quarta-feira, 30 de maio de 2012

>Limpando as mãos na parede

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Um dos grandes problemas do campo-grandense é o deslocamento pela cidade através do transporte público. Campo Grande, uma cidade com população de cerca de 700 mil habitantes, tem um sistema de transporte coletivo precário, mal-planejado, insuficiente e, mesmo assim, extremamente caro.

Um dos direitos fundamentais das pessoas é o de ir e vir. No entanto, Campo Grande, que é tida como uma cidade com qualidade de vida acima da média, assim como boa parte das grandes e médias cidades brasileiras não tem conseguido viabilizar esse direito de forma satisfatória. A (i)mobilidade das metrópoles, com exceção de algumas regiões metropolitanas, aplica-se quase uniformemente. Campo Grande mostra-se como um dos piores casos no Brasil.

As cidades brasileiras cresceram muito rápido no período de 1930 a 1980. Elas expressavam a mudança intensa pela qual passou a economia brasileira, deixando de ser agrária para industrializada. A mudança da matriz econômica caracterizou-se por intenso movimento migratório campo-cidade. O Brasil agrário torna-se o Brasil urbano. Campo Grande ainda demora pra atingir esse ponto, mas mesmo assim cresceu muito.

De outro lado, uma das estratégias adotadas pelo Estado, desde Getúlio Vargas, para desenvolver o setor industrial no Brasil foi priorizar a indústria automobilística. A produção de automóveis envolve a expansão e a consolidação de diversos setores econômicos (produção de insumos, combustível, desenvolvimento do mercado de crédito e financiamento etc.).

Mas isso teve um preço. E o preço que pagamos foi muito alto. O carro de passeio foi prioridade dos investimentos em mobilidade urbana (e em boa parte dos casos ainda é). Túneis, vias expressas e investimentos correlatos superaram aqueles dedicados aos diferentes modais (como o ferroviário). Mesmo no modal rodoviário, do ponto de vista de espaço ocupado nas vias públicas, os automóveis tiveram prioridade, na maioria das vezes, em detrimento dos ônibus.

A intensa migração, o encarecimento das áreas urbanas e outros fatores criaram incentivos para a configuração espacial das nossas metrópoles: as classes de menor poder aquisitivo acabam por se concentrar nas periferias. As classes com menores condições residem distante dos locais de emprego, consumo e entretenimento. E dependem de transporte público pouco eficiente e de baixa qualidade, pois este não foi priorizado ao longo de décadas.

É sabido que o investimento em redes de transporte coletivo é o que traz mais retorno para a melhoria do trânsito nas grandes cidades, porque, então, isso não é feito? Falta vontade política dos gestores. Recursos existem e são utilizados em outras coisas. Provavelmente porque os dirigentes não usam o transporte coletivo. É inegável que a indústria automobilística é uma cadeia produtiva enorme e que tem interesses enormes. Ninguém quer que essa corrente se rompa. Ninguém quer ver uma crise em um setor importante como esse.

Outro ponto em que os estudiosos convergem diz respeito a medidas de restrição ao uso do automóvel. Estas precisam ser tomadas com urgência: uma coisa é ter o carro, a posse dele. Outra questão é como adequar isso ao limitado espaço urbano. Hoje não é possível ampliar o volume viário na mesma proporção em que cresce a frota. É preciso então restringir o uso dos automóveis. Leve-se em consideração que um ônibus, de modo geral, transporta o mesmo número de pessoas que trinta carros.

Com um transporte público decentemente em operação, os motoristas deveriam pagar uma tarifa pelo uso da via em horários de pico. Isso faz com que pessoas que não precisam estar usando-a naquele momento repensem os seus deslocamentos. Isso existe em vários lugares do mundo.

A discussão do transporte é como a questão ambiental. A crise é a aliada. A única esperança é que essa crise se agrave a tal ponto em que o poder público e a comunidade sejam obrigados a tomar decisões antes de ser tarde demais. E já está ficando tarde.

O uso do transporte público caiu cerca de 30% do Brasil de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso porque a frota de veículos particulares cresceu de maneira significativa no país. Só o número de motos circulando nas ruas aumentou cerca de 19%.

Dentre outros motivos apontados pelo estudo “A mobilidade urbana no Brasil” para a diminuição da procura por meios de transporte públicos está o tempo que o brasileiro perde no trânsito. Estima-se que o tempo gasto no trajeto de casa para o trabalho cresceu 6% entre o período 1992 e 2008. Além do tempo no percurso, que na maioria das vezes é maior para os usuários do transporte público, a falta de higiene nos veículos e a frota de ônibus reduzida também foram agravantes para a diminuição no número de usuários do sistema público de transporte.

Estes são problemas sérios, que precisam ser discutidos com profundidade pela comunidade. A Prefeitura de Campo Grande está em vias de renovar os contratos de concessão do transporte coletivo urbano da capital de Mato Grosso do Sul. A administração municipal já realizou uma audiência pública para coletar dados, informações e sugestões da comunidade e, em breve, lançará os editais de licitação das concessões.

Entretanto, ao invés de realizar esses primeiros trâmites de forma transparente, o prefeito Nelsinho Trad age de forma a impedir a participação da comunidade, como aconteceu com a audiência pública realizada neste mês de maio de 2012; o evento não foi divulgado, nem pelo Diário Oficial do Município, o que provocou o comparecimento de algumas poucas pessoas. Preveem as autoridades contratos de concessão de até trinta anos. É um longo tempo; mais de um quarto de século. Será um período em que não mais se discutirá e analisará o sistema de transporte urbano da capital do estado, que, sabe-se, é prenhe de falhas e impropriedades, como foi dito.

Os políticos da cidade estão de olho apenas nas eleições que acontecem neste ano. Nelsinho Trad é o prefeito e, portanto, não é exceção neste caso. As cinco empresas concessionárias do transporte coletivo de Campo Grande têm grande importância e influência no processo eleitoral. Assim, para eles, quanto menos palpiteiros surgirem no processo de mudanças dos contratos de concessão, melhor para Trad e os empresários dos ônibus.

Ao tentar eclipsar o processo para discutir os contratos de concessões dos ônibus, o prefeito tenta limpar as mãos na parede, que é como os antigos se referiam a alguém que procurava encobrir um malfeito praticando outro pior e, assim, não tem como disfarçar. É preciso tratar o assunto com transparência e Democracia. E isso só acontecerá se todos os cidadãos puderem participar. Afinal, Democracia é a gente faz. Ou não?

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