domingo, 8 de abril de 2018

Messias à brasileira

Aprendi o neologismo qualquerismo enquanto ideologia política ainda na década de 1970. Na definição do cientista social José de Souza Martins, em seu livro "Do PT das Lutas Sociais ao PT do Poder", o qualquerismo é um fenômeno que entre nós parece esboçar-se com a crise política do Partido dos Trabalhadores e o esgotamento da polarização ideológica por ele representada e preconizada, como se viu a partir dos movimentos de rua iniciados em 2013.
"Num certo sentido, se assemelha ao movimento do 'qualunquismo', que nasceu na Itália, em 1944, após a queda do fascismo, com o jornal L'Uomo Qualunque, entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista. Era expressão da saturação do homem comum e cotidiano, o da maioria silenciosa, da pequena burguesia e de uma parte da burguesia, com as polarizações ideológicas do momento e expressão de um certo afã de viver o agora.
"Foi fundado pelo jornalista e dramaturgo Guglielmo Giannini e convertido em partido político, em 1946, em prol da revolução qualquerista. Declinou em 1948 (...)"
Simplificando, Qualquerismo —ou Qualunquismo— define atitudes e comportamentos políticos muito difundidos em países ocidentais que tem como substrato comum a exaltação do indivíduo e do seu trabalho, a defesa da família e da propriedade e a promoção da ordem e da lei. No seu conceito, o papel dos partidos e qualquer atitude de dissenso quanto ao sistema são considerados por estes movimentos como fenômenos que, provocados por minorias agressivas e não representativas, perturbam a ordem e a convivência social, que é a vontade da maioria —daí o surgimento extemporâneo da violência. As mais importantes encarnações do Qualunquismo se verificaram na Itália e na França, mas se encontram exemplos dele também nos Estados Unidos, no Brasil e na Dinamarca.
Como foi dito acima, o movimento que deu origem ao termo surgiu por conta do semanário "L'uomo qualunque", fundado em Roma por Guglielmo Giannini. A mais completa exposição de seus vagos princípios pode ser encontrada num livro do próprio Giannini, "La Folla" (a multidão), (de 1946). Explorando uma ampla camada de opinião pública chamada maioria silenciosa, formada de burgueses e despolitizada, e que logo após a guerra não tinha nenhum partido político que representasse seus interesses, Giannini logrou fazer eleger 36 parlamentari para a Constituinte (2 de junho de 1946). Outros grandes êxitos obteve semanas depois, nas eleições municipais de Roma e, em seguida, em abril de 1947, nas eleições regionais da Sicília, ilha ao sul da Itália.
A reorganização do partido fascista com a denominação de Movimento Social Italiano, a penetração da Democracia Cristã no eleitorado moderado, graças à sua propaganda anticomunista, ao aumento da presença do partido monárquico e à incapacidade natural da Fronte dell'uomo qualunque (Frente do homem comum), para organizar-se e estruturar-se, devido à sua base social tipicamente refratária a qualquer tipo de participação constante, todos estes fatores provocaram sua rápida decadência.
Na França, o Qualunquismo se apresentou sob as aparências de um fenômeno coletivo dos pequenos comerciantes e artesãos contra a política fiscal do Governo. Os temas principais, além da exigência da redução dos impostos contra o Estado "vampiro", eram a luta contra a corrupção pública e a imoralidade privada. Nos Estados Unidos, o Qualunquismo assumiu a forma de maioria silenciosa.
No Brasil, o fenômeno do Qualunquismo se manifesta com maior virulência nos Estados onde existem partidos de direita organizados, que se tornam portadores das exigências destas maiorias silenciosas. Vê-se então quão tênue é a distinção entre o Qualunquismo e o fascismo e quão urgente é um aprofundamento do problema das atitudes sócio-políticas das chamadas classes médias. Sua principal liderança surgiu no final da década de 1970 na figura de Luiz Inácio Lula da Silva, que no início do século 21 se tornaria presidente da República.


O professor Martins, citado no início deste texto, fornece uma breve definição do ex-presidente agora preso: "Muito antes de Lula da Silva ser quem é e de saber quem seria, a movimentação da Igreja Católica na região operária do ABC, em São Paulo, cujo bispo era dom Jorge Marcos de Oliveira, já projetava e construía o perfil de uma possível liderança sindical e até política de esquerda, anticomunista, baseada na grande tradição conservadora e nos pressupostos críticos e progressistas do personalismo do pensador católico francês Emmanuel Mounier, O dedo do destino ali traçado apontava na direção de um menino da Vila Carioca, que não sabia ser o escolhido. Nesse acaso, Lula já o era antes mesmo de o ser". 
Qualquerismo é, portanto, a definição política do homem comum, isto é, a sua participação na vida política da sua cidade, seu estado, seu país. Porém, nunca é aprofundada nem perene. Em geral segue um ciclo baseado no messianismo, que consiste na crença em um líder ou guia capaz de reorganizar e restabelecer a ordem política, econômica e social que os mitos locais descrevem como originais.
Lula da Silva é um eloquente exemplo desse messianismo. Usou muitas demandas do brasileiro, notadamente o mais carente, para tornar-se o grande guia do povo. Tornou-se um líder político insofismável e elegeu-se parlamentar e presidente da República por duas vezes, além de colocar em seu lugar uma de suas seguidoras mais fanáticas, Dilma Rousseff, que acaba acabou sendo derrubada por aquilo que os seus asseclas denominam de golpe político.
Venerado, Lula da Silva deixou subir à cabeça um forte complexo de potestade e acabou cometendo erros que o levaram a ter o mesmo comportamento autocrático e cleptocrático de grande parte de seus antecessores e buscou obstinadamente o poder nacional, o poder internacional e a riqueza, o que acabou levando-o ao xilindró.

Lula da Silva se diz injustiçado —quando está do nosso lado, a Justiça é justa. Quando está contra nós, a Justiça é injusta, é o pensamento lulopetista —claro, né?!. Mas isso, só Javé sabe. Mas o fato é que está na cadeia, condenado pela Justiça brasileira. Sem os holofotes da política e dos meios de comunicação de massa, logo deverá ser esquecido, pois o homem comum é volúvel e frívolo e logo ungirá um novo messias à brasileira.


Luca Maribondo | lucamaribondo@gmail.com| Campo Grande | MS | Brasil

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