segunda-feira, 19 de abril de 2010

[Voando]

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Sonhei que voava. Um sonho recorrente, um desejo sempre flutuando no turbilhão dos meus neurônios, algo sempre presente em meus pensamentos. Acho que é por isso que eu gosto de ficar vendo as coisas do alto. Ficava horas e horas nas janelas do apartamento em que morava, apreciando as pessoas, os ônibus, os carros, tudo tão pequeno lá embaixo. Não consigo evitar o clichê: parecem insetos se movendo no solo.


Nos aviões, sempre faço questão de sentar do lado das janelas. Assim, posso ver a vida acontecer lá embaixo, numa dimensão que a faz parecer tão de brinquedo —sempre tenho ímpetos de esticar as mãos e pegar as coisas tão pequenas que parecem estar em outra dimensão, muito diferente da seriedade da realidade. Penso na famosa imagem de Deus sendo uma criança que toma conta de uma fazenda cheia de formigas.


Eu sei voar. Não como um pássaro. Certamente não como o Super-Homem ou o Capitão Marvel, ou qualquer outro desses super-heróis voantes. Também não como um avião, avião-de-rosca, disco-voador ou qualquer outra máquina voadora. Muito menos como um anjo, que, como todo mundo sabe, são seres divinos e alados que fazem a ligação entre o Todo-Poderoso e os homens. Os anjos possuem conhecimento sobre todas as áreas, de forma intuitiva e atendem a humanidade segundo as suas necessidades. Mas esta é outra história.


Apenas e tão-somente voava —isto é, flutuava no ar... E pronto!. Um sonho inteiro vendo coisas por cima. A rua da casa de meus avós, fios (cuidado!), araras azuis, pombos cinzentos, árvores no quintal. E, claro, pessoas me olhando, espantadas. Afinal, onde já se viu ou ouvir falar de um ser humano voando por seus próprios meios?


Porém, mais espantado estava eu: era muito fácil voar. Simples. Como nunca ninguém tinha voado sozinho antes? Basta esticar as palmas das mãos como se se quisesse aparar o vento, jogando-o para baixo delicadamente. Nada de bater os braços, dar impulso com os joelhos, não, não! Palmas em diagonal ao chão, e pronto. A mão esquerda um pouco mais pra lá e, e pronto, eis uma curva suavemente bem feita. E com as mãos mais juntas ao corpo a descida é confortável.


No começo, voar dá medo. É estranho ver que é suficiente o desejo de voar. Meu pesado corpo mais-leve-que-o-ar? Como se sustenta? E na hora de descer? E se eu me machucar? E a dor? Percebi que essas inseguranças são incompatíveis com o voo. Não se pode voar pensando nisso. Não pense. Voe.


Voar serenamente, silenciosamente, delicadamente. Ver de longe e do alto as pessoas indo pra lá, vindo para cá, observar o fluxo dos carros, dos ônibus, das motocicletas, conhecer os tetos das casas, dos edifícios. Brinquedos esquecidos no fundo de uma piscina. Outra piscina e a mulher tomando sol despida. O carrinho de mão abandonado na obra. A obra inacabada e abandonada por algum governante inepto.


E meu voo continua. Mais lá na frente, um parque de diversões com uma roda-gigante. A lona de um circo mais adiante. E a pontuda torre da igreja. Será possível ir tão alto? Sim, claro que é possível, mas não necessário. Não é necessário quebrar nenhum recorde de velocidade, altitude, tempo. Só voar. Apenas voar.


Acordei. Mas todas as boas sensações do voo vieram comigo: voar é preciso. Era preciso ser livre. Ser um pássaro para voar por tantos caminhos e descaminhos, tantos horizontes. Sentir o quanto a natureza é bela e generosa e, ao mesmo tempo, o quanto é cruel e sábia. Olhar as pessoas do alto, ora em sua glória, ora em seu fracasso: ver o mundo lá de cima e, por isso, sentir-se grande, na minha pequenez, e forte na minha fragilidade. Observar que o mundo é perfeito e grande e os seres humanos tão mesquinhos e pequenos. E se comece um novo voo. O voo da liberdade. Continuar voando, mesmo que de olhos abertos.

Voar é o sonho despojado de maquiagem que me leva onde o sol adormece ou onde a lua se desnuda pra noites de luxúria e prazer. Onde o mar se acalma esquecido das ondas e da praia ou onde a fonte gorgoleja a água fresca que mata a sede ou onde a terra se espreguiça para receber as gotas da chuva. Onde ando sob as águas da cachoeira que me lava dos pecados ou onde eu me esqueço de pensar que morri! Asas... Asas que me fazem alçar voo. Assim, com o vento na face, penso na rota que vou tomar pra chegar mais longe. No espaço; na vida.

Um comentário:

Vampira Dea disse...

E esse é o tipo de sonho delicioso.Lindo o seu sonho.