sábado, 25 de fevereiro de 2017

Ferramenta dos estúpidos

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No calendário chinês este 2017 é o ano do Galo. Na astrologia chinesa o signo do galo caracteriza pessoas cheias de coragem, honestidade e ambição. Assim, este ano estará contagiado por uma energia dinâmica, de mudança, de novas ideias e oportunidades. Mas também será o ano que marcará uma das ideias mais calhordas de tempos mais recentes:  o carnaval de 2017 vai ser um pouco diferente em muitas plagas brasileiras.
Isso porque blocos carnavalescos de São Paulo, Rio, Recife, Salvador e outras cidades notórias por seu carnaval animado, optaram por retirar canções por considerá-las ofensivas. Entraram no rol clássicos carnavalescos como "Maria Sapatão", "Cabeleira do Zezé", "Índio Quer Apito", "O Teu Cabelo Não Nega" e outras.
Segundos as folhas, há inúmeros blocos defendendo que marchinhas e sambas politicamente incorretos sejam banidos da folia. "Se a gente é um bloco feminista, não temos como passar ao largo dessas coisas. Se isso está sendo considerado ofensivo, acho que a gente não deve fazer coro", disse Renata Rodrigues, uma das organizadoras do bloco Mulheres Rodadas (!), em entrevista a uma emissora de rádio.
A moça também afirmou que o termo "mulata" fez o bloco retirar de sua playlist a canção Tropicália, de Caetano Veloso. "A gente tocava Tropicália, do Caetano Veloso. Agora, com toda a onda desse questionamento, principalmente, em função da palavra mulata, a gente está discutindo e vamos decidir se continuaremos tocando essa música ou não", afirmou.
Mas nem todo mundo é a favor dessa bobajada. Muitos blocos manterão as canções no repertório. Isso porque acham que as marchinhas são antigas, tradicionais e tinham um contexto, sem ter preconceito. Foram criadas numa determinada época. A vida fica muito sem graça se tudo tiver que ser enquadrado pela maneira politicamente correta de ser, perdendo assim a leveza e a brincadeira, que são a essência do Carnaval brasileiro.
Pensando nisso tudo, encetei uma pesquisa e busquei alguns sucessos antigos, carnavalescos ou não, com versos politicamente incorretos e comentários de pessoas favoráveis a censurar as canções: 
"O Teu Cabelo Não Nega", de Lamartine Babo e Irmãos Valença.
"O teu cabelo não nega mulata/Porque és mulata na cor/Mas como a cor não pega mulata/Mulata eu quero o teu amor (...)"
"A canção revela um forte preconceito racial quando o homem diz que quer o amor da mulata seguro que não vai 'pegar a sua cor'”.
"Fricote", de Luiz Caldas.
"Nêga do cabelo duro/Que não gosta de pentear/Quando passa na baixa do tubo/O negão começa a gritar/ Pega ela aí pega ela aí/Pra quê?/Pra passar batom" —"
Mais uma com preconceito racial. A negra que não penteia o cabelo nem gosta de se maquiar, como se isso fosse uma obrigação".
"Loira Burra", de Gabriel O Pensador.
"Existem mulheres que são uma beleza, mas quando abrem a boca, hum, que tristeza/Não é o seu hálito que apodrece o ar, o problema é o que elas falam que não dá pra aguentar. Nada na cabeça, personalidade fraca, tem a feminilidade e a sensualidade de uma vaca/Loira burra! Loira burra!".
—"Preconceito contra as loiras é um clássico da cultura brasileira. O preconceito é menos percebido porque o alvo é uma mulher branca. Imagine se a canção falasse de uma 'negra burra'. A letra denigre a imagem da mulher quando a compara com uma vaca".
"Odeio Rodeio", Chico Cesar.
"Odeio rodeio e sinto um certo nojo/Quando um sertanejo começa a tocar/Eu sei que é preconceito, mas ninguém é perfeito/Me deixem desabafar/A calça apertada, a loura suada, aquele poeirão./A dupla cantando e um louco gritando 'segura peão'”.
—"Esta canção não tem registro em cd, é apenas tocada nos shows. O próprio autor confessa nos versos que está sendo preconceituoso. O alvo da crítica é o modelo de rodeio adotado no interior paulista, totalmente copiado do modelo estadunidense".
“Cabeleira do Zezé”, João Roberto Kelly.
Olha a cabeleira do Zezé/Será que ele é/Será que ele é/Será que ele é bossa nova/ Será que ele é Maomé/ Parece que é transviado/ Mas isso eu não sei se ele é/ Corta o cabelo dele!”
— “Essa ingênua marchinha de carnaval cantada até hoje nos bailes é, na verdade, um hino homofóbico. A sexualidade do Zezé é questionada pelo simples fato dele usar cabelo grande. Na versão cantada nos carnavais mais recentes, depois do verso ‘Será que ele é’ acrescentaram a palavra ‘bicha’”.
“Rua Augusta”, Ronnie Cord.
“Entrei na Rua Augusta a 120 por hora/Botei a turma toda do passeio pra fora/Fiz curva em duas rodas sem usar a buzina/Parei a quatro dedos da vitrina/Hay, hay, Johnny/Hay, hay, Alfredo/Quem é da nossa gang não tem medo/Meu carro não tem breque, não tem luz, não tem buzina/Tem três carburadores, todos os três envenenados/Só pára na subida quando acaba a gasolina/Só passa se tiver sinal fechado/Toquei a 130 com destino à cidade/No Anhangabaú eu botei mais velocidade/Com três pneus carecas derrapando na raia/Subi a galeria Prestes Maia/Tremendão/Hay, hay, Johnny/Hay, hay, Alfredo/Quem é da nossa gang não tem medo”.
Essa canção do Ronnie Cord é um clássico da Jovem Guarda. A letra inteira exalta as infrações de trânsito. Absurdamente impensável nos dias de hoje”.
Inúmeras canções que fizeram sucesso no passado certamente não seriam bem aceitas hoje em dia por conta dessa idiotice politicamente correta. Em muitos casos, as canções não chocaram a sociedade na época, mas hoje esse material não passaria pelo crivo dos patrulheiros das redes sociais. Muita gente opina que as pessoas estão ficando mais politizadas e, por conta disso, mais sensíveis às causas das minorias. E daí?!
Os politicamente corretos entopem as redes sociais com um vocabulário padronizado, repetindo clichês e parolagem anti-científicos, preocupados com microagressões, lugares de fala e discussões pseudosociológicas, com uma alta carga de imposição de sugestionabilidade às suas ideias e um senso de superioridade moral irrefreável.
Atuando com uma perspectiva caricata do desenvolvimentismo, de forma destemperada e, de certa forma, imbecil, os justiceiros sociais ridicularizam discussões sérias sobre problemas reais —como o racismo, o machismo, feminismo, homofobia— ao transformá-las em discussões rasteiras, com um puritanismo rastaquera e apelos emocionais desabotinados.
Ao exagerar, incapazes de aceitar qualquer argumento contrário e preparados para bloquear a mínima possibilidade de oposição, mais afastam do que aproximam as pessoas dos temas que julgam defender, não raramente oferecendo argumentos para políticos com ideias absolutamente opostas, transformando debates importantes em probleminhas de classe média —e criando conceitos esdrúxulos de livre expressão, categorizando quem pode falar a respeito do quê.
Preconceito é algo que existe de verdade. E, claro, que no convívio social deve-se aceitar e respeitar as pessoas em suas diferenças —é a fórmula mais eficaz para se evitar preconceito e discriminação. Mas o problema com o politicamente correto é que se criou uma agenda de mentiras culturais, sociais e políticas a serviço do “bem”, gerando hipocrisia, censura e perseguição nos meios sociais, políticos, culturais, artísticos, comunicacionais e outros. A expressão politicamente correto foi apropriada pela classe média como um instrumento para atacar o multiculturalismo e acabou deixando de ser politicamente correta. E transformou-se em ferramenta para os estúpidos atacarem os menos ignorantes.
Luca Maribondo
lucamaribondo@uol.com.br
Campo Grande | MS | Brasil


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