quinta-feira, 2 de abril de 2015

_É tudo mentira. Verdade?

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Comecei a interessar-me pela desonestidades e a mentira ainda na adolescência. A consciência tornou-se forte no golpe militar de 1964, chamado pelos militares de Revolução, que aconteceu exatamente no dia 10 de abril (coincidentemente o Dia da Mentira) daquele ano. Por conta dessa tautocronia, fiquei fascinado com o tema da mentira, da trapaça e da desonestidade. Já começaram mentindo na determinação da data, dizendo que havia acontecido um dia antes, 31 de março. Imagino que eles pensaram que não seria uma revolução séria se tivesse começado num primeiro de abril. Continuou sem seriedade, como qualquer outro governo no Brasil desde então.

De onde é que elas vêm? O que é essa capacidade humana de ser simultaneamente honesto e desonesto? E, talvez mais importante, a questão: é a desonestidade em grande parte restrita a poucas maçãs podres, ou é um problema mais generalizado? Mais ainda, somos todos mais ou menos honestos e desonestos?

Ainda nos meus dezesseis anos eu percebi que a resposta a esta última pergunta pode mudar dramaticamente quando temos de lidar com desonestidade, ou seja, se apenas, algumas maçãs podres são responsáveis ​​pela maior parte da trapaça no mundo, poderíamos facilmente ser capaz de remediar o problema? Não sei a resposta, mas no meu imaginário, a desonestidade e a mentira são disseminadas e cada um a pratica conforme as suas necessidades e oportunidades.

E conforme as conveniência de cada um. Mas se o problema não se limita a alguns pontos isolados, isso significaria que qualquer um poderia se comportar de forma desonesta no trabalho, no lazer ou em casa, você e eu inclusos. E se todos nós temos o potencial para ser um pouco criminal, é extremamente importante, primeiro, entender como operar a desonestidade e, em seguida, descobrir maneiras de conter e controlar esse aspecto da nossa natureza. Isto é, podemos nos conter?

E o que sabemos sobre as causas da desonestidade? Na vida social, penso eu, as pessoas cometem crimes com base em uma análise racional de cada situação. Creio que essa teoria não é só minha e seu nascimento foi bastante mundano. Um dia, um professor de economia teve de dar uma palestra numa instituição na esquina da Avenina Mato Grosso com a Rua Ceará (em Campo Grande MS), onde existe um grande supermercado.

Já um tanto atrasado e notando que nas imediações não havia vagas pra estacionar, ele entrou no estacionamento do centro de compras, entrou por uma porta, saiu por outra, atravessou a rua e foi fazer sua conferência na instituição, deixando seu carro no local.

No caminho refletiu sobre seu próprio processo de pensamento nessa situação e observou que sua decisão tinha sido inteiramente uma questão de pesar a possibilidade de ser pego, multado e, possivelmente, ter o carro rebocado, contra o benefício de começar a reunião no tempo. Ele também observou que, ponderando os custos em relação aos benefícios, não havia lugar para a consideração de certo ou errado; era simplesmente sobre a comparação de possíveis resultados positivos e negativos.

E, assim, a teoria, que chamo do crime racional e necessário, nasceu. De acordo com este modelo, todos nós pensamos e nos comportamos da maneira como o professor fez. Tal como a nossa situação, todos nós buscamos levar vantagem. No Brasil, isso ganhou o nome de Lei de Gérson. Se nós fazemos isso para roubar bancos ou escrever livros é irrelevante para nossos cálculos racionais de custos e benefícios.

Assim, de acordo com essa lógica, nós cometemos pequenos atos ilícitos conforme a necessidade e a oportunidade. Com base nessa análise de custo-benefício, decide se pratica seu pequeno crime. A essência da teoria é de que, como a maioria das outras decisões, nossa trapaças são baseadas em uma análise das vantagens que podemos levar. Assim furamos filas, estacionamos em vagas proibidas, comemos mais do que devemos em resturantes por quilo etc., baseados nesta premissa de ganhar algo, nem que sejam alguns segundos.

Este é um modelo muito simples de desonestidade, mas a questão é saber se ele descreve com precisão o comportamento das pessoas no mundo real. Se isso acontecer, a sociedade tem dois meios claros para lidar com desonestidade. O primeiro é para aumentar a probabilidade de ser pego (através da contratação de mais policiais e instalação de mais câmeras de vigilância, por exemplo). A segunda é aumentar a magnitude de punição para as pessoas que se envolvem (por exemplo, através da imposição de penas de prisão mais íngremes e de multa).

Antes de examinar as forças que influenciam a nossa honestidade e desonestidade, vamos considerar uma experiência de pensamento rápido. O que seriam as nossas vidas como se todos nós estritamente respeitado esse sistema?  Se vivêssemos em um mundo puramente baseado na Lei de Gérson, gostaríamos de executar uma análise de custo-benefício em todas as nossas decisões e fazer o que parece ser a coisa mais racional?

Nós não tomamos decisões baseadas em emoções ou confiança, por isso, seria mais provável trancar nossas carteiras em uma gaveta quando saímos do nosso escritório por um minuto. Gostaríamos de manter o nosso dinheiro debaixo do colchão ou guardar em um cofre escondido. Nós não estariam dispostos a pedir aos nossos vizinhos pra pegar nossa correspondência, enquanto estamos em férias, temendo que eles iriam roubar nossos pertences.

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Sempre que alguém tem de guardar alguma coisa, mas parte dela desaparece, geralmente pensa-se que é o trabalho de um criminoso qualquer. Mas  fazer batota não é necessariamente devido a fazer uma análise de custo-benefício e roubar um monte de dinheiro. Em vez disso, é mais freqüentemente um resultado de se furtar um pouco de dinheiro ou um pouco de mercadoria mais e mais. Há forças a estimular-nos a enganar, mas há algo que nos os mantém honestos. Mas alguns fazem batota para seu próprio benefício, mantendo uma visão positiva de si mesmos, uma faceta do comportamento humano que permite que grande parte da nossa desonestidade aflore.

Uma vez que nós exploramos as tendências básicas que fundamentam a desonestidade, nós descobriremos as forças psicológicas e ambientais que aumentam e diminuem a honestidade em nossas vidas diárias, incluindo conflitos de interesse, as falsificações, promessas, criatividade, e simplesmente estar cansado.

Existe também os aspectos sociais da desonestidade, que também inclui a forma como os outros influenciam a nossa compreensão do que é certo e errado, e nossa capacidade de fazer tramóa quando os outros podem se beneficiar de nossa desonestidade. Em última análise, precisamos entender como a desonestidade  funciona, como ela depende da estrutura do nosso ambiente diário, e sob que condições, todos tendem a ser mais e menos desonestos.

Além das forças que moldam a desonestidade, um dos principais benefícios práticos da abordagem da economia comportamental é que ela nos mostra as influências internas e ambientais em nosso comportamento. Uma vez que entendemos mais claramente as forças que realmente conduzem-nos, descobrimos que não somos impotentes diante de nossas loucuras humanas (desonestidade incluída), que podemos reestruturar o nosso meio ambiente e que, ao fazê-lo, podemos alcançar melhores comportamentos e resultados.

Isso tudo talvez nos ajude a entender o que faz com que o nosso próprio comportamento desonesto aponte para algumas formas interessantes para conter e limitar a desonestidade. Isso fica muito evidente no jogo político. Tome, por exemplo, a Operação Lava-Jato, que investiga corrupção na Petrobrás. O desvio de recursos aconteceu ou não? De quem é a culpa? A presidente da República sabia da corrupção? Qualquer afirmativa é arriscada

Tudo está embasado no fato de que emitir mentiras e praticar pequenas ou grandes desonestidades sucessivamente é o que permite o mínimo de equilíbrio social. A verdade é que a verdade e a honestidade são insuportáveis, insustentáveis e indigestas. Isso acaba nos levando ao Paradoxo do Mentiroso, atribuído ao filósofo grego Eubulides de Mileto (Século IV a.C). Eis: “um homem diz que está mentindo. O que ele diz é verdade ou mentira?”. Não importa o que se responda, o problema sempre surge porque o resultado é sempre uma contradição.



Luca Maribondo
Bali, abril/15

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