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No 146º dia deste ano as pessoas sentiram surpresas com a defesa
do ex-governador André Puccinelli, feita por grande número de pessoas nas redes
socais, inclusive jornalistas. Alguns textos são rigorosamente apaixonados,
como que redigido por áulicos. Como se sabe, o médico e ex-governador foi
detido há alguns dias pelas autoridades policiais sob a acusação de corrupção.
Cognominado Coronel da
Toscana, por conta da região italiana em que nasceu e do seu estilo capo de governar, Puccinelli obviamente
afirma que tudo é mentira dos seus muitos desafetos. Seu antecessor Zeca do PT,
eg, afirma —em artigo publicado em fevereiro/15— que “até o momento, três ‘legados’
de André Puccinelli consumiram quase R$ 450 milhões: a verdadeira farra da
publicidade (R$ 130 milhões), o faraônico Aquário do Pantanal (R$ 240 milhões)
e o desfalque dos consignados (R$ 50 milhões). Para que tenhamos uma noção da
magnitude desses valores, o mesmo corresponde a um mês de toda a arrecadação
estadual de ICMS”.
Parece não haver provas de que o dr. Puccinelli é corrupto de
fato, mas o sr. Zeca do PT afirma, como se leu acima, que sim. O petista,
porém, lamenta a decisão da Justiça de colocar uma tornozeleira eletrônica no
peemedebista, dispositivo usado comumente por prisioneiros que cumprem prisão
domiciliar ou que estão no regime semi-aberto. “Não tenho razão —diz Zeca— para
comemorar esse tipo de coisa. Eu faço luta política, não pessoal”*. Apesar do
dispositivo no doutor,
Zeca ainda acha que ele é candidato forte para as eleições de
2018 —e o comparou, em prestígio, à figura do ex-presidente Lula da Silva.
É possível que muitos dos que defendem o ex-governador e outros
políticos sejam favoráveis à corrupção, principalmente aqueles que apoiam o
preceito do “rouba mas faz”. Isso pode parecer absurdo, mas há muita gente que
aprova a corrupção sem ressalvas. Há inclusive analistas políticos sustentam
que a corrupção pode desempenhar um papel útil nos países em desenvolvimento.
Parece cínico —e é—, mas é real.
Este argumento possui um cinismo latente valor de choque que se
iguala ao de que o nível ótimo da corrupção não é zero. Mais: não se trata
apenas de que combater a corrupção pode ser tão caro a ponto de não valer a
pena, mas que a corrupção propriamente dita pode criar benefícios econômicos,
políticos ou administrativos.
Em seu livro “A Corrupção Sob Controle”, o economista
norte-americano Robert Klitgaard, um especialista internacional em corrupção,
demonstra que é possível mostrar três
categorias de argumentos no sentido da corrupção poder, ocasionalmente, ser
benéfica do ponto de vista social. Pode-se imaginar um argumento do economista,
argumento do cientista político e argumento do gestor.
Eis o
argumento do economista: os pagamentos por corrupção introduzem um tipo de mecanismo
de mercado. Em um sistema em que bens e serviços são alocados por filas,
política, seleção aleatória ou "mérito", a corrupção pode, em vez
disso, alocar os bens segundo a disposição e a capacidade de pagar. A
corrupção, por conseguinte, pode colocar bens e serviços nas mãos das pessoas
que mais os valorizam, que os podem usar de modo mais eficaz. Em certo sentido,
portanto, depois do ato de corrupção esses bens e serviços são distribuídos de
modo mais "eficiente" na acepção econômica.
O professor
de economia comercial Nathaniel Leff assim resume essa questão: “a corrupção
pode introduzir um elemento de competição no que, do contrário, seria um
negócio comodamente monopolista (...). Ao mesmo tempo a propensão para o
investimento e a inovação econômica pode ser maior fora do governo do que
dentro dele (...). Como o pagamento dos mais altos subornos é um dos principais
critérios de alocação, a capacidade de aumentar a receita, seja tirando das
reservas ou das operações correntes, é incentivada. A longo prazo, ambas as
fontes dependem fortemente da eficiência na produção. Daí uma tendência para
que a concorrência e a eficiência sejam traduzidas no sistema.
Já o
argumento do cientista político tem este sentido: pagamentos, nomeações e
políticas motivadas pela corrupção podem trazer benefícios políticos. Os
políticos podem utilizar a corrupção para favorecer a integração de várias
comunidades, tribos, estamentos, regiões ou partidos, o que, por sua vez, pode
levar à harmonia política em face da fragmentação da autoridade, da desunião e
da hostilidade. Analiticamente, pode-se classificar certos gêneros de corrupção
ao lado de acordos do tipo “ajuda teu
irmão que ele te ajudará ou é
dando que se recebe” e quotas preferenciais para diferentes regiões, grupos
étnicos ou partidos. Embora tais artifícios em geral distribuam benefícios
públicos de formas que, estritamente falando, se opõem à alocação por
"mérito " ou "beneficio social máximo", elas podem
acarretar benefícios políticos. Bem diferentes dos evidentes benefícios para o
político politicamente corrupto, pois a sociedade como um todo pode ficar
“melhor" devido à corrupção.
Cientistas
políticos às vezes citam a experiência dos Estados Unidos, onde a corrupção
auxiliou as "máquinas políticas" das cidades a fornecerem não apenas
o voto, mas também os serviços públicos, e onde essa corrupção foi afinal
suplantada pelo "bom governo". O surto de corrupção nos países em
desenvolvimento, hipoteticamente, pode ter benefícios semelhantes e um
prognóstico analogamente benigno. A corrupção por vezes é encarada como um
mecanismo de "participação política” e influencia, particularmente
minorias étnicas e empresas estrangeiras: "na maior parte dos países
subdesenvolvidos, os grupos de interesse são fracos e os partidos políticos
raramente permitem a participação de elementos alheios às facções rivais.
Em
consequência, o suborno pode ser a única instituição que permite a outros
interesses conseguir articular e ter representação no processo político. Daí, a
despeito dos aparentes custos sociais, a corrupção poder trazer importantes
benefícios políticos.
Finalmente,
o argumento do gestor: a corrupção pode ter utilidades dentro de uma
organização. Se as regras burocráticas a estão constrangendo, a organização
pode às vezes beneficiar-se do desdobramento corrupto das regras pelos
empregados. Uma dose limitada de roubos, desfalques, falsos relatórios de
gastos, devoluções, "taxas de urgência”, e assim por diante, pode ser
tacitamente admitida pela administração superior, pois controlar essas
atividades ilícitas podem ser, a longo prazo, um sucedâneo para salários mais
elevados. Um fundo tipo "caixinha" talvez funcione em uma organização
como um fundo de despesas eventuais que a administração superior possa alocar,
de modo flexível, mas ilícito, para favorecer os objetivos da própria
organização.
Esses três "argumentos" têm alguns aspectos em comum.
Primeiro, referem-se aos benefícios decorrentes de determinados atos de
corrupção, não da corrupção sistemática embutida em muitas ou na maioria das
decisões. Em segundo lugar, os supostos benefícios dependem da hipótese de que
a corrupção transgride uma orientação econômica errada ou ineficiente, supera
as limitações de um sistema político imperfeito ou contorna as deficiências das
regras organizacionais. Em suma, se o sistema vigente é ruim, então a corrupção
pode ser benéfica. Nossa equação anterior entre o interesse do outorgante e o
interesse público pode ser, infelizmente, demasiadamente otimista.
Segundo o já mencionado Leff assinalou, “a crítica da corrupção
burocrática muitas vezes parece ter em vista uma situação em que o governo e a
administração pública estão trabalhando ativa e inteligentemente para promover
o desenvolvimento econômico, só para serem frustrados pelos esforços dos
concussionários. Uma vez que se discuta a validade dessa interpretação, os efeitos
da corrupção também têm ser reavaliados. Tal é o caso quando o governo consiste
em uma elite tradicional indiferente, senão hostil, ao desenvolvimento, ou em
um grupo revolucionário de intelectuais e políticos primordialmente
interessados em seus próprios objetivos.
Nas palavras do cientista político Samuel Huntington: "Em
função do crescimento econômico, a única coisa pior que uma sociedade com uma
burocracia rígida, ultracentralizada e desonesta é aquela com uma burocracia
rígida, ultracentralizada e honesta.
Evidentemente, as políticas e normas contornadas pela corrupção
nem sempre são míopes e extraviadas. A interferência e os controles econômicos
deplorados pelos economistas podem ser implementados por motivos de eficiência
econômica. Os governos com frequência (embora nem sempre) intervêm na economia
exatamente em circunstâncias em que os mercados não são confiáveis para
distribuir bens e serviços devido a exterioridades, indivisibilidades, bens
coletivos e outras falhas do mercado.
Em casos assim, a corrupção talvez simplesmente reintroduza as
deficiências do mercado, prejudicando a economia. Conclusão análoga aplica-se à
transgressão corrupta de mecanismos políticos ou normas organizacionais
aceitas. O resultado pode ser nocivo à estabilidade e à integração políticas,
bem como à eficiência da organização.
A corrupção pode ajudar por um lado e prejudicar por outros.
Contornar regras públicas por meio da corrupção, por exemplo, pode conduzir a
um tipo de eficiência econômica, mas à custa dos outros objetivos visados pelas
regras em primeiro lugar. Afirmações genéricas sobre a utilidade ou nocividade
da "corrupção" não ajudam a avaliar os efeitos de casos particulares
com os quais se possa deparar. Por outro lado, dado o predomínio, na cúpula
política do Brasil, de apologistas da corrupção, talvez seja melhor assumir que
o país é um cleptocracia empedernida. Ou uma pulhocracia desvairada.
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