sexta-feira, 14 de maio de 2010

_Pavor da claridade

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Uma antiga máxima afirma que, na propaganda, a verdade não existe: o que existe é a imagem, a impressão da verdade, a quase-verdade, que, em muitos casos, pode muito bem ser uma mentira deslavada. O que pode ser dito de outra maneira: o que vale “não é o que você diz, mas o que o outro entende”. Nessa linha de pensamento, a versão é mais importante do que o fato. Não é à toa que a política, atividade em que a verdade nunca esteve entre os itens mais transcendentes, deu-se tão bem com a propaganda — e não é por acaso que o caso mais digno de nota da interação política/propaganda aconteceu na Alemanha nazista.


Tanto que a máxima acima é sempre lembrada por publicitários, especialistas em propaganda e marqueteiros sempre que têm oportunidade de se manifestar. E a frase entre aspas é sempre expressa, com variações, por políticos dos mais diversos jaezes. Políticos e publicitários, todos eles falam a mesma língua. Uma língua que não é usada para esclarecer, mas para vender.


Foi assim nas eleições presidenciais de 1989, quando mais da metade do público de televisão recebeu uma mentira dirigida como uma imagem da verdade, na edição que o Jornal Nacional, da Rede Globo, fez para noticiar o último debate da campanha presidencial daquele ano, debate este realizado pela mesma rede de televisão. Os finalistas, para quem não se lembra, eram Fernando Collor e o hoje presidente do país Lula da Silva.


Impossível dizer com certeza, mas o material exibido, da maneira como foi editado, pode ter ajudado a mudar os rumos daquela eleição – todos sabemos no que deu: Collor venceu as eleições, mas acabou defenestrado na metade do seu mandato, acusado de corrupção. Que ninguém espere coisa diferente em outras eleições. Quase sempre o que o eleitor vai receber, via televisão, é uma imagem, pura impressão da verdade. Há muitos exemplos. Aqui são citados dois de eleições recentes. Temos eleições municipais no ano que vem – vamos escolher nossos prefeitos e vereadores – e é bom o eleitor ficar esperto.


Um deles foi exposto à verdade do financiamento da sua última campanha com a revelação de caixa dois, isto é, dinheiro contabilizado “por fora” e dos contribuintes. O outro foi exposto à verdade do apodrecimento de suas bases sindicais, capazes de matar pela guerra do poder. Ambos buscaram esconder os casos com o golpe publicitário da indiferenciação – ou seja, que tudo aquilo era normal, fazia parte da política. E como as coisas sempre acabando sem punições, parece que faz mesmo parte da política.


O primeiro conseguiu passar a imagem de que todas as campanhas são “assim mesmo”. Para tanto, contou com a ajuda de telejornais ostensivamente “apartidários”, mais interessados na manutenção do equilíbrio político do que propriamente nos fatos. Mais uma vez trata-se de uma impressão da verdade, não da própria. O segundo conseguiu passar a imagem de que todas as bases sindicais são assim mesmo. Para tanto, contou com a ajuda não apenas dos “apartidários”, mas da censura. Aliás, não foi a primeira vez em que limitou a liberdade de expressão no caso, proibindo um adversário seu de tratar do assunto no horário eleitoral dito gratuito.


Estamos falando de coisas acontecidas há quase dez anos, em 1994, eleição mais complexa do que a de 1989 —e a complexidade vai se ampliando de ano para ano. Alguns tentam impor fórmulas mirabolantes, com a desculpa de que assim teremos a verdade. Não acredite. Desconfie dos que sonham com os “bons tempos”... Que ficaram para trás.


Preocupados com a manipulação do eleitorado, os juízes dos Tribunais Eleitorais —TREs e TFE– de todo o país, todos os anos veiculam campanhas publicitárias pugnando pela melhoria da qualidade do voto. Os Tribunais Eleitorais procuram conscientizar o eleitor e evitar que caia nas armadilhas de candidatos que buscam apenas o benefício próprio, usando os mesmos mecanismos publicitários e mercadológicos utilizados pelos políticos.


Um exemplo disse aconteceu na quinta-feira, 13 de maio, no programa partidário do PT na tv, quando o presidente Lula da Silva reforçou seu papel de cabo eleitoral da pré-candidata do partido à Presidência da República, Dilma Rousseff. Durante todo o programa, alternou-se falas da sra. Rousseff com aparições do presidente, que falava de sua admiração por Dilma e do papel da ministra em seu governo: mas “(...) eu admiro mesmo é a história dela. A Dilma é uma mulher que sempre viveu tudo intensamente”.


Lula da Silva relacionou a história de Rousseff com a de Nelson Mandela. “Ninguém fez mais pela união da África do Sul do que o Mandela fez, depois de passar 27 anos na prisão”. A comparação de Dilma com Mandela é tão estapafúrdia —só pode ser pileque ou insanidade de quem a disse. Dilma Rousseff demonstra um caos de idéias confusas, daí a sua incapacidade de se expressar com fluência e clareza numa entrevista.


Por isso tudo, os juízes eleitorais estão prenhes de razão, pois os candidatos, hoje, são tratados como produtos, graças à força do marketing político e eleitoral —alguns acabam mudando radicalmente suas idéias e suas ideologias com o objetivo único de ganhar as eleições. O eleitor deve pensar neles como em marcas de sabão em pó, traduzindo seus comerciais e o que aparece nos telejornais, porque também eles respondem às estratégias de imagem. Só assim o eleitor estará próximo, afinal, de alguma verdade: a sua própria verdade.


Uma outra máxima, salvo engano criada pela célebre político norte-americano Abraham Lincoln, garante que “em política, basta se ter condições de repetir muito uma mentira para ela virar verdade”. Até porque em época de eleição, o político se transforma num gaiato, que prefere a versão ao fato. Esse é o político que não tem medo algum do escuro... Mas tem pavor da claridade.

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