sábado, 13 de maio de 2006

E ainda não comi ninguém

“Um povo ignorante é instrumento cego da sua própria destruição”.
Simon Bolívar


“Não disse que a Petrobras sonega imposto e é contrabandista", a frase do presidente da Bolívia Evo Morales, expressa na sexta-feira (12/maio) desdiz o que ele havia dito no dia anterior, quando acusou a empresa estatal (quase) brasileira de contrabando, sonegação de impostos e de agir ilegalmente em seu país. Isso tudo aconteceu em Viena, capital da Áustria, onde líderes do mundo estão reunidos para tentar melhorar este nosso sofrido mundo, mas sem nunca terem êxito.

Morales negou ter afirmado que a estatal brasileira é “sonegadora de impostos e contrabandista” na Bolívia. “Eu disse que vamos investigar se as empresas petroleiras pagam ou não pagam imposto, se fazem contrabando ou não. Isso está sujeito a investigação. Eu disse que há denúncias contra algumas empresas, não falei da Petrobras”. E disse ainda que “não está expulsando" a brasileira Petrobras ou a espanhola Repsol da Bolívia. “Queremos ela como sócia, para que isso nos permita investir, resolver com os recursos naturais os problemas econômicos e sociais de meu país”, afirmou.

Morales —como é costume dos lideres políticos pos estas bandas— culpou a imprensa, que, segundo ele, deseja criar uma crise entre ele e o presidente Lula da Silva. “Se alguns meios de comunicação com terceiras intenções querem confrontar-nos, querem me colocar contra o companheiro Lula, isso não vai acontecer”, desafiou. “Temos muitas coincidências com o companheiro Lula, um dirigente sindical, agora presidente, que respeito e admiro muito”. (...) lamento muito se alguns meios de comunicação disseram que a Petrobras é contrabandista”, acrescentou.

Mas quem é esse Evo Morales, afinal de contas? Como ele está conseguindo criar todo essa balbúrdia política e deixando a mídia, principalmente a brasileira, na maior bananosa? Com seu comportamento errático, difícil responder. Aliás, com essa lambança toda, está é muito difícil analisar a situação de maneira global. A maioria dos analistas está especulando, dando pitaco, até porque estamos diante de um bando de “líderes” que não tem a menor idéia do que está falando ou fazendo.

Nunca ligamos mesmo para a Bolívia e para os bolivianos —nós (inclusive os sul-mato-grossenses, vizinhos de fronteira dos bolivianos) os tratamos como se fossem um sub-povo. Mas é possível clarear alguns pontos, colocar pingos nos is em conceitos e fatos que estão ganhando arrabaldes nebulosos, graças à incapacidade da mídia de lidar com o assunto, até porque desconhecem quase que totalmente a América do Sul. Só pra exemplificar: os jornais e emissoras de televisão brasileiros não mantêm correspondentes regulares nas capitais latino-americanas, à exceção de Buenos Aires.

Alguns pontos a serem esclarecidos a respeito do presidente boliviano: Evo Morales não mandou ocupar coisa alguma —dominar um espaço livre é que é ocupar. Morales mandou o Exército boliviano invadir. A Petrobras e as outras empresas petrolíferas e de gás foram invadidas. Ponto final.

Negociação: desde o início, Evo Morales e seus ministros fizeram de conta que estavam pretendendo renegociar contratos existentes. Nada, porém, foi negociado. Nesse faz-de-conta foram ajudados pelo diletantismo econômico e diplomático do presidente Lula da Silva e seus ministros, dizendo o tempo todo que as conversas com Morales estavam indo bem, que os “povos irmãos” da Bolívia e do Brasil caminhavam para o entendimento. O boliviano, enquanto isso, fazia de conta que negociava, mas preparava a invasão anunciada das refinarias e dos campos de gás e petróleo. Há alguns dias, por exemplo, argentinos e bolivianos se reuniram para “renegociar” os preços de contratos que vencem no fim do ano. Alguém bancou o palerma.

Nacionalização, outro mito. O decreto de Morales não nacionalizou coisa alguma. Queiram ou não Evo Morales, Lula da Silva ou Hugo Chávez, os recursos naturais estavam tão nacionalizados na Bolívia quanto estão no Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Alemanha ou EUA. A Constituição desses e da maioria dos outros países do planeta diz que os recursos naturais pertencem ao Estado, estão nacionalizados. E, em última análise, pertencem ao povo dessas nações. Dizem as Constituições, também, que o Estado, por meio de concessões legais, autoriza a exploração desses bens. Quando o governo Morales se referia a “nacionalização”, era evidente que procurava desviar o foco da discussão. Nunca foi isso que esteve em pauta.

Falar em nacionalização era conversa pra boi dormir. O que o governo boliviano fez foi estatizar os campos de petróleo e gás e desapropriar os investimentos. O decreto do presidente boliviano não diz nem como nem quando é que seu governo indenizará as empresas pela parte mordida. Afinal, com que dinheiro a Bolívia vai indenizar uma empresa responsável por cerca de 15% do pib do país? O governo Morales mentiu ao fazer de conta que estava a renegociar contratos e mentiu ao dizer que a “política de nacionalização” seria tratada em um decreto que, na prática, não faria mais do que regulamentar a nova Lei dos Hidrocarbonetos aprovada ainda no governo de Carlos Mesa, seu antecessor.

Em qualquer relacionamento entre países minimamente civilizados, medidas de estatização e expropriação como as que foram adotadas pelo governo Morales seria precedida de um contato soberano e diplomático para um aviso prévio aos países com quem a nação se relaciona economicamente. No caso brasileiro, Morales não só escondeu a medida como fez questão de anunciá-la durante visita a um campo de gás explorado pela Petrobras, em San Alberto.

As relações presidenciais sul-americanas viraram um arranca-rabo. A diplomacia presidencial de palanque praticada por Lula da Silva corrompeu a tradição profissional brasileira no trato das relações externas. Lula da Silva e Néstor Kirchner, seu colega argentino, foram surpreendidos —não pelas atitudes, mas pelo momento—, mas Hugo Chávez e Fidel Castro sabiam bem o que o companheiro Evo Morales estavam aprontando. Alguém tem alguma dúvida?

Resumo da ópera: a semana passada —e as anteriores— foi uma semana desastrosa para a diplomacia brasileira. O Brasil pareceu derrotado e submisso. Evo Morales se fortaleceu, e Hugo Chávez cantou vitória. Néstor Kirchner disse que o importante é o suprimento. O Brasil foi o maior derrotado. A informação que os eventos recentes passam é que tudo pode acontecer: todos os direitos das empresas desrespeitados, todos os contratos rasgados, porque o presidente do Brasil se solidariza e ajuda o país que agrediu. Há muita coisa que podia ser feita, de forma pacífica e diplomática.

Primeiro: agir preventivamente. Evo Morales abriu pra todo mundo que iria fazer o que fez. Mas Lula da Silva e seus ministros não acreditaram. Deveriam ter tentado argumentar sobre os riscos desse caminho. Segundo: depois que tropas bolivianas invadiram as instalações da Petrobras e que os contratos foram rasgados, o Brasil deveria que ter manifestado seu desagrado —nem que fosse com uma simples nota de repúdio. Terceiro: não podia ter participado de uma reunião como a da semana passada. Se o fizesse, não poderia ter convidado Hugo Chávez. Se convidasse, não poderia ter deixado Chávez falando mais que todos e com a última palavra. Mais uma vez estavam lá os mandatários brasileiros fazendo papel de bobos.

Claro que a Bolívia é dona de suas riquezas (dona de seu nariz, diria o presidente Lula da Silva) e pode mudar suas leis quando bem entende, mas todos os países devem respeito ao direito internacional. Portanto, cada país tem limite até dentro do seu próprio território. O que houve não foi um pedido de aumento de preços —se fosse isso, bastava propor uma negociação. A Bolívia cometeu um ato hostil antes de conversar. E, pelo que Lula da Silva tem dito, vai ser recompensada por isso. Morales foi até convidado pelo presidente Silva para jogar futebol no Brasil —provavelmente num dos macanudos churrascos da Granja do Torto. Não duvide você de que Morales possa dizer algo do tipo “bola é minha e eu não quero mais brincar”. E saia batendo os pés, com a bola debaixo do braço, deixando os boleiros a ver navios.

Agora, Lula da Silva está como o Dinho, dos Mamonas Assassinas, de saudosa memória, na canção “Vira-Vira”: “roda-roda vira, solta a roda e vem/me passaram a mão na bunda e, neste raio de suruba, ainda não comi ninguém”. Nosso Guia entrou com tudo na festa, mas foi papado. E as coisas vão mal no sub-continente. Como vão mal no Brasil. Se Lula da Silva imaginou que um dia seria o grande comandante do das plagas sul-americanas, lascou-se. Tudo conversa mole. E nós, brasileiros, argentinos, bolivianos, venezuelanos, peruanos, chilenos e outros estamos lascados, perdidos entre populistas malucos, políticos boquirrotos e autoritários, e uma enorme leva de corruptos.

luca.maribondo@terra.com.br
www.campogrande.news.com.br/lucamaribondo

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