quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

[Liberdade?]

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Este é tema antigo e muito discutido —no Brasil, porém, discute-se muito e pouco se faz. Por isso é sempre oportuno voltar a ele: a independência política do Brasil, proclamada num 7 de setembro, no longínquo 1822, não significou a independência do povo brasileiro. Ao menos para a maior parte dele. A elite econômica da época acabou criando um liberalismo sui generis que visava a garantia de seus principais interesses: a manutenção das relações escravistas, a concentração da propriedade da terra e a consolidação do seu mando no Estado, que perdura até hoje. A Constituição de 1824 fundou um estado juridicamente desigual ao garantir direitos individuais à elite branca e tolerar a escravidão dos negros.

No bojo da Independência, a Constituição de 1824 produz algumas rupturas que fazem parte do universo liberal no conjunto das idéias fora do lugar da modernização à brasileira. Surgem as garantias individuais, mas é lógico que tudo isto não poderia colidir com o “direito de propriedade em toda a sua plenitude” que, mantida a escravidão na letra da lei, instituiria a cilada da cidadania no Brasil, que pontua até hoje os discursos do liberalismo da direita à terceira via no Brasil.

Paradoxalmente, o escravo, que era coisa para o Direito Civil e mercadoria para a economia da época, podia ser sujeito ativo de crimes. Ironia perversa do liberalismo tupiniquim: o escravo só seria reconhecido como ser humano ao praticar crimes. Sua “independência civil” muita vez só era alcançada com sua condenação à morte. A criminalização do negro no Brasil imperial estava diretamente relacionada ao fantasma das rebeliões que afligia as elites da época.

É este medo do negro, do pobre, da rebelião que aflige o inconsciente coletivo da elite brasileira até os dias de hoje. Os quilombos converteram-se em favelas; os insurgentes em traficantes de drogas; a criminalização do negro em criminalização do pobre. E a guerra continua. O medo continua. A reação natural ao medo é a guerra ao inimigo, pois somente sua exclusão —sua morte— trará a paz. No dilema entre a independência ou morte, a elite brasileira optou por sua independência à custa da morte das massas.

E a elite ainda finge que nada está acontecendo. É puro escárnio. Por isso, para que o Brasil se reconheça como independente, as elites econômicas terão que pagar às massas seus direitos à educação, saúde, trabalho, moradia e tantos outros garantidos na Constituição da República de 1988. A elite brasileira só proclamará a independência de seus medos, quando indenizar as massas pela miséria, pela exploração e pelas mortes causadas.

O dilema da “independência ou morte” só se resolverá quando a independência de uns não estiver mais condicionada à morte dos demais. Só assim os pobres se libertarão de seus cárceres e os ricos de seus medos.

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