sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

[Da natureza do colunismo social]

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Garantem os especialistas no assunto que Campo Grande é a capital brasileira com maior número de colunistas sociais per capita no país. Esses mesmos experts não logram explicar o porquê do fenômeno: sabe-se inclusive que não existem estudos aprofundados a respeito deste momentoso tema, que a todos afeta.

Entretanto, os especialistas garantem que o colunista mundano é também um ser humano e, como todo ser humano, está exposto às fragilidades naturais da espécie: unha encravada, botulismo, cartão de crédito sem limite, cheque especial bloqueado, telefone portátil (vulgo celular) com a conta atrasada etc. A propósito, celular é uma ferramenta indispensável para o colunista social: a maioria tem pelo menos dois, sempre de última geração, mesmo que não tenha fundos pra pedir uma talagada de cachaça no botequim da esquina.

Estudos recentes comprovam que o ser humano que constitui o colunista social pode ser dos mais diversos sexos, dimensões, personalidades, temperamentos, aparências, culturas, etnias: existem colunistas indígenas, de origem paraguaia ou alemã; colunistas magros, colunistas gordos, colunistas mais ou menos; alguns colunistas vestem ternos, outros preferem jeans e camisetas. Quase todos moram na Zona Leste da cidade e trazem nos cartões de visitas endereços ditos granfas.

Hoje em dia, graças à proliferação das faculdades de comunicação e de letras, além de cursos de eja, muitos colunistas escrevem suas próprias colunas, embora este não seja um hábito lá muito bem visto pela classe —por isso, muitos preferem ter personal ghostwriters. A maioria dos colunistas, porém, consegue ler a coluna que assina —ou tem alguém de confiança que lê pra ele.

No colunismo mundano, usa-se a adoção de anglicismo e galicismos, o que leva o analista a crer que os colunistas exercem o papel de criação de um jargão da vida social. É o que se poderia chamar, doutra sorte, de princípio sociocultural, isto é, o jargão social indica uma classe social (burguesa) e sua cultura (estrangeira) que segue uma longa tradição da cultura brasileira, desde o período colonial. O empréstimo, por adoção, é um fenômeno sócio-lingüístico mais importante em todos os contatos de línguas. Ocorre todas as vezes que existe um indivíduo apto a se servir total ou parcialmente de dois falares ou sistemas lingüísticos diferentes

De cada 151 colunistas, 2,5 falam uma língua estrangeira —alguns até sabem algum idioma alienígena; cinco em cada 163 falam (e escrevem) o português. Os cronistas de priscas eras falavam o francês, que era a língua da moda. Hoje em dia, com a universalização do inglês, que está se tornando uma língua latina por causa da introdução de inúmeras palavras espanhola, a maioria usa uma espécie de spanenglishlusitano.

De modo geral, adota-se um entendimento muito pragmático entre o colunista social e seu empregador, o dono do jornal ou sítio de notícias na Internet. Esse entendimento baseia-se na compreensão e no respeito mútuo: o colunista escreve o que interessa ao boss ou é imediatamente defenestrado. Dessa compreensão das relações resultam duas vantagens de suma importância: o colunista passa a compreender mais profundamente o que é verdade: a verdade é tudo aquilo que convém ser publicado. E o boss passa a depositar a mais profunda confiança no colunista do seu veículo.

Assim também o sujeito/colunista social tende a vender as informações como mercadoria e tratar seus leitores como consumidores. Tomados pela superficialidade e imediatez da vida cotidiana, os leitores se identificam com notas curtas e rápidas para ler, constituídas de informações atuais. Dessa forma, nesse gênero há uma mistura de informações e opiniões que constituem essas adequações da coluna social. Assim, o próprio nome desse gênero já está sendo (re)configurado, pois as colunas sociais já não possuem o sentido de social da alta sociedade brasileira, e sim de variedades e segmentações para a sociedade em geral, visando os bens de consumo e o marketing das chamadas celebridades.

E como o veículo de comunicação, por sua vez,
se encontra exatamente a serviço dessas figuras afortunadas chamadas celebridades —políticos, artistas, cantores de música baiana, atores globais, jogadores de futebol, putains respecteuses, participantes de reality shows da tv, narcotraficantes e outros—, dotados de poder e burras abarrotadas, e como, por mera coincidência, são justamente essas que o colunista menciona sempre em sua coluna, chega-se à insofismável conclusão de que essas celebridades são, por vias indiretas —ou não tão indiretas assim—, colunistas sociais de si mesmas, entrando o colunista apenas com o nome e a coluna.

Do mesmo modo, muitos colunistas partem pra auto-louvação: agregam celebridades a si mesmos posando ao lado de celebridades verdadeiras do mundo real. As colunas sociais estão abarrotadas de fotos dos colunistas ao lado daqueles mesmos políticos, artistas, cantores de música baiana, atores globais, jogadores de futebol, putains respecteuses, participantes de reality shows da tv, narcotraficantes e outros mencionados lá atrás.

Donde se conclui que o regime da sociedade sem classes já foi na realidade instaurando no Brasil que nos apercebêssemos disso. Mas a vida é assim mesmo: muitas vezes as coisas já aconteceram e a gente ainda está suspirando por elas. E quando tomamos tento, a festa acabou, a banda silenciou, a luz se apagou e nós não tivemos a chance de posar pra uma foto com aquela formosa morena que se servia de canapés de rabo-de-jacaré ou aquele elegante cavalheiro de cabelos grisalhos que pedia ao garçom um copo de caipirinha de vodka finlandesa. Pena; tinham jeito de celebridades.

Um comentário:

Julio Cotting disse...

Esse artigo sintetiza tudo o que penso sobre o colunismo social. Na leitura oque mais me incomoda é justamente essa linguagem podre cheia de anglicismos, principalmente no nossa city morena, que é um must, mas tem níver's e party's de menos para colunistas demais.