quarta-feira, 15 de março de 2017

Bravo, senhor monstro

[Bastaram apenas duas semanas e o futebol perdoou Bruno Fernandes, jogador de futebol que assassinou a namorada Eliza Samudio —e foi condenado por seu ato. Apesar da condenação por assassinato, o cavalheiro em questão recebeu nove propostas de trabalho de inúmeros clubes de futebol brasileiro. Assinou contrato de dois anos com o Boa Esporte, da cidade de Varginha, no sul de Minas Gerais. Um jornalista logo depois perguntou: “você torceria por um criminoso?”
Num bar de Varginha que atende pelo singelo nome de “Pinga com Torresmo” o acordo foi firmado. Bruno foi tratado como celebridade em Varginha;  o Boa Esporte virou assunto no Brasil inteiro. Os e as fãs logo souberam do encontro e passaram a correm atrás da celebridade sanguinolenta.
Muita gente fala em reabilitação e defende o ex-flamenguista assassino Bruno, que sempre alegou inocência, mas nunca lamentou a morte de Elisa, nunca lamentou pela criança que ficou sem mãe, nem lamentou pelo sofrimento de sua família. Nem nunca pediu perdão. Bruno pensa participou de algo corriqueiro e que ficar preso não muda nada. A tradução é a seguinte: o crime compensa. E compensa com a conivência da justiça. Porque se a justiça fosse séria ele ficaria trancafiado durante 22 anos.
Me perdoe oleitor por retornar a este assunto desagradável, mas isso tudo me veio à mente na manhã deste idos de março, uma quarta-feira, quando vi a primeira página de uma folha local, o jornal O Estado do MS, que exibe uma foto de crianças pedindo autógrafos ao atleta mineiro. Lembrei-me também de “O Manual da Barbárie”, ensaio do historiador britânico Eric Hobsbawm, que é a transcrição de sua conferência sobre anistia proferida no Sheldonian Theatre, em Oxford, em 1994.
No livro Sobre História, onde li o ensaio, Hobsbawm diz que “intitulei minha palestra como ‘Barbárie: manual do usuário’ não porque deseje apresentar instruções sobre como ser bárbaro. Ninguém de nós, infelizmente, precisa disso. Barbárie não é algo como dança no gelo, uma técnica que precisa ser aprendida —pelo menos, não até que se deseje tornar-se torturador ou algum outro especialista em atividades desumanas. Trata-se antes de um subproduto da vida em determinado contexto social e histórico, algo que vem com o território, como diz Arthur Miller em ‘Morte de um Caixeiro-viajante”.

Mais adiante, o historiador argumenta que “esclarecerei a primeira forma de barbarização, a que acontece quando desaparecem os controles tradicionais. Michael Ignatieff (político, escritor, historiador, jornalista e professor de História canadense), em seu recente ‘Blood and Belonging’, observa a diferença entre os pistoleiros das guerrilhas curdas de 1993 e os dos postos da fronteira bósnia. Com muita perspicácia, ele percebe que na sociedade sem Estado do Curdistão todo menino que chega à adolescência recebe uma arma. Portar uma arma significa simplesmente que o rapaz deixou de ser uma criança e deve se comportar como homem”.
Ver imagens de crianças pedindo autógrafos ao assassino condenado teve mais ou menos o mesmo significado para mim. Quer dizer, um assassino deve ser venerado, sim. Mesmo que seu crime tenha sido cometido de forma cruel e sanguinária. A atitude com relação a Bruno Fernandes demonstra que o crime compensa, né?! Testemunha e participantes disseram, à polícia, que Samudio foi esquartejada e enterrada. Outros acrescentaram que a moça foi dada como refeição a cães da propriedade rural do ex-ex-goleiro.
No Brasil, o meio esportivo é tão corrupto quanto o ambiente político. O que torna natural a louvação do Monstro de Varginha, que é a demonstração acintosa de que a barbárie é perfeitamente aceita entre uma grande parcela de brasileiros. Cometer um crime horrendo é uma ação perfeitamente aceita no seio da sociedade. Bravo, senhor monstro. Bravo, senhor Monstro de Varginha. E crianças aprendem com os adultos.
Luca Maribondo

Campo Grande | MS | Brasil

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