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Comecei a interessar-me pela desonestidades e a mentira
ainda na adolescência. A consciência tornou-se forte no golpe militar de 1964, chamado
pelos militares de Revolução, que aconteceu exatamente no dia 10 de
abril (coincidentemente o Dia da Mentira) daquele ano. Por conta dessa
tautocronia, fiquei fascinado com o tema da mentira, da trapaça e da desonestidade.
Já começaram mentindo na determinação da data, dizendo que havia acontecido um
dia antes, 31 de março. Imagino que eles pensaram que não seria uma revolução
séria se tivesse começado num primeiro de abril. Continuou sem seriedade, como
qualquer outro governo no Brasil desde então.
De onde é que elas vêm? O que é essa capacidade humana de
ser simultaneamente honesto e desonesto? E, talvez mais importante, a questão: é
a desonestidade em grande parte restrita a poucas maçãs podres, ou é um
problema mais generalizado? Mais ainda, somos todos mais ou menos honestos e
desonestos?
Ainda nos meus dezesseis anos eu percebi que a resposta a
esta última pergunta pode mudar dramaticamente quando temos de lidar com
desonestidade, ou seja, se apenas, algumas maçãs podres são responsáveis pela
maior parte da trapaça no mundo, poderíamos facilmente ser capaz de remediar o
problema? Não sei a resposta, mas no meu imaginário, a desonestidade e a mentira
são disseminadas e cada um a pratica conforme as suas necessidades e
oportunidades.
E conforme as conveniência de cada um. Mas se o problema
não se limita a alguns pontos isolados, isso significaria que qualquer um
poderia se comportar de forma desonesta no trabalho, no lazer ou em casa, você
e eu inclusos. E se todos nós temos o potencial para ser um pouco criminal, é
extremamente importante, primeiro, entender como operar a desonestidade e, em
seguida, descobrir maneiras de conter e controlar esse aspecto da nossa
natureza. Isto é, podemos nos conter?
E o que sabemos sobre as causas da desonestidade? Na vida
social, penso eu, as pessoas cometem crimes com base em uma análise racional de
cada situação. Creio que essa teoria não é só minha e seu nascimento foi
bastante mundano. Um dia, um professor de economia teve de dar uma palestra
numa instituição na esquina da Avenina Mato Grosso com a Rua Ceará (em Campo
Grande MS), onde existe um grande supermercado.
Já um tanto atrasado e notando que nas imediações não
havia vagas pra estacionar, ele entrou no estacionamento do centro de compras,
entrou por uma porta, saiu por outra, atravessou a rua e foi fazer sua
conferência na instituição, deixando seu carro no local.
No caminho refletiu sobre seu próprio processo de
pensamento nessa situação e observou que sua decisão tinha sido inteiramente
uma questão de pesar a possibilidade de ser pego, multado e, possivelmente, ter
o carro rebocado, contra o benefício de começar a reunião no tempo. Ele também
observou que, ponderando os custos em relação aos benefícios, não havia lugar
para a consideração de certo ou errado; era simplesmente sobre a comparação de
possíveis resultados positivos e negativos.
E, assim, a teoria, que chamo do crime racional e
necessário, nasceu. De acordo com este modelo, todos nós pensamos e nos
comportamos da maneira como o professor fez. Tal como a nossa situação, todos
nós buscamos levar vantagem. No Brasil, isso ganhou o nome de Lei de Gérson. Se
nós fazemos isso para roubar bancos ou escrever livros é irrelevante para
nossos cálculos racionais de custos e benefícios.
Assim, de acordo com essa lógica, nós cometemos pequenos
atos ilícitos conforme a necessidade e a oportunidade. Com base nessa análise
de custo-benefício, decide se pratica seu pequeno crime. A essência da teoria é
de que, como a maioria das outras decisões, nossa trapaças são baseadas em uma
análise das vantagens que podemos levar. Assim furamos filas, estacionamos em
vagas proibidas, comemos mais do que devemos em resturantes por quilo etc.,
baseados nesta premissa de ganhar algo, nem que sejam alguns segundos.
Este é um modelo muito simples de desonestidade, mas a
questão é saber se ele descreve com precisão o comportamento das pessoas no
mundo real. Se isso acontecer, a sociedade tem dois meios claros para lidar com
desonestidade. O primeiro é para aumentar a probabilidade de ser pego (através
da contratação de mais policiais e instalação de mais câmeras de vigilância,
por exemplo). A segunda é aumentar a magnitude de punição para as pessoas que
se envolvem (por exemplo, através da imposição de penas de prisão mais íngremes
e de multa).
Antes de examinar as forças que influenciam a nossa
honestidade e desonestidade, vamos considerar uma experiência de pensamento
rápido. O que seriam as nossas vidas como se todos nós estritamente respeitado esse
sistema? Se vivêssemos em um mundo
puramente baseado na Lei de Gérson, gostaríamos de executar uma análise de
custo-benefício em todas as nossas decisões e fazer o que parece ser a coisa
mais racional?
Nós não tomamos decisões baseadas em emoções ou
confiança, por isso, seria mais provável trancar nossas carteiras em uma gaveta
quando saímos do nosso escritório por um minuto. Gostaríamos de manter o nosso
dinheiro debaixo do colchão ou guardar em um cofre escondido. Nós não estariam
dispostos a pedir aos nossos vizinhos pra pegar nossa correspondência, enquanto
estamos em férias, temendo que eles iriam roubar nossos pertences.
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Uma vez que nós exploramos as tendências básicas que
fundamentam a desonestidade, nós descobriremos as forças psicológicas e
ambientais que aumentam e diminuem a honestidade em nossas vidas diárias, incluindo
conflitos de interesse, as falsificações, promessas, criatividade, e
simplesmente estar cansado.
Existe também os aspectos sociais da desonestidade, que
também inclui a forma como os outros influenciam a nossa compreensão do que é
certo e errado, e nossa capacidade de fazer tramóa quando os outros podem se
beneficiar de nossa desonestidade. Em última análise, precisamos entender como a
desonestidade funciona, como ela depende
da estrutura do nosso ambiente diário, e sob que condições, todos tendem a ser
mais e menos desonestos.
Além das forças que moldam a desonestidade, um dos
principais benefícios práticos da abordagem da economia comportamental é que
ela nos mostra as influências internas e ambientais em nosso comportamento. Uma
vez que entendemos mais claramente as forças que realmente conduzem-nos,
descobrimos que não somos impotentes diante de nossas loucuras humanas
(desonestidade incluída), que podemos reestruturar o nosso meio ambiente e que,
ao fazê-lo, podemos alcançar melhores comportamentos e resultados.
Isso tudo talvez nos ajude a entender o que faz com que o
nosso próprio comportamento desonesto aponte para algumas formas interessantes
para conter e limitar a desonestidade. Isso fica muito evidente no jogo
político. Tome, por exemplo, a Operação Lava-Jato, que investiga corrupção na
Petrobrás. O desvio de recursos aconteceu ou não? De quem é a culpa? A
presidente da República sabia da corrupção? Qualquer afirmativa é arriscada
Tudo está embasado no fato de que emitir mentiras e
praticar pequenas ou grandes desonestidades sucessivamente é o que permite o
mínimo de equilíbrio social. A verdade é que a verdade e a honestidade são
insuportáveis, insustentáveis e indigestas. Isso acaba nos levando ao Paradoxo
do Mentiroso, atribuído ao filósofo grego Eubulides de Mileto (Século IV a.C).
Eis: “um homem diz que está mentindo. O que ele diz é verdade ou mentira?”. Não
importa o que se responda, o problema sempre surge porque o resultado é sempre
uma contradição.
Luca Maribondo
Bali, abril/15
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