O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não
fala, não enxerga, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que
o custo de vida, o preço de feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato,
do remédio, dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro
que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil
que, da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior
de todos os bandidos, que é o político vigarista; pilantra e corrupto. O
analfabeto político é lacaio dos exploradores do povo.
O Analfabeto Político
Poema-crônica de Bertolt Brecht
Já dizia Niccolò Machiavelli que a virtú era a arma para sedução da Fortuna. O cônsul italiano acreditava, ao contrário dos romanos, que tal atributo não estava relacionado à virilidade —à força masculina, atributo do macho—, mas à sutil combinação entre a força e a astúcia. Mais que a força, a sagacidade de demonstrar —sem a utilizar— que a força é que marcava a vida dos grandes príncipes. Através desse caminho, muitos analistas atribuíram a Machiavelli a noção de que o critério para julgar uma decisão política é simplesmente o seu resultado ou a conquista do objetivo a partir da habilidade. O mundo da moral e o mundo da política estariam em dimensões distintas. Simplificando, a conhecida noção de que o fim justifica os meios.
Max Weber, autor de Politik als Beruf (A Política como Missão), retomou o dilema ao analisar a ética da responsabilidade, que envolve a ação dos líderes políticos. Um líder, argumenta o sociólogo alemão, é movido pela paixão, mas também possui equilíbrio. Antes de tudo, porém, é responsável pelas conseqüências das suas ações. Um dos corolários é que, para o governante, o que importa é a certeza do resultado.
A partir daí, muitos seguidores de Weber sustentam que a omissão é uma atitude plausível e justificável na ação responsável de um líder político. Conseqüentemente, nem sempre um líder pode ou deve dizer o que ocorre ou vai ocorrer, sob pena de estimular a disputa e trair os planos de Estado. Fugir à responsabilidade pelos erros dos subordinados é um exemplo disso —todos sabemos a confusão que dá.
Partindo-se do princípio de que essas concepções e orientações teóricas são absolutamente corretas, todos os candidatos a um cargo político com reais condições de vitória tenderiam a convergir para um discurso e práticas comuns, antecipando a ética de um chefe de Estado. Sabendo que poderiam ser eleitos e assumir um cargo público, tenderiam a ser cautelosos, adotar a responsabilidade do cargo e demonstrar possibilidades, mais que agir de maneira irrefletida. Ao contrário, um candidato sem chances de vitória poderia mostrar-se por inteiro, pender para atos mais agressivos e afoitos, pois estaria longe de praticar sua virtude.
Esta talvez seja uma explicação teórica plausível para o que acontece na campanha eleitoral deste ano. Por que, afinal, principalmente os candidatos presidenciais, ainda que não estejam claramente definidos quais são, se parecem tanto —fala-se dos presidenciáveis, mas isto é real aqui também— nas suas propostas? Uma boa explicação é justamente a real chance de qualquer um deles tornar-se o próximo presidente da República —ainda que hajam apenas dois realmente na disputa. Intuitivamente, percebem que o segundo turno das eleições já é uma certeza.
José Serra (PSDB), demonstram as pesquisas recém saídas dos fornos, está com jeito de garantir a cada dia que passa a sua vaga na finalíssima desta disputa. Dilma Roussef e Ciro Gomes disputam a outra vaga —agora com uma sólida vantagem para a Dama de Pedra—, de acordo com os levantamentos mais recentes. O trio de candidatos parece antever que, no segundo turno, haverá uma outra eleição, não havendo garantias sobre o resultado. Então, os três assumem uma postura prudente e cautelosa, insinuando que não romperão com o stabilishment. Mas esta hipótese não basta. Há ainda a possibilidade de Marina Silva, do PV, e Roberto Requião, mas por enquanto estes não contam. Requião, postula a candidatura dentro do seu partido, o PMDB.
Sabe-se que em momentos de forte crise social e/ou econômica, de insegurança total sobre o futuro, surgem lideranças políticas pouco racionais, da estirpe dos carismáticos ou dos demiurgos. Sigmund Freud escreveu, num artigo um tanto conservador, um texto sobre este fenômeno: em O Futuro de uma Ilusão, ele traça um paralelo entre a busca da figura do pai organizador e a busca das massas —quando mergulhadas no caos— da figura do líder aglutinador que guia a sociedade com uma promessa de triunfo. Um verdadeiro demiurgo.
A semelhança do comportamento dos três candidatos e o espaço insignificante e pouco legitimado de discursos mais arrojados na campanha eleitoral de 2010 parecem indicar uma percepção geral de que o país não está precisando de mudanças —não de mudanças profundas, embora muita coisa tenha mudado sob Lula da Silva. Isto poderia significar um sinal de avanço e de maturidade política da sociedade brasileira. Mas não é bem assim e esta alternativa também é insuficiente.
Outra hipótese plausível para a parecença do comportamento dos postulantes é o cenário econômico de 2011, que reduz o espaço de manobra do próximo presidente. Não estamos mergulhados no caos, porém estamos cientes de que não temos a garantia de um amanhã de crescimento e estabilidade. O fluxo de capital externo para as empresas instaladas no país é instável.
É claro que a instabilidade latino-americana, as crises da Argentina, Paraguai, Bolívia e a Venezuela (esta sob ditadura), além do Haiti, a quebradeira de grandes corporações norte-americanas, provocam enorme desconfiança nos senhores do capital. Concorrem para tanto, também, a diferença do dólar para o euro —como que demonstrando o esgotamento do crescimento dos EUA— e a crise dos balanços forjados pelas megacorporações norte-americanas —muitas das quais foram à bancarrota recentemente. Resumindo, o cenário do ano que poderá ser de grande aperto financeiro. Pior para nossa estrutura econômica.
Os três pré-candidatos, é claro, estão cientes de que não podem abrir muito o estoque de opções, sob pena de prometerem o que não poderão cumprir e ainda perderem, talvez logo nos primeiros dias de governo, a legitimidade que conquistarem nas urnas, diga-se de passagem modernas e eletrônicas, mas que provocam a desconfiança de muita gente.
Tem outra explicação plausível: o envelhecimento precoce de um sistema partidário que nunca foi dos mais sólidos e confiáveis. Deixamos um sistema bipartidário, imposto pelo regime militar instalado em 1964, para um sistema pluripartidário muito instável e fisiológico. Estudos e comentários científicos indicam que a exceção à regra era o Partido dos Trabalhadores. O PT teria, em resumo, as características clássicas de um partido político moderno: programa partidário para além do período eleitoral, organização burocrática profissional, bases sociais sólidas, militância atuante inclusive fora do período das campanhas eleitorais. O atraso petista está mais em seus militantes —mesmo aqueles dos mais altos escalões— do que propriamente da estrutura partidária, ainda que a agremiação tenha piorado depois de haver assumido o poder.
O resultado é que, nas eleições de 2002 —mais ainda na de 2006— já se percebia um decisivo desvio do PT na direção de uma intenção mais claramente eleitoral e menos mobilizadora —daí o afastamento da sempre presente militância petista. Para tomar esse desvio reforçou o marketing político, reduziu gradativamente seus pontos de atrito com a ordem social vigente e procurou ampliar seu público-alvo para os segmentos formadores de opinião.
Flexibilizou, portanto, seus vínculos com os movimentos sociais que lhe proporcionavam sustentação desde a sua criação, e assim deixou de lado muitos dos compromissos com a pauta política que esses movimentos elaboravam. Com o divórcio, o PT aproximou-se do padrão instável dos demais partidos políticos brasileiros. Sem o antigo poder de mobilização social —ou mesmo certa simbiose com tais movimentos— o cenário partidário ficou pasteurizado. Nas eleições deste ano, o que era apenas uma tendência, passou a ser uma marca: as alianças políticas são muito parecidas, sem a base histórica. O que vale não é a vitória, mas ganhar as eleições. Se alguém duvida disso, é só ver quem são os principais aliados da companheira Dilma Roussef na campanha que ainda nem começou oficialmente.
Todos sabemos, ainda que intuitivamente,

Em resumo, nestas eleições de 2010, os candidatos estão mais uniformizados, mais digestíveis. A mesmice domina tudo e, mais que nunca, o divórcio entre padrão moral e padrão político é evidente. Com certeza estamos experimentando uma espécie de cultura pós-moderna na política. Os políticos demonstram que hoje estão cheios de argumentos e atitudes ambíguas, que podem tanto ser usados como contestação ou a favor do sistema, capuz para dias de chuva excelente para dias de sol. São candidatos double face...
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