Um dos grandes problemas do campo-grandense é o
deslocamento pela cidade através do transporte público. Campo Grande, uma
cidade com população de cerca de 700 mil habitantes, tem um sistema de
transporte coletivo precário, mal-planejado, insuficiente e, mesmo assim,
extremamente caro.
Um dos direitos fundamentais das pessoas é o de ir e vir.
No entanto, Campo Grande, que é tida como uma cidade com qualidade de vida
acima da média, assim como boa parte das grandes e médias cidades brasileiras
não tem conseguido viabilizar esse direito de forma satisfatória. A
(i)mobilidade das metrópoles, com exceção de algumas regiões metropolitanas,
aplica-se quase uniformemente. Campo Grande mostra-se como um dos piores casos
no Brasil.
As cidades brasileiras cresceram muito rápido no período
de 1930 a 1980. Elas expressavam a mudança intensa pela qual passou a economia
brasileira, deixando de ser agrária para industrializada. A mudança da matriz
econômica caracterizou-se por intenso movimento migratório campo-cidade. O
Brasil agrário torna-se o Brasil urbano. Campo Grande ainda demora pra atingir
esse ponto, mas mesmo assim cresceu muito.
De outro lado, uma das estratégias adotadas pelo Estado,
desde Getúlio Vargas, para desenvolver o setor industrial no Brasil foi
priorizar a indústria automobilística. A produção de automóveis envolve a
expansão e a consolidação de diversos setores econômicos (produção de insumos,
combustível, desenvolvimento do mercado de crédito e financiamento etc.).
Mas isso teve um preço. E o preço que pagamos foi muito
alto. O carro de passeio foi prioridade dos investimentos em mobilidade urbana
(e em boa parte dos casos ainda é). Túneis, vias expressas e investimentos
correlatos superaram aqueles dedicados aos diferentes modais (como o
ferroviário). Mesmo no modal rodoviário, do ponto de vista de espaço ocupado
nas vias públicas, os automóveis tiveram prioridade, na maioria das vezes, em
detrimento dos ônibus.
A intensa migração, o encarecimento das áreas urbanas e outros
fatores criaram incentivos para a configuração espacial das nossas metrópoles:
as classes de menor poder aquisitivo acabam por se concentrar nas periferias. As
classes com menores condições residem distante dos locais de emprego, consumo e
entretenimento. E dependem de transporte público pouco eficiente e de baixa
qualidade, pois este não foi priorizado ao longo de décadas.
É sabido que o investimento em redes de transporte
coletivo é o que traz mais retorno para a melhoria do trânsito nas grandes
cidades, porque, então, isso não é feito? Falta vontade política dos gestores.
Recursos existem e são utilizados em outras coisas. Provavelmente porque os
dirigentes não usam o transporte coletivo. É inegável que a indústria
automobilística é uma cadeia produtiva enorme e que tem interesses enormes.
Ninguém quer que essa corrente se rompa. Ninguém quer ver uma crise em um setor
importante como esse.
Outro ponto em que os estudiosos convergem diz respeito a
medidas de restrição ao uso do automóvel. Estas precisam ser tomadas com
urgência: uma coisa é ter o carro, a posse dele. Outra questão é como adequar
isso ao limitado espaço urbano. Hoje não é possível ampliar o volume viário na
mesma proporção em que cresce a frota. É preciso então restringir o uso dos
automóveis. Leve-se em consideração que um ônibus, de modo geral, transporta o
mesmo número de pessoas que trinta carros.
Com um transporte público decentemente em operação, os
motoristas deveriam pagar uma tarifa pelo uso da via em horários de pico. Isso
faz com que pessoas que não precisam estar usando-a naquele momento repensem os
seus deslocamentos. Isso existe em vários lugares do mundo.
A discussão do transporte é como a questão ambiental. A
crise é a aliada. A única esperança é que essa crise se agrave a tal ponto em
que o poder público e a comunidade sejam obrigados a tomar decisões antes de
ser tarde demais. E já está ficando tarde.
O uso do transporte público caiu cerca de 30% do Brasil
de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). Isso porque a frota de veículos particulares cresceu de maneira
significativa no país. Só o número de motos circulando nas ruas aumentou cerca
de 19%.
Dentre outros motivos apontados pelo estudo “A mobilidade
urbana no Brasil” para a diminuição da procura por meios de transporte públicos
está o tempo que o brasileiro perde no trânsito. Estima-se que o tempo gasto no
trajeto de casa para o trabalho cresceu 6% entre o período 1992 e 2008. Além do
tempo no percurso, que na maioria das vezes é maior para os usuários do
transporte público, a falta de higiene nos veículos e a frota de ônibus
reduzida também foram agravantes para a diminuição no número de usuários do
sistema público de transporte.
Estes são problemas sérios, que precisam ser discutidos
com profundidade pela comunidade. A Prefeitura de Campo Grande está em vias de
renovar os contratos de concessão do transporte coletivo urbano da capital de
Mato Grosso do Sul. A administração municipal já realizou uma audiência pública
para coletar dados, informações e sugestões da comunidade e, em breve, lançará
os editais de licitação das concessões.
Entretanto, ao invés de realizar esses primeiros trâmites
de forma transparente, o prefeito Nelsinho Trad age de forma a impedir a
participação da comunidade, como aconteceu com a audiência pública realizada
neste mês de maio de 2012; o evento não foi divulgado, nem pelo Diário Oficial
do Município, o que provocou o comparecimento de algumas poucas pessoas.
Preveem as autoridades contratos de concessão de até trinta anos. É um longo
tempo; mais de um quarto de século. Será um período em que não mais se
discutirá e analisará o sistema de transporte urbano da capital do estado, que,
sabe-se, é prenhe de falhas e impropriedades, como foi dito.
Os políticos da cidade estão de olho apenas nas eleições
que acontecem neste ano. Nelsinho Trad é o prefeito e, portanto, não é exceção
neste caso. As cinco empresas concessionárias do transporte coletivo de Campo
Grande têm grande importância e influência no processo eleitoral. Assim, para
eles, quanto menos palpiteiros surgirem no processo de mudanças dos contratos
de concessão, melhor para Trad e os empresários dos ônibus.
Ao tentar eclipsar o processo para discutir os contratos
de concessões dos ônibus, o prefeito tenta limpar as mãos na parede, que é como
os antigos se referiam a alguém que procurava encobrir um malfeito praticando
outro pior e, assim, não tem como disfarçar. É preciso tratar o assunto com
transparência e Democracia. E isso só acontecerá se todos os cidadãos puderem
participar. Afinal, Democracia é a gente faz. Ou não?
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