé demais e siso de menos.

Kaká é um jogador de futebol bem razoável. Diz Pelé (e eu concordo), o Rei do Futebol, que "eleito o melhor jogador do mundo em 2007, Kaká teria lugar na seleção brasileira de 1970, mas teria de brigar por uma vaga no time titular". Mas em qualquer seleção, em qualquer época? Em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo, Tostão, companheiro de Pelé em 1970, não concorda e escreveu que Kaká seria craque em qualquer geração. Eu já penso que falta muito pra ele ser um gênio do futebol —até porque sou de uma geração que viu gente como Garrincha, Pelé, Didi, Nilton Santos, Rivelino, Sócrates e tantos outros nos campos de futebol. Só.

Particularmente penso que ele deveria limitar-se à atividade de jogador futebol. Como prosélito religioso ele apenas prova que um homem não se torna melhor só porque pertence a Cristo. Ele apenas demonstra, eloqüentemente, que roupas e objetos de griffe, luxo e agressividade não as novas espécies de fé do mundo moderno. Ainda bem que as práticas religiosas são inteiramente inúteis para os infiéis —que, afinal, são maioria.

Campo Grande MS, quinta-feira, 20 de dezembro/2007

4 comentários:

Anônimo disse...

O Kaká é um moço bonitinho, mas não passa disso. E tem mesmo um jeitinho gay. Não tem moral pra vender sua seita para os jovens.

Anônimo disse...

Na verdade ele é bem o produto daquela igreja....por fora bela viola, por dentro pao bolorento.
quem nao se lembra do kakavalinho que era aki no sao paulo, sempre tá dando um pontapé a mais nos zagueiros, chorão e mercenário.
e se acredita mesmo que ele não sabe que os Apostolos Picaretas sao uns estelionatários de marca maior? e se faz greve de fome e defende esses vigários ele peca mais ainda por ser conivente com este que é o pior dos crimes, que é tomar dinheiro dos tontos em nome de jesus... Sabe que isso nao entra na minha cabeça...

Anônimo disse...

Vocês deveriam parar de julgar e olhar mais para o que vocês fazem com suas vidas! Se ele errou no passado já foi perdoado e por isso mudou, e se sua mulher se casou virgem ou não, o próprio Jesus disse: Quem nunca pecou que atire a primeira pedra! Vocês se acham mesmo no direito de atirar pedras? Pensem no que fazem com suas próprias vidas e parem de julgar os outros! O Kaká só está tentando ser a melhor pessoa que consegue e vocês criticando! Critiquem a si próprios e sigam vocês o que diz a Bíblia para ver como não se é tão fácil assim! Isso requer muito de você e uma mudança que Deus faz em suas vidas! E não pagar de bom moço que deve ser no que ele menos se preocupa, 'o que os outros pensam'!

Luca Maribondo disse...

Eu deveria responder o comentário acima do "Anônimo", mas vou deixar pra lá. Penso que os caras que escrever cartas anônimas não se preocupam em escrever direito e certo, pelo próprio fato de pretenderem se manter escondidos. O resultado é que, ao serem descobertos, os autores de cartas anônimas não são considerados apenas canalhas também também ignorantes.