sábado, 2 de outubro de 2010

[Com razão, sem emoção]

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Todo político faz uso da emoção durante as campanhas eleitorais —dos mais sérios aos mais patuscos. Afinal de contas, a emoção é uma das ferramentas mais usadas nas corridas eleitorais. E quanto menos escolarizado e informado é o eleitorado, mais o apelo à emoção é eficaz para obter votos. Não é à toa que os políticos fazem questão de não melhorar o ensino no Brasil e vivem fubecando os meios de comunicação.

Embora discuta-se muito pouco este tema, no Brasil as diversas maneiras de envolver o uso da emoção no conjunto do marketing e da comunicação (e hoje em dia basicamente uma campanha eleitoral é marketing e comunicação) é, com certeza, a ação mais importante da corrida eleitoral de todos os candidatos. Não é à toa que os candidatos à presidência da República nas eleições de 2010 fazem tantos apelos a parentes, amigos e agregados, aos seus passados etc. dos adversários. Erenices, guerrilheiras, dossiês, filhas empresárias etc. são o corolário do apelo emocional.

Algo em torno de 70% do eleitorado brasileiro são analfabetos completos ou analfabetos funcionais. A grande maioria não tem o primeiro grau completo. Na visão dos políticos, dos marqueteiros e dos coordenadores de campanha, é muito mais fácil influenciar essas pessoas apelando para a sua emoção do que à razão. Não foi à toa que os candidatos a presidente da República Dilma Vana Rousseff (PT) e Zé Serra (PSDB) elegeram a emoção como mote dos programas de estreia no horário eleitoral na televisã. Lembra-se?: enquanto uma das primeiras falas de Dilma Vana menciona a "paixão pra fazer o que te mobiliza", Serra diz que quer governar com o coração. As propostas de governo ficaram para os programas seguintes. E foram poucas.

Num balanço prévio e rápido, a gente chega à conclusão que a campanha eleitoral de 2010 foi uma das mais calhordas de toda a história política do país. Não se fez nenhuma proposta grandiosa ou mediana que fosse —os candidatos limitaram-se a dizer que o que está aí é bom, mas que precisa melhorar—, não se fez uma análise profunda de nada, não se disse uma bela frase e não pintou sequer um slogan criativo e elucidativo.

Expor as dificuldades reais do país através de estudos técnicos profundos e consistentes, discutir opções teóricas de rumos a serem seguidos, analisar teorias políticas que se traduzam em melhoria de qualidade de vida para o cidadão e propor planos de governo viáveis e reais, tudo isso foi (e é) considerado inútil pelos políticos e pelos profissionais que planejam e gerenciam suas campanhas.

Em última análise, a solução encontrada para essas campanhas —todas elas— foi um uso das emoções humanas, dos sentimentos humanos. E, para tanto, nada mais apropriado que o uso da televisão e o desdém à Internet —você viu algo interessante dos candidatos na rede mundial de computadores? Um discurso histriônico, flamejante, humano, teatral, fraternal, igual, messiânico; um jingle com letra comovente e ritmo da moda; os clipes com sequência de imagens cinematográficas que mexem com a alma dos espectadores; roupas sóbrias, discretas e elegantes; esta é a fórmula básica para a difícil conquista dos votos pelos políticos brasileiros. Todo o arsenal técnico de apelo à emoção foi utilizado pelos candidatos.

Claro que não é só a emoção. No Brasil, a emoção na política funciona com algo que possa parecer racional ao eleitor. No mais das vezes, nas campanhas pra presidente, governador e prefeito são feitas pesquisas entre os cidadãos, pra aferir quais são as suas principais demandas, desejos e anseios. Um exemplo: o candidato a presidente verifica que seus eleitores potenciais têm como principal demanda a saúde.

Como resultado, a partir dessa percepção toda a área aparentemente racional da campanha eleitoral do candidato será focada basicamente neste tema. Se nas pesquisas os eleitores evidenciam que desejam votar num candidato ficha limpa, dá-lhe discurso a favor da ficha limpa. A fórmula é trabalhar com os anseios e, claro, as emoções. A verdade fica apenas nos planos de marketing.

Tem também o problema do dinheiro: como os orçamentos dos poderes públicos são sempre menores do que as necessidades das comunidades, os candidatos estão sempre prometendo, a conselhos dos marqueteiros e comunicólogos, sem tocar na questão dos recursos pra cumprir suas promessas de campanha. Não há o menor pudor —promete-se de tudo.

No pacote de promessas e emoções, evidentemente acompanhado de à atuação dos políticos no poder, garimpa-se os votos dos cidadãos ansiosos por melhorias. Os cidadãos, aliás, também não são santos: a maioria está sempre a pedir um saco de cimento, uma dentadura ou uma graninha pra colocar material de propaganda nos muros das suas casas ou nos parabrisas dos seus carros. Mas os políticos têm certeza de que o eleitor não vai cobrar as promessas até as eleições seguintes.

Aliás, nesse aspecto, há um cinismo generalizado: todos, políticos e eleitores, agem como se promessa eleitoral não devesse ser cobrada, até porque as promessas não são feitas pra valer. Claro, que há exceções, mas são poucas.

Se os cidadãos votassem com mais razão e menos emoção, buscando ver o que representam e quem são realmente os candidatos, o que realizaram e falaram no passado, com certeza teríamos um Brasil melhor e menos injusto, sem necessitar de pais, mães e heróis.

Neste domingo, 3 de outubro de 2010, é o momento de todos pensarem com mais razão e menos emoção e votar com nos candidatos que não têm medo da claridade e que buscam pensar mais na sociedade do que nos seus projetos políticos.

Tem um breve texto de Bertolt Brecht que trata otimamente bem desse assunto: "o pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais".

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