sexta-feira, 11 de junho de 2010

>>Voto do futuro

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Nos dias de hoje é praticamente impossível ignorar a existência da rede mundial de computadores, a Internet. Ou de alguma coisa que tenha a ver com a Internet. Através dos instrumentos possíveis, criados em velocidade alucinante, ao alcance de todos que tema acesso ao mais simples dos computadores, oferecem produtos e vantagens, serviços e facilidades, coisas que até parecem roteiro de filme de ficção científica, mas que existem de fato, e outras, ainda mais estranhas, que estão programadas já para o dia seguinte. E assim, pela verdade atual ou futura, inevitavelmente são todos pegos pela onda internáutica.

Mas essa preeminência acaba moldando nas pessoas duas facetas. Uma é a daqueles que aderem imediatamente às novidades e que, por vezes, delas se tornam totalmente dependentes. É gente —homens, mulheres, jovens, velhos, adolescentes e crianças— para quem a evolução tecnológica torna-se uma obsessão e vale por si mesma. Essas pessoas acreditam que os computadores resolverão as dificuldades advindas da insociabilidade humana presente e até mesmo as suas urgentes questões pessoais —até relacionamentos afetivos e sexuais são resolvidos na rede. Talvez por isso grande parte dos internautas brasileiros sejam pessoas entre 15 e 30 anos, estando a grande maioria fora do mercado formal de trabalho.

Do outro lado, o extremismo é protagonizado pelas pessoas a quem se convencionou chamar de "inforcéticos" —alguns, próximos do ludismo— que olham as novas tecnologias, as máquinas e meios de comunicação com enorme desconfiança, por vezes com ódio, precisamente porque elas perturbam o equilíbrio de um mundo que, dentro do seu conservadorismo, lhes custa ver mudar e, pior do que isso, porque se sentem afastados dessa mudança.

Claro que essas duas atitudes são o que são, isto é, extremadas, e encontram-se fora de sintonia com o tempo. Para chegar a esta conclusão basta refletir um pouco sobre o possível papel da revolução informática frente às suas enormes possibilidades. Seriam gastas centenas de páginas de caprichada redação para apontar apenas algumas dessas variáveis. Aqui, o foco é possibilidade de uso da Internet no aperfeiçoamento da democracia e da cidadania. Analisando o comportamento dos fundamentalistas islâmicos, do Marrocos à Indonésia, é possível verificar que há muito eles elegeram as antenas parabólicas e os modems como alvos estratégicos para serem desabilitados. Na China, o lançamento da Internet foi precedido pela criação de uma instituição policial para controla-la metodicamente —e o usuário de cybercafés, quase sempre clandestino, pode ser condenado à prisão. Em Cuba, não faz muito tempo, um jornalista visitou um serviço público de informática, em Havana, no qual o único computador com acesso à rede estava fechado a sete chaves e só podia ser usado na presença de um empregado do estabelecimento.

Mas não é só nos países geridos por governos autoritários e/ou retrógrados que a repressão está presentes: nos Estados Unidos, o berço da Internet, por exemplo, os setores mais conservadores tentam impor também fortes medidas restritivas ao uso da Internet. É para controlar alguns dos seus conteúdos que o FBI mantém milhares de agentes fuçando as comunicações dos internautas. Por tudo isso conclui-se que os regimes —de qualquer inclinação— ainda hoje receiam uma comunicação que possa ficar ao dispor da livre escolha do cidadão. Aliás, sempre foi assim e não seria agora que as coisas se transformariam.

Claro que nem tudo é bom na Internet, mas isto não é motivo para restringi-la ou censurá-la. Na política também há muita coisa que não presta, porém não se vê ninguém tentando eliminar a prática política, nem dar um fim nos políticos. O máximo que o cidadão pode (e quer) fazer é eliminar o mau político com a prática saudável do voto. O que nem sempre é possível.

No caso da Internet, tem sido até algo curioso verificar como muitas organizações, especialmente os partidos políticos, têm menosprezado as vastas possibilidades de debate, de crítica e aperfeiçoamento social que se pode alcançar com o uso da comunicação via Internet. As agremiações políticas praticamente ignoram a rede —os sites dos partidos são de uma indigência emocionante. No Brasil, fala-se de pessoas que, "em nome da liberdade", pedem que outros mantenham o computador desligado o máximo de tempo imaginável.

Mas é chegado o momento de se rever os comportamentos. Qualquer que seja o país que se esteja, as pessoas estão no momento da escolha. A hora da verdade. Pode-se agora navegar por mares nunca dantes navegados com todos os seus riscos e descobertas ou aceitar passivos a derrota antecipada, imposta pelos setores que desconfiam da discussão, da polêmica, do debate livre e da liberdade. Como no jornalismo, na política a polêmica é fundamental.

Evidente que a dependência dos indivíduos em relação às tecnologias —e em particular a esta, cada vez mais barata e de fácil acesso— carrega consigo grandes perigos. No caso da política partidária, aquela que algumas pessoas fazem visando elegerem-se a cargos públicos, a possibilidade da ocorrência de debates, em tempo real e sem limites de "tom" pode, de fato, fazer com que a personalidade individual passe despercebida no imenso mar dos "dados". Também é fato que qualquer um pode se dirigir a outros, protestar contra tudo e todos, lançar abaixo-assinados, contar anedotas de gregos ou troianos e até produzir um jornal eletrônico.

É enorme o volume de informação que o cidadão comum recebe diariamente. Maior ainda para aqueles plugados na Internet. Com certeza essa overdose de comunicação pode deixar o indivíduo confuso ou transformar em trivial aquilo que de fato é importante. Pior, pode até conduzi-lo, como reação a esta torrente, ao tédio e ao isolamento. No limite, pode mesmo levá-lo ao desinteresse pela atividade cívica que reconhecidamente se processa no ciberespaço e, depois, até mesmo por outras que são vividas no "mundo real".

Também é verdade que a desigualdade de condições pode existir: é mais fácil acessar a Internet a partir de uma capital brasileira do que das pequenas cidades interioranas. Essas são assimetrias que precisam ser corrigidas. Existe, porém, uma dimensão de espaço democrático na rede em que há todas as vantagens em explorar. Por exemplo, a Internet é, por definição, um espaço de comunicação livre, de certa forma anárquico (no significado político do termo) e relativamente barato, no qual é possível uma expressão alternativa de opinião que completa ou vigia as formas habituais (veja-se, por exemplo, a expansão dos blogs, das redes sociais), mais institucionais ou fechadas ao debate efetivamente aberto.

Utilizando a Internet o cidadão pode, em determinadas condições, firmar uma opinião ou um protesto de forma bem mais eficaz e até fundamentada, do que "correndo atrás" dos deputados nas galerias das Assembléias Legislativas ou do gerente do banco da esquina.

Entretanto, se para os adeptos da utilização da Internet estas possibilidades de comunicação são sempre boas. Claro que os inforcéticos —especialmente se investidos em mandato político—, criticam-nas sem contemplações. Estejam à direita ou à esquerda. Se à direita, esta se horroriza com este mundo em mudança, com o espectro que lhe é insuportável, de dar voz e de espalhar saber sem controle, por toda a gente e em todas de partes. Por outro lado, a esquerda horripila-se com as teias de uma globalização informática que estes processos determinam e que, "inevitavelmente", empurrariam os povos e os cidadãos para os tentáculos de um capitalismo cada vez mais sem rosto.

Na verdade, esquecem ambos os "segmentos atores" que, na prática da cidadania exercida por via telemática, aquilo que as pessoas precisam assumir como atitude por meio da iniciativa própria e permanentemente reinventada é acabar com a desconfiança que deixa o terreno livre aos tais utilizadores frenéticos e aos seus céticos inimigos. É aprender, praticando, a separar o bom do mau, a usar permanentemente a crítica e a movimentar-se de acordo com objetivos e necessidades. É experimentando a possibilidade de uma globalização das causas e das demandas mais urgentes e importantes —o que antes era praticamente impossível—, e encontrar uma solução comum. E será equilibrando toda essa prática que se levará até a sociedade à consciência de que máquina alguma pode imitar e que é, indiscutivelmente, o mais importante: o sempre indispensável contato humano. Assim, a Internet funcionará como instrumento, apenas mais um, embora simples e poderoso, de conhecimento e de liberdade.

Quem sabe até possamos eleger os nossos candidatos trocando a incômoda fila seções eleitorais e o assédio de militantes pelo voto internáutico exercido sem esforço e de pijama. Talvez não esteja mesmo longe o dia em que todos votaremos através da Internet —afinal, hoje as máquinas de votar, vulgo urna eletrônica, que já usamos há alguns anos não passam de pequenos computadores ligados em rede. Nosso maior obstáculo é evitar que o voto feito de casa através da rede seja inútil, não permitindo que as máquinas sejam corrompidas pelo sistema. Será o voto do futuro.

Luca Maribondo

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