"A Incrível e Triste História de Cândida Erêndira e
Sua Avó Desalmada" foi o primeiro escrito que li de Gabriel Garcia Marques.
O título do livro —que contém mais seis contos— me chamou a atenção numa
livraria e eu o comprei no impulso. Além da história que dá título à obra, e que
ocupa boa parte do volume, a obra contém outros contos geniais como "A Última
Viagem do Navio Fantasma", "O Afogado Mais Bonito do Mundo" e
"O Mar do Tempo Perdido". O livro foi lançado em 1972 e Gabo recebeu
o Prêmio Nobel de Literatura em 1982, dez anos depois que a obra foi lançada na
Colômbia.
A história que dá título ao volume foi desenvolvida a
partir de uma passagem contida em seu mais famoso romance, "Cem Anos de
Solidão", em que uma avó escraviza sua neta, tornado-a prostituta até que
consiga lhe reaver o dinheiro que perdeu quando a casa onde moravam queimou-se
em um incêndio que teria sido provocado pela menina.
Depois disso li outros livros de Garcia Marques, como,
claro, "Cem Anos de Solidão" (1967) —que estou relendo, mas em inglês—,
uma das obras mais famosas da literatura mundial, "O Amor nos Tempos de
Cólera" (1985), "Crônica de uma Morte Anunciada" (1981), "Notícias
de um Sequestro" (1996), "Relato de um Náufrago" (1970), "Ninguém
Escreve ao Coronel" (1961) e outros, mas não li seus escritos mais
recentes.
Ontem, quinta-feira (17/abr./2014) García Márquez morreu.
Eu o vejo como um dos mais importantes escritores do século 20 e um dos mais
renomados autores latinos da história. Um homem lúcido e antenado no mundo que
o cercava.
Todo o drama da “incrivel e triste história da Cândida
Eréndira e sua avó desalmada” foi muito
marcante pra mim. É um espetáculo que tem como foco o corpo, o sexo da menina, que
tem apenas catorze anos. A narrativa naturaliza a mulherbiologia, anestesiada,
adormecida entre o trabalho compulsório e o sexo compulsório e compulsivo. Nele
vemos a reprodução do mito de que as mulheres alimentam secretamente o desejo
de ser objeto sexual, vítimas de estupro.
Eréndira vai se tornar sujeito usando de seu corpo de
menina. Ela é toda sexo, só sexo. Em seus poucos momentos despertos, lúcidos, é
o ódio e a conspiração que orientam e mantêm Eréndira viva. Não há lugar para o
“amor” na narrativa de Gabo, só há lugar para comércio sexual.
É o sexo que
movimenta, define e mobiliza os personagens. O elemento libertador é o uso que
a garota faz de seu sexo: Eréndira, a prostituída, age como a prostituta ao
manipular o amor que o jovem Ulisses sente por ela (“Ulisses”, personagem com
nome de herói que heróica e cegamente cumpre o que lhe é determinado pela
amada). Em nome deste sentimento o jovem apaixonado assassina a avó e é, no conto,
reduzido à condição de criança. O amor retira de Ulisses sua condição de
sujeito, de homem, porque o cega e fragiliza.
Este é um trecho de que gosto muito e que mostra com rara
lucidez toda a situação: “... quando se convenceu de que estava morta seu rosto
ganhou de chofre toda a maturidade da pessoa adulta que não lhe haviam dado
seus vinte anos de infortúnio(...) Ia correndo contra o vento, mais veloz que
um veado, e nenhuma voz deste mundo poderia detê-la. Passou correndo sem voltar
a cabeça pelo ardente vapor dos charcos de salitre, pelas crateras de talco, pelo
torpor das palafitas, até que se acabaram as coisas do mar e começou o deserto,
mas ainda continuou correndo com o jaleco de ouro para além dos entardeceres de
nunca acabar, e jamais se voltou a ter a menor notícia dela nem se encontrou o
menor vestígio de sua desgraça.”
Gabo se foi fisicamente. Mas sua alma permanece
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